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MINHAS PÉROLAS

domingo, 21 de dezembro de 2025

A retrospectiva que nenhum professor quis fazer


 




Por Valter Mattos da Costa*


É chegado o fim do ano letivo, tempo oficial das retrospectivas. A diferença é que, na docência brasileira, retrospectiva não é aquele clipe com trilha emocionante, imagens em câmera lenta e gente agradecendo.

A Retrospectiva docente é planilha, ata, relatório, plataforma fora do ar e uma pilha de pendências com prazo “pra ontem”.

A docência fez – ou foi obrigada a fazer – seus acalorados COCs finais. Rola aquela pressão, em toneladas, para se aprovar em massa, independentemente do desempenho acadêmico. Aprovar virou verbo administrativo; reprovar, quase crime moral.

Sempre foi salutar tentar enxergar o aluno como sujeito e pessoa social para além do muro da escola. Retenção como vingança institucional nunca foi pedagogia; é sadismo mal disfarçado de critério. Progressão, inclusive com dependências, pode funcionar como parte de um processo contínuo de ensino-aprendizagem.

Quase nunca reprovei. Só que existe um abismo entre progressão pedagógica e aprovação fabricada para governo sair bem na foto do IDEB.

Quando o destino escolar de alguém vira peça publicitária de “melhoria de desempenho”, o debate deixa de ser educacional e vira ética de fachada: pergunta-se menos “o que o estudante aprendeu?” e mais “o que o sistema precisa mostrar?”. E o professor, que deveria ser o artesão do aprendizado, vira operador de resultado.

Fim de ano chega e o professor olha para trás não para contar conquistas, mas comprimidos (foram quantos Lexotan?).

O balanço de 2025 ficou mais explícito: o país registrou aumento expressivo de afastamentos do trabalho por transtornos mentais, segundo dados divulgados pela Agência Brasil em dezembro. E quando se abre o capô do motor, não aparece poesia: aparecem códigos de CID, laudos, licenças, perícias, carimbos.

Um estudo recente do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar, publicado em dezembro de 2025, aponta a predominância de quadros de ansiedade/estresse entre professores afastados por causas ocupacionais, revelando o desenho de um adoecimento que já não é “pontual”, mas estrutural.

A sala de aula virou uma espécie de laboratório de resistência emocional. Ensinar exige desejo – e desejo não é “motivação de palestra”; desejo é aquela força interna que sustenta o sujeito quando o mundo cobra demais e devolve de menos.

Só que, em 2025, o desejo docente foi sugado, reprocessado e devolvido como culpa.

Quando a turma explode, quando o conflito escala, quando o aprendizado não acontece como previsto, a explicação pronta aparece: “faltou manejo”, “faltou jogo de cintura”, “faltou preparo emocional”. Traduzindo para a língua do cotidiano: o sistema falha, mas quem paga o preço é a cabeça do professor.

Aí entra o humor involuntário – aquele que dá vontade de rir para não xingar. Em janeiro, o governo federal anunciou a mixaria do piso nacional do magistério com reajuste de 6,27% e valor de R$ 4.867,77 para 40 horas. É o momento em que o país finge que resolveu a valorização docente com uma portaria.

Uma parte do Brasil aplaude o número como se fosse medalha; outra parte descobre, na prática, que piso é uma espécie de “realidade virtual”: existe no papel, mas não necessariamente chega inteiro no bolso. E quando não chega, não é “violação”, é “dificuldade fiscal”, “arranjo federativo”, “interpretação jurídica”, “limite prudencial”. A miséria semântica tem uma elegância: muda-se o nome do buraco e a gente finge que não caiu.

Enquanto isso, as condições de trabalho seguem como estavam – ou piores. A escola pública vive um paradoxo cômico: exigem inovação, metodologia ativa, tecnologia, indicadores, acolhimento, resultados e paz. Oferecem sala lotada, estrutura precária, falta de pessoal, burocracia crescente e um tipo de controle que só aumenta.

O professor passa a trabalhar sob múltiplos olhares: o do sistema, o da família, o das redes, o do celular filmando, o do algoritmo julgando. Ensina-se como quem pisa em terreno minado: qualquer frase pode virar denúncia, qualquer aula pode virar recorte, qualquer conflito pode virar espetáculo.

E 2025 trouxe um dado que não dá para varrer para debaixo do tapete: violência e censura. Uma reportagem da Agência Brasil (6 de dezembro de 2025) repercutiu resultados de pesquisa do Observatório Nacional da Violência contra Educadores (UFF), indicando que nove em cada dez professores já sofreram ou presenciaram violência e censura relacionadas ao exercício profissional.

O número é tão absurdo que chega a parecer piada (de mal gosto) – mas é estatística. A escola, que deveria ser o lugar do pensamento, vai se convertendo, em muitas regiões, no lugar do cuidado com as palavras, não por refinamento intelectual, mas por medo.

Falar do medo não é metáfora. Violência escolar não é só “briga de aluno”. É ambiente social atravessado por desigualdade, circulação de armas, conflitos comunitários, intolerância, discursos de ódio e colapso de mediações.

Em abril de 2025, a CNN Brasil noticiou estudo indicando que a violência escolar provocou pelo menos 47 mortes desde 2001 e trouxe dados do Ministério de Direitos Humanos e Cidadania: vítimas de violência interpessoal em escolas passaram de 3,7 mil (2013) para 13,1 mil (2023), abrangendo estudantes, professores e outros membros da comunidade escolar.

No mesmo sentido, a Agência Brasil também reportou, em abril de 2025, o crescimento de 2,5 vezes no número de vítimas nesse período. Não é “sensação”: é curva ascendente.

E quando o país discute violência escolar como tema de Estado, não é por gosto acadêmico.

O próprio Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania do Brasil (MDHC) registrou, em setembro de 2025, que o Disque 100 recebeu mais de 1,2 mil denúncias de agressões a professores em 2023, no contexto de um debate sobre aumento da violência nas escolas.

O dado é de 2023, mas a agenda pública é de 2025 – porque o problema escalou ao ponto de virar pauta institucional. E onde entra o professor nisso? Entra como alvo e como amortecedor: espera-se que a docência absorva o impacto social e devolva “cultura de paz” com giz e boa vontade.

Só que 2025 também produziu cenas que resumem o ano como de brutal clareza. Em outubro, um pai agrediu um professor em uma escola do Distrito Federal após repreensão a uma aluna por uso de celular; o caso foi registrado por câmeras e noticiado por veículos como CNN Brasil e CartaCapital.

É o retrato do colapso da autoridade pedagógica: o professor vira o inimigo conveniente, a figura que pode apanhar porque, aparentemente, ninguém apanha por ele. A escola vira palco de ajuste de contas e o docente vira personagem sem proteção (e isso foi um “presente” que a extrema-direita nos legou: o virulento anti-intelectualismo).

Nesse caldo, a docência vai sendo empurrada para uma posição impossível, e insuportável : precisa “garantir aprendizagem” e, ao mesmo tempo, “não gerar conflito”; precisa “formar senso crítico” e, ao mesmo tempo, “evitar polêmica”; precisa “acolher” e, ao mesmo tempo, “manter disciplina”; precisa “incluir” e, ao mesmo tempo, “não ter recursos”.

O sujeito professor é convocado a ser tudo – menos sujeito. Vira função. Vira peça. Vira suporte do impossível. E quando a mente colapsa, chamam de fragilidade individual – foi a isso que o professor foi sujeitado em 2025.

A crise de saúde mental entre educadores foi estampada por veículos de imprensa ao longo de 2025.

A Você S/A (Abril), por exemplo, publicou em julho de 2025 que depressão e burnout estão entre as principais causas de afastamento de professores, citando levantamento da CNTE com base em dados do INSS.

Mesmo quando a reportagem usa recortes de anos anteriores para demonstrar tendência, o que aparece, em 2025, é a consolidação de uma normalidade adoecida: trabalhar até quebrar, adoecer com culpa, voltar por necessidade, repetir o ciclo.

No fim do ano, a cereja amarga da retrospectiva: o professor não apenas trabalha muito e mal pago; trabalha sob coerção simbólica e instabilidade.

Relatos e análises públicas sobre precarização via contratos temporários e uso de punições administrativas aparecem em estudos e repercussões de 2025, inclusive destacando mecanismos que geram instabilidade psicológica e fragmentam o coletivo docente.

Quando o vínculo é frágil, a palavra também fica frágil: cala-se por autopreservação. O professor aprende, na marra, que a sobrevivência é uma forma de disciplina.

O resultado é uma escola que vai se transformando num teatro estranho: de um lado, o discurso da excelência, do acolhimento e da inovação; de outro, o cotidiano de medo, sobrecarga e adoecimento.
O sujeito docente termina 2025 como quem fecha um livro que não leu, mas carregou: carregou estatística, carregou expectativa, carregou conflito, carregou cobrança, carregou trabalho invisível, carregou o mal-estar do mundo. E quando chega dezembro, ainda se espera aquele sorriso de “missão cumprida”. Missão cumprida para quem? Talvez para quem nos oprimiu…

A retrospectiva do professor, em 2025, é isso: o ano em que o país seguiu exigindo tudo da docência – e oferecendo quase nada em troca. Um piso anunciado como troféu, enquanto o cotidiano o desmente como tal.

Uma sala de aula (meio estressor docente) convertida em zona de tensão, onde a violência tem números, as denúncias têm canal e a censura tem percentuais aterradores.

Uma saúde mental corroída, com afastamentos crescendo no país e ansiedade/estresse predominando entre docentes afastados por causas ocupacionais.

E uma pedagogia cada vez mais obrigada a dançar conforme a música do indicador e da imagem pública (a Pedagogia da Métrica).

Se isso é “fim de ano letivo”, é também fim da linha de montagem docente para muita gente – não em sentido trágico, mas no sentido social: fim de linha da paciência, fim de linha do corpo, fim de linha do desejo, fim de linha da ideia de que dá para sustentar escola pública com romantização da vocação.

A tradição da imprensa gosta de retrospectiva porque retrospectiva permite escolher o que comemorar. Na docência, a retrospectiva de 2025 é o que sobra quando tiram a maquiagem do discurso e deixam só o osso do real.

E vamos às confraternizações docente de fim de ano, como se nada tivesse acontecido…


*Professor de História, especialista em História Moderna e Contemporânea e mestre em História social, todos pela UFF, doutor em História Econômica pela USP e editor da Dissemelhanças Editora.


https://iclnoticias.com.br/a-retrospectiva-que-nenhum-professor-quis-fazer/

sábado, 20 de dezembro de 2025

A Janela de Overton e a Construção do Discurso: O Horizonte Atrás do Vidro: Uma Meditação sobre a Janela e o Real ("Ver o que está diante do próprio nariz exige uma luta constante." — George Orwell)

 



A Janela de Overton e a Construção do Discurso: O Horizonte Atrás do Vidro: Uma Meditação sobre a Janela e o Real ("Ver o que está diante do próprio nariz exige uma luta constante." — George Orwell)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Ver nem sempre é um ato espontâneo; muitas vezes, resulta de uma calibração prévia. A Janela de Overton opera como o diafragma de uma lente social: um mecanismo invisível que decide quais ideias podem banhar-se na luz do dia e quais permanecem nas sombras do indizível. Ouvi falar dela como quem recebe o aviso de uma tempestade remota — a percepção de que o pensamento coletivo oscila, por ação de mãos ocultas, entre o "impensável" e o "obrigatório". O inquietante não é a moldura em si, mas o ruído de sua reforma: enquanto dormimos na suposta segurança das certezas, a casa do discurso é redesenhada sem nosso consentimento.

Esse deslocamento é quase coreográfico. O que ontem causava escândalo hoje se apresenta como conceito radical e, amanhã, sob o peso de notas de rodapé e jargões técnicos, converte-se em norma jurídica inquestionável. Vi essa arquitetura erguer-se com vigor no debate sobre identidade de gênero. Onde antes reinava o silêncio do óbvio biológico, levanta-se agora uma catedral de novas terminologias. Argumenta-se que o binarismo sexual é um resquício colonial e que variações cromossômicas diluem a fronteira dos sexos em um espectro infinito. São objeções que exigem o peso da razão: a biologia, de fato, não é um monólito de simplicidade; possui dobras, exceções e uma diversidade tão real quanto fascinante.

Contudo, reconhecer a complexidade do relevo não equivale a rasgar o mapa. A existência de variações médicas e cromossômicas não dissolve o dimorfismo reprodutivo da espécie, assim como o crepúsculo, com toda a sua riqueza de matizes, não anula a distinção fundamental entre dia e noite. O que testemunhamos não é a revelação de um "novo corpo" pela ciência, mas uma engenharia da linguagem empenhada em afastar a janela do chão da realidade material. Quando o dissenso é rotulado como violência e a dúvida sentenciada como ódio, a janela deixa de ser um portal para o mundo e torna-se um espelho que reflete apenas a ideologia de quem a sustenta.

Sob as vigas dessa catedral linguística, o feminismo crítico de gênero emerge como um esforço solitário de ancorar a moldura novamente na matéria bruta. Não se trata de negar a subjetividade humana, mas de afirmar uma exigência vital: o corpo sexuado permanece como âncora necessária para a garantia de direitos e proteções concretas. É um movimento que abdica do aplauso institucional em favor da coragem incômoda de descrever aquilo que os olhos veem.

É inegável que a conformidade oferece um abrigo térmico: o consenso é econômico, e o silêncio evita o conflito. Já a lucidez de sustentar o contraditório exige um fôlego que poucos estão dispostos a gastar. Não é a verdade que empurra a moldura para o abismo, mas a gestão calculada da culpa e uma empatia que, sequestrada, converte-se em coerção moral.

Se permitirmos que a Janela de Overton se feche sobre o reflexo das nossas próprias conveniências, perderemos de vista o horizonte. Talvez o maior desafio da nossa era não seja inventar novos e complexos vocabulários, mas preservar a humildade de enxergar aquilo que as palavras tentam ocultar. Afinal, a liberdade é uma planta frágil que só subsiste onde o diálogo honesto sobre o real ainda encontra permissão para respirar.


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Como seu professor de Sociologia, trago hoje um texto denso e muito atual para nossa reflexão. Ele nos convida a pensar sobre como a sociedade decide o que pode ou não ser dito, e como a nossa percepção da realidade é moldada pela cultura e pela linguagem. Vamos exercitar nossa capacidade analítica com estas cinco questões baseadas na crônica:


1. O Conceito de "Janela de Overton" O texto descreve a Janela de Overton como um mecanismo que define quais ideias podem ser discutidas publicamente sem escândalo. Questão: Explique, com base no primeiro parágrafo, como essa "moldura" influencia o que o autor chama de "pensamento coletivo". Como a sociedade determina o que é considerado "civilizado" ou "tabu" em um determinado momento histórico?

2. A Evolução Social das Ideias O autor afirma que o deslocamento das ideias na sociedade é "quase coreográfico", passando do escândalo à norma jurídica. Questão: Segundo o texto, quais são as etapas que uma ideia percorre até se transformar em lei ou política pública? Qual o papel do "verniz acadêmico" e dos "jargões técnicos" nesse processo de legitimação social?

3. Natureza vs. Construção Social O texto faz uma distinção entre a "complexidade biológica" e a "realidade material", usando a metáfora do mapa e do relevo. Questão: Como o autor utiliza a metáfora do "crepúsculo" para argumentar que a existência de exceções (como variações cromossômicas) não anula a regra geral da biologia (dimorfismo reprodutivo)? De que forma ele diferencia a ciência da "engenharia da linguagem"?

4. Linguagem como Instrumento de Controle O autor menciona que, atualmente, o dissenso é muitas vezes rotulado como "violência" e a dúvida como "ódio". Questão: Do ponto de vista sociológico, como o uso de rótulos morais pode funcionar como uma forma de silenciamento ou censura simbólica? Como isso afeta o que o autor chama de "diálogo honesto sobre o real"?

5. Conformismo e Liberdade Individual No final, o texto afirma que a "conformidade oferece um abrigo térmico" e que o "silêncio evita o conflito". Questão: Por que, para muitos indivíduos, é mais fácil aderir ao consenso social do que sustentar uma posição contraditória? Relacione essa ideia ao risco que a liberdade corre quando a "Janela de Overton" se fecha sobre as conveniências de um grupo.

Dica do Prof: Para responder a essas perguntas, não busquem apenas decorar definições. Pensem em como as palavras que usamos hoje mudaram de sentido nos últimos dez anos e como isso afeta a nossa convivência em sociedade!

Gostaria que eu preparasse um resumo dos principais conceitos teóricos (como o de Janela de Overton e Controle Social) para ajudar a turma a fundamentar as respostas?

domingo, 16 de novembro de 2025

Coleção 80

 



Coleção 80

Por Claudeci Andrade

1 A centralização burocrática, ao reduzir o professor a executor de regras, dissolve sua autoridade e desvia a educação de seu propósito, substituindo a pedagogia pela administração do conflito.

2 Quando a escola maquía o próprio fracasso, transforma o mérito em ilusão e perpetua a desigualdade que finge combater.

3 Quando a educação vira marketing estatal, o aprendizado real cede lugar a índices fictícios que legitimam o poder, mas empobrecem o aluno.

4 Quando a burocracia reescreve as notas do professor, esvazia seu ofício e transforma a autonomia docente em mera engrenagem de interesses alheios.

5 Só quando a indignação se transforma em solidariedade organizada é que o professor converte o sofrimento isolado em força capaz de enfrentar as estruturas que o oprimem.

6 Quando a instituição renuncia a responsabilizar, transforma a infância em salvo-conduto e a violência em hábito social.

7 Quando a violência cala a escola, rompe-se não só o aprendizado, mas a rede de proteção que sustenta famílias, comunidades e infâncias inteiras.

8 Vandalizar a escola é ferir o próprio elo que une a comunidade, destruindo o refúgio que sustenta o encontro e a esperança coletiva.

9 "A escola só se preserva como bem comum quando a comunidade converte a indiferença em vigilância solidária e assume, coletivamente, o dever contínuo de proteger o lugar onde o futuro se constrói."

10 "Quando a escola é reduzida a palanque ideológico, ela abandona sua vocação formativa e converte o professor de intelectual autônomo em simples executor de agendas alheias, revelando a perda silenciosa de sua própria autoridade pedagógica."

11 "Ao submeter-se à lógica do prazer imediato, a escola converte-se em parque de diversões pedagógico e, ao tentar agradar em vez de educar, apenas legitima a aversão juvenil ao esforço que o verdadeiro conhecimento exige."

12 "Quando a escola troca o rigor que educa pela diversão que agrada, sacrifica sua missão de ensinar e converte o saber em mero espetáculo."

13 "Recuperar a escola como espaço de saber exige resgatar o óbvio: a autoridade do professor, a centralidade do conteúdo e o dever de aprender, para que a educação reencontre sua missão sem distrações nem concessões."

14 "Quando denunciar o fracasso educacional vira motivo de estigma, o sistema expõe sua falência moral: prefere preservar a própria fachada a confrontar a verdade que exige reforma."

15 "Entre a lei que promete inclusão e a escola que não a realiza, revela-se a distância entre o ideal jurídico e a cultura que o sustenta: sem recursos, formação e compromisso social, o direito torna-se rito vazio e a inclusão, apenas aparência."

16 "Quando a inclusão falha, professor e aluno tornam-se vítimas da mesma negligência: um não aprende como precisa, o outro é cobrado sem ter os meios para ensinar; ambos expostos ao vazio de um sistema que promete apoio, mas não o oferece."

17 "O PEI converte-se em elefante branco quando sua nobre teoria sobrevive apenas no papel, tornando-se um ritual burocrático que oculta a ausência de condições reais para uma inclusão efetiva."

18 "A inclusão só se concretiza quando escola, família e gestão formam um diálogo transparente e corresponsável, capaz de transformar a obrigação burocrática em um projeto comum de desenvolvimento."

19 "A inclusão só floresce quando escola, família e gestão convertem o diálogo transparente em corresponsabilidade, fazendo do PEI não um encargo burocrático, mas um projeto coletivo de desenvolvimento."

20 "Quando a burocracia eclipsa o ensino, escola, aluno e professor tornam-se vítimas de um sistema que sacrifica a aprendizagem para preservar a própria aparência."

Escola e Família - Foco no Ensino (“O professor é o artífice do ensino; a escola, o guardião do processo.” — Anísio Teixeira)

 



Escola e Família - Foco no Ensino (“O professor é o artífice do ensino; a escola, o guardião do processo.” — Anísio Teixeira)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

A relação entre escola e família não deve se estruturar na premissa de que o professor está sempre disponível para atender a qualquer demanda imediata dos pais. O docente é, na verdade, a última figura a ser acionada, e não a primeira, justamente porque sua função se concentra no ensino, e não na administração de conflitos externos ou interpessoais. Por essa razão, é despropositado que um pai decida, por vontade própria, “falar com o professor de história” a qualquer momento, como se esse profissional fosse uma autoridade subordinada a um desejo individual.

Em modelos educacionais mais organizados, como o da Finlândia, a participação dos pais é estruturada: eles comparecem apenas no início do ano letivo para compreender as regras da escola e no final para avaliar o percurso do aluno. Esse modelo demonstra um profundo respeito pelo fato de que, dentro da sala de aula, a palavra final é do professor.

No Brasil, contudo, persiste uma cultura da “carteirada”, na qual indivíduos tentam impor sua vontade como se ocupassem uma posição hierárquica superior. Essa lógica, que atravessa desde o trânsito até a relação com a escola, manifesta-se no excesso de exigência por acesso irrestrito ao professor. Muitos pais, ao agir assim, acabam reforçando um comportamento autoritário e socialmente enraizado, ignorando que o ambiente escolar exige ordem e critérios claros de comunicação. A mudança desse cenário exige uma reorganização institucional que limite interferências impulsivas e estabeleça canais de diálogo adequados.

É papel do diretor assumir a linha de frente nessas questões, protegendo o professor de desgastes desnecessários. Quando um pai chega exaltado, ressentido ou projetando frustrações pessoais, não pode recorrer automaticamente ao docente, como se este fosse um serviçal obrigado a absorver tensões familiares não resolvidas. Permitir esse acesso indiscriminado é transformar o professor em alguém de “segunda categoria”, fragilizando sua autoridade e, consequentemente, comprometendo sua saúde mental. Desse modo, proteger o professor é proteger o núcleo da experiência educativa.

Por isso, o atendimento às famílias deve seguir uma hierarquia responsável e bem definida:

Diretor (primeiro contato).

Psicólogo ou Orientador Educacional.

Quando necessário, um comitê de educação familiar que avalie a real pertinência de envolver o professor.

Esse modelo não só organiza o fluxo de comunicação e fortalece o ambiente escolar, mas também garante que o docente possa se dedicar ao que é essencial: ensinar. A escola, enquanto instituição, assume assim seu papel fundamental de mediar conflitos, orientar famílias e preservar a integridade pedagógica e física do professor.


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Eu sou o professor de Sociologia e, com base no texto que acabamos de analisar sobre a relação entre escola e família, preparei algumas questões discursivas simples. O objetivo é que vocês reflitam criticamente sobre a estrutura social e as relações de poder dentro do ambiente escolar.

Questão 1: O Foco da Função Docente

O texto afirma que a função do professor "se concentra no ensino, e não na administração de conflitos externos ou interpessoais". Explique por que, do ponto de vista sociológico da organização do trabalho e da especialização de funções, é problemático exigir que o professor seja a primeira figura a ser acionada para resolver qualquer demanda familiar.

Questão 2: A Cultura da "Carteirada"

O texto menciona a persistência de uma "cultura da 'carteirada'" na sociedade brasileira, que se manifesta na exigência de "acesso irrestrito ao professor". Defina o conceito de "carteirada" no contexto social e explique como esse comportamento autoritário e socialmente enraizado impacta a hierarquia e a ordem dentro da instituição escolar.

Questão 3: Autoridade e Respeito

O modelo educacional da Finlândia é citado como exemplo de organização, no qual há respeito pelo fato de que "dentro da sala de aula, a palavra final é do professor". Discorra sobre a importância da autoridade docente para a manutenção da ordem pedagógica e para a eficácia do processo de ensino-aprendizagem, conforme sugerido no texto.

Questão 4: O Papel da Instituição Escolar

O texto defende que permitir o acesso indiscriminado dos pais ao professor fragiliza sua autoridade, comprometendo sua saúde mental, e conclui que "proteger o professor é proteger o núcleo da experiência educativa". Descreva qual é o papel institucional da escola (direção e coordenação) na mediação de conflitos e na proteção da integridade pedagógica e física do professor, conforme o modelo hierárquico proposto.

Questão 5: Hierarquia e Fluxo de Comunicação

O texto sugere uma hierarquia responsável para o atendimento às famílias: Diretor → Psicólogo/Orientador → Comitê → Professor (se necessário). Analise de que maneira essa estruturação hierárquica contribui para a organização do fluxo de comunicação e para o fortalecimento do ambiente escolar como um todo.

sábado, 15 de novembro de 2025

COLEÇÃO 79 ("Uma coletânea de pensamentos é uma farmácia moral onde se encontram remédios para todos os males." — Voltaire)

 


COLEÇÃO 79 ("Uma coletânea de pensamentos é uma farmácia moral onde se encontram remédios para todos os males." — Voltaire)

Por Claudeci Andrade


1 A burocracia, ao submeter o indivíduo à rigidez impessoal das normas, converte o tempo e o julgamento em engrenagens previsíveis, onde a esperança é silenciada pelo dever que mantém a máquina em movimento.

2 O limbo administrativo expõe a falha burocrática que, incapaz de concluir o rito que reconhece o indivíduo, o aprisiona numa zona cinzenta onde o status se perde e a própria existência vacila entre a espera e o desamparo.

3 A desigualdade institucional revela-se quando a burocracia transforma o tempo em privilégio seletivo, submetendo o servidor à lentidão que nega reconhecimento e segurança, enquanto outros avançam sob prazos que o Estado lhes recusa.

4 Quando o Estado transforma o silêncio em norma e impõe atrasos que contrariam a própria lei, o poder deixa de ser autoridade legítima e se converte em injustiça institucional que corrói a confiança dos que deveria servir.

5 Quando o cidadão precisa acionar a Justiça para obrigar o Estado a cumprir o mínimo, a burocracia revela sua falência: torna-se um fim em si, desgastando quem deveria amparar e evidenciando a desumanização da própria instituição.

6 Os olhares que julgam revelam o controle social informal: espelhos da moral coletiva que, ao detectar o desvio, exercem a silenciosa coerção que obriga o indivíduo a retornar ao papel que a comunidade lhe impõe.

7 Quando a lei promete o que a realidade não sustenta, a política pública se torna ficção: nasce o conflito entre o ideal e o possível, e a confiança no Estado se dissolve no abismo entre o direito escrito e o direito vivido.

8 O pertencimento nasce quando a diferença deixa de ser peso e se torna parte natural do coletivo, permitindo ao indivíduo existir sem estigma e reconhecer em si mesmo um lugar legítimo no mundo.

9 Quando a inclusão é imposta sem recursos nem consenso, ela deixa de combater o preconceito e passa a revelar o conflito: cada grupo defende seu espaço, e a escola expõe a luta silenciosa entre o ideal proclamado e o poder que resiste a realizá-lo.

10 Quando a inclusão existe só no papel, ela se converte em exclusão disfarçada: admite o indivíduo pela lei, mas o abandona na prática, legitimando a desigualdade sob a aparência de justiça.

11 Quando a burocracia obriga o professor a falar para o sistema e não para o aluno, a avaliação deixa de comunicar a verdade e passa a proteger quem a escreve, sacrificando a autonomia em nome de um papel que desumaniza o ensino.

12 Quando a escola exige do professor o papel de técnico, psicólogo e herói, cria um conflito impossível: amplia funções sem dar respaldo, e transforma a vocação em desgaste, porque nenhuma identidade resiste ao peso de tantos papéis acumulados.

13 Quando o silêncio vira defesa, o professor se preserva, mas a escola adoece: cala-se o indivíduo e perpetua-se o sistema, porque o que não é dito sustenta a ilusão de uma ordem que só existe para manter o próprio fracasso.

14 O estereótipo de que o professor “trabalha pouco” reduz um labor complexo ao que se vê de fora, deslegitimando a docência e alimentando um ciclo de desvalorização que desgasta quem ensina e afasta quem poderia ensinar.

15 Quando os pais desautorizam o professor, quebram o pacto que sustenta a escola: o aluno perde o rumo, o saber perde valor, e a autoridade pedagógica se dissolve num conflito que torna o ensinar quase impossível.

16 Quando o professor precisa se sustentar em malabarismos, a precarização transforma a docência em exaustão, e o ensino perde vigor nas mãos de quem já gastou sua força apenas para sobreviver.

17 Quando a sociedade exalta a educação, mas paga pouco a quem ensina, revela a contradição que sustenta a desigualdade: o discurso enobrece o professor, mas o salário o rebaixa, impedindo que a dignidade acompanhe a importância que se proclama.

18 Quando o aluno vê que até quem estudou mal paga a própria luz, aprende que a escola promete ascensão que o salário do professor desmente, e a fé na educação se desfaz no choque entre mérito e miséria.

19 Uma educação digna só nasce quando Estado e sociedade se unem para tirar o professor da penumbra da sobrevivência, fazendo da valorização docente não um discurso, mas a base real de qualquer projeto de justiça social.

20 Quando a dignidade é negada ao professor, a missão se esvazia: sem respeito, condições e reconhecimento, a educação perde sua força de elevar a sociedade que dela depende.

segunda-feira, 6 de outubro de 2025

A Aposentadoria que Nunca Chega (“A burocracia é o modo que o Estado encontrou de transformar a ineficiência em sistema.” — Max Weber)

 



A Aposentadoria que Nunca Chega (“A burocracia é o modo que o Estado encontrou de transformar a ineficiência em sistema.” — Max Weber)


Por Claudeci Ferreira de Andrade

Há dias em que a burocracia, essa entidade fria e impessoal, parece sentar-se à nossa mesa, bebericar um café morno e nos observar com ar de deboche. É um tempo que não se mede pelos ponteiros, mas pela altura da pilha de papéis. Foi assim que me senti — e sei que tantos colegas partilharam desse sentimento — quando protocolei o tão esperado pedido de aposentadoria. Na minha ingenuidade, acreditei que bastaria preencher formulários, anexar comprovantes, reunir certidões. Que ilusão! Descobri, tarde demais, que o relógio do serviço público não anda: ele rasteja, movido por uma preguiça institucional que parece zombar da esperança.

De repente, passei a habitar um limbo administrativo — um purgatório sem nome, onde eu já não era inteiramente ativo, mas tampouco reconhecido como inativo. Fiquei suspenso no tempo, como um servidor dependurado num cabide de espera, assistindo a vida profissional ser colocada em modo de espera. O protocolo fora entregue, a caneta esgotara sua tinta na última assinatura, todos os requisitos estavam cumpridos… e, mesmo assim, o silêncio era a única resposta.

Os meses começaram a se empilhar como folhas esquecidas sobre a mesa de um chefe distraído. Cada manhã trazia o mesmo ritual: abrir o diário oficial, conferir o portal do servidor, e encontrar o mesmo vazio ensurdecedor. Descobri então, entre os sussurros dos corredores e as confidências dos mais antigos, que a espera não se contava em meses, mas em anos. O mais revoltante era saber que o Superior Tribunal de Justiça já havia decidido: quando a administração demora injustificadamente mais de um ano, nasce o direito à indenização. Uma fagulha de justiça, pequena demais diante de quem foi forçado a adiar a própria vida, servindo sem compensação real — sustentado apenas por um “abono de permanência” que, convenhamos, não compra a dignidade de quem já deu o melhor de si.

Recordo-me das conversas no cafezinho, onde a indignação já se misturava ao cansaço. Colegas exaustos comentavam que, em certos tribunais, sessenta dias era o prazo “razoável” para uma resposta. Sessenta dias! Depois disso, dizia-se, o atraso se tornava injustificável. Mas a realidade é uma engrenagem de desculpas: se o servidor esquece um documento, a culpa é dele; se o órgão demora meses para liberar uma Certidão de Tempo de Contribuição, a culpa se dissolve no ar, como se a omissão fosse natural.

Em Goiás, o prazo tácito virou um ano — e o silêncio virou norma. Só quando bem entendem nos chamam, não para anunciar o deferimento, mas para atualizar documentos, reiniciando a via-crúcis. O Professor, exausto, é forçado a continuar a labuta, num regime quase escravo, apenas para vencer a inércia da burocracia que o empurra de volta à estaca zero. E ninguém, absolutamente ninguém, fala em indenização pelo tempo de vida roubado.

É um contraste cruel com o Regime Geral da Previdência, onde o trabalhador comum recebe os atrasados retroativos à data do requerimento. Nós, servidores da Educação, ficamos à mercê da lentidão institucional, como se o relógio público tivesse o direito de brincar com nossas horas, nossos planos e nossos sonhos.

Ouvi histórias que me atravessaram a alma. Colegas que, após um ano e meio de espera, morreram sem experimentar o primeiro dia da aposentadoria. Outros, menos resignados, tiveram de impetrar mandados de segurança apenas para que o Estado lesse o próprio pedido. Eis a ironia: lutar judicialmente não para ganhar um benefício, mas apenas para ser ouvido!

“Enquanto esperava que o tempo passasse, percebi que era ele quem me esperava.” — Fernando Pessoa.


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Como professor de Sociologia, vejo neste texto uma excelente oportunidade para analisarmos as instituições, a burocracia e as relações de poder em nosso cotidiano. O drama da aposentadoria é um reflexo claro de como a máquina administrativa pode exercer controle sobre a vida e o tempo dos indivíduos. Preparei 5 questões discursivas simples, focadas nos conceitos sociológicos que emergem da experiência narrada no texto.


Questão 1: Burocracia e Relação de Poder

O texto descreve a burocracia como uma "entidade fria e impessoal" que zomba da esperança do indivíduo.

Segundo a perspectiva sociológica de Max Weber sobre burocracia, explique como a impessoalidade e a rigidez das regras (o "rastejar" do processo) se transformam em uma forma de poder e controle sobre o servidor, roubando seu tempo e autonomia.

Questão 2: O Conceito de "Limbo Administrativo"

O autor usa a expressão "limbo administrativo" para descrever o estado de ser "não inteiramente ativo, mas tampouco reconhecido como inativo."

Analise este "limbo" como uma falha da instituição social. Quais são as consequências emocionais e sociais para o indivíduo que, apesar de ter cumprido todos os requisitos, é mantido em um estado de indefinição pelo sistema?

Questão 3: Desigualdade Institucional e Tempo

O texto contrasta o Regime Geral de Previdência (trabalhador comum) com a situação dos servidores da Educação, afirmando que estes últimos ficam "à mercê da lentidão institucional."

Identifique o tipo de desigualdade (ou privilégio de classe/categoria) que é denunciado nessa comparação. Como o tempo de espera se torna um fator que diferencia e prejudica especificamente o servidor público, de acordo com o autor?

Questão 4: Legitimidade e Norma Tácita

O autor menciona que, em Goiás, o prazo de espera de um ano virou uma "norma" ou "lei" tácita, embora a jurisprudência estabeleça prazos menores para indenização.

Defina o conceito sociológico de legitimidade. Por que a manutenção de uma prática injusta e demorada ("silêncio virou norma"), mesmo contrariando decisões superiores, sugere um exercício de poder deslegitimado por parte da administração pública?

Questão 5: A Ironia da Luta Judicial

O texto destaca a ironia de o servidor ter de "impetrar mandados de segurança apenas para que o Estado lesse o próprio pedido."

Discuta como a necessidade de recorrer ao Poder Judiciário apenas para forçar a administração a cumprir seu dever básico (analisar o pedido) revela uma crise de eficiência e a desumanização das instituições públicas.