"Se você tem uma missão Deus escreve na vocação"— Luiz Gasparetto

" A hipocrisia é a arma dos mercenários." — Alessandro de Oliveira Feitosa

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MINHAS PÉROLAS

terça-feira, 1 de julho de 2025

O Professor de Verdade ("Viver não é 'visitável'." — Clarice Lispector)

 



O Professor de Verdade ("Viver não é 'visitável'." — Clarice Lispector)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Outro dia, ao rolar a tela do celular, deparei-me com a gravação de uma aula online. No centro da imagem, uma jovem professora, de beleza e didática impecáveis, discorria sobre um tema complexo. Os comentários dos alunos eram só elogios; os pais, certamente, estavam satisfeitos. E eu, do lado de cá, com meus cabelos brancos e a poeira de muitas estradas nos ombros, não pude deixar de pensar: quem, de fato, é o professor de verdade?

Não que eu tenha algo contra a juventude ou a beleza, mas me inquieta a crescente obsessão pela embalagem em detrimento do conteúdo. Tenho a impressão de que os concursos para o magistério, em breve, adotarão os mesmos critérios de um desfile de Miss Brasil, onde o que agrada aos olhos parece valer mais do que o que enriquece a alma. E não sejamos ingênuos: essa lógica se espalha para além da sala de aula, chegando aos cargos de gestão, nos quais a experiência é, não raro, preterida pela aparência.

Toda essa superficialidade me fez recordar o que dizia um velho médico: "O melhor professor da vida é a experiência; ela cobra caro, mas explica bem." A experiência, segundo ele, "é um troféu composto por todas as armas que nos feriram." Não troco essa sabedoria por nenhuma teoria. A didática é uma estratégia, uma artimanha para prender a atenção; o conteúdo, porém, nasce do que foi vivido. Afinal, simulação não é realidade. O mapa não é o território.

Por isso — e que me perdoem os recém-formados —, para mim, o professor de verdade é aquele que chega à sala de aula depois dos 40 anos. É quem já colecionou fracassos, teve o coração partido ou precisou recomeçar do zero em outra profissão. É quem traz na voz não apenas a teoria dos livros, mas o peso e a leveza da vida. O ideal, arrisco dizer, seria que todo professor exercesse também outro ofício, sujando as mãos com a realidade do mundo para poder, enfim, limpar a poeira dos conceitos teóricos. Hoje, parece fácil demais ser professor: bastam um diploma e um rosto harmonioso.

Minha conterrânea, a imensa Cora Coralina, resumiu tudo com a doçura de um doce de figo: "Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina." A questão é que só se aprende na prática, no chão da vida, e isso demanda tempo. O que um jovem, por mais brilhante que seja, pode ensinar sobre resiliência a um aluno que enfrenta dificuldades que ele mesmo jamais imaginou?

Neste tempo de telas e aulas digitais, a pergunta se torna ainda mais urgente. Quem é o professor de verdade? Talvez sejam aqueles que já navegavam pelo mundo da informática antes que virasse moda, os que não precisaram de tutoriais para entender que a tecnologia era um caminho sem volta. Os mais velhos, que muitos julgam ultrapassados, deveriam ser ouvidos. Que serventia tem uma vida inteira de aprendizados, de tropeços e vitórias, se tudo será silenciado sob sete palmos de terra?

Porém, talvez, a resposta para tanta frustração não seja negar os tempos modernos, mas acolher a possibilidade de conciliação. O professor de verdade pode, sim, ser jovem — desde que traga sede de aprender com os mais velhos e humildade para ouvir o que a vida ensina fora das apostilas. E os mais experientes, por sua vez, ainda têm muito a entregar, se lhes dermos espaço. A educação não precisa ser uma competição de gerações, mas uma travessia onde quem já caminhou ilumina o trajeto dos que estão chegando. Se o texto soa denso, é porque o tema ainda pesa. Mas entre a crítica e a esperança, fico com a ponte: há caminhos possíveis se estivermos dispostos a construir juntos — um parágrafo de cada vez, uma vida inteira por detrás de cada lição.

Deus, em sua infinita sabedoria, não pode ser tão injusto. Aprender tanto, acumular tantas histórias e decifrar tantos segredos da alma humana apenas para que tudo se perca no pó é, para mim, um pecado imperdoável. Talvez a maior tragédia da educação não seja a falta de recursos ou as metodologias defasadas, mas o tesouro de sabedoria que enterramos todos os dias, a cada ancião que parte sem ter tido a chance de ser, finalmente, o professor de verdade que a vida o tornou.

Depois da nossa leitura atenta da crônica "O Professor de Verdade", vamos aprofundar a discussão com um olhar sociológico. O texto é um prato cheio para pensarmos sobre como nossa sociedade enxerga a educação, o conhecimento e a experiência. Preparem o caderno e respondam às questões a seguir, sempre justificando suas respostas com as ideias apresentadas no texto.

1 - O autor critica o que ele chama de "obsessão pela embalagem em detrimento do conteúdo". Explique com suas palavras o que essa oposição entre "embalagem" e "conteúdo" significa no universo da educação e dos professores, segundo a visão apresentada na crônica.

2 - No texto, encontramos a seguinte afirmação: "simulação não é realidade. O mapa não é o território." Como essa frase se conecta com a defesa que o autor faz da experiência de vida como sendo fundamental para a formação de um "professor de verdade"?

3 - Ao descrever o "professor de verdade", o autor menciona aquele que "já colecionou fracassos, teve o coração partido ou precisou recomeçar do zero". Do ponto de vista social, por que essas experiências "negativas" são consideradas tão valiosas pelo autor para o ato de ensinar?


4 - A crônica termina com uma reflexão sobre "o tesouro de sabedoria que enterramos todos os dias". A quem o autor está se referindo com essa metáfora? Qual é a principal crítica que ele faz à nossa sociedade sobre a maneira como lidamos com o conhecimento dos mais velhos?


5 - O autor sugere que a aparência e a juventude estão se tornando critérios importantes na escolha de professores, comparando o processo a um "desfile de Miss Brasil". Que tipo de valor social está sendo criticado aqui? E como essa valorização pode impactar a qualidade da educação a longo prazo?

sexta-feira, 27 de junho de 2025

Na Sala Onde a Infância se Perdeu ("É no problema da educação que reside o grande segredo do aperfeiçoamento da humanidade." — Immanuel Kant)

 





Na Sala Onde a Infância se Perdeu ("É no problema da educação que reside o grande segredo do aperfeiçoamento da humanidade." — Immanuel Kant)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Lembro-me bem daquele dia. Não pelo sol morno que nascia sobre Divinópolis, nem pelo cheiro de café que escapava das janelas — mas pela notícia que me atingiu como um trovão em céu azul. Um alerta, um grito silencioso vindo dos corredores da Escola Estadual Lídio da Costa Pereira, no bairro Alvorada. Ali, entre cadernos e giz, desenrolava-se uma história que me faria refletir profundamente sobre a teia complexa que envolve juventude, educação e responsabilidade.

Tudo começou com algo corriqueiro: o uso do celular em sala de aula — um hábito que, para muitos, tornou-se extensão do próprio corpo. A professora, no cumprimento de seu papel, repreendeu a aluna. Até aqui, nada de novo sob o sol. Mas o desfecho... ah, o desfecho foi inesperado e doloroso. Uma agressão. Não apenas contra a professora, mas também contra a diretora. Um ato que não ficou restrito aos muros da escola; reverberou pela cidade inteira, até chegar aos ouvidos da Promotoria da Infância e da Juventude.

Com apenas treze anos, aquela garota se viu diante de uma realidade dura. A Justiça, por intermédio do promotor Carlos José e Silva Fortes, classificou o ato infracional como grave. E, assim, veio a decisão: apreensão. No entanto, o centro de internação de menores de Divinópolis não possuía vagas para meninas, o que forçou um deslocamento. A adolescente foi levada para Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte — uma jornada não de descoberta, mas de consequência. Um salto brusco para um universo de regras e confrontos.

Nesse enredo, a sombra da responsabilidade parental também se fez presente. A mãe da jovem respondia a um processo administrativo por negligência e má influência no comportamento da filha. Termos pesados, sem dúvida, mas que a legislação brasileira não hesita em aplicar quando se trata do dever de “sustentar, educar e, crucialmente, orientar os filhos no respeito às leis.” Um lembrete duro de que a educação não se limita aos muros da escola — ela nasce, cresce (ou definha) no terreno do lar.

Anos se passaram desde aquele episódio, mas a imagem daquela garota, daquela escola, daquele dia, permanece vívida em minha memória. Compreendi, então, que o ocorrido não era um caso isolado, mas um sintoma de um problema mais profundo que assola nossa sociedade. Quantas outras crianças e adolescentes estão perdidas em um labirinto de escolhas impulsivas e ausência de orientação?

A experiência me ensinou que não basta punir — é preciso compreender. Entender as raízes, acolher as dores, prevenir os rompimentos. A apreensão pode ser um caminho, mas não é solução por si só. A verdadeira resposta está na construção de pontes, no diálogo sincero, no investimento em uma educação que ultrapasse os limites da sala de aula e alcance o coração das famílias.

Na sala onde a infância se perdeu, não foi apenas a autoridade da professora que foi agredida — foi também a frágil esperança de que ainda controlamos os rumos da juventude. O celular, instrumento tão pequeno, revelou-se o fio desencapado de uma estrutura inteira prestes a ruir. O bairro Alvorada, com suas esquinas esquecidas pelo poder público, não foi só palco, mas personagem silencioso desse enredo. A ausência de vagas para meninas no centro local de internação grita por trás das estatísticas: o sistema nunca nos preparou para cuidar delas. E enquanto isso, seguimos repreendendo alunos por tocarem o mundo com os dedos, sem jamais tocar suas dores com o coração.

Que a história daquela jovem em Divinópolis não sirva para alimentar julgamentos, mas para acender reflexões. Que nos faça lembrar que educar é um dever coletivo — e que o futuro só será mais justo e consciente se todos assumirmos a responsabilidade por ele.

https://www.instagram.com/reel/DLXkcC9Ofaz/?utm_source=ig_web_copy_link (Acessado em 21/06/2025)

Muito bem, turma! O texto que acabamos de ler nos apresenta uma situação real e complexa, que nos convida a pensar sobre diversos aspectos da nossa sociedade. Como bons sociólogos, precisamos ir além da superfície e analisar as camadas de significado que essa narrativa nos oferece. Para aprofundarmos nossa compreensão, preparei cinco questões discursivas simples para vocês. Usem o que aprenderam sobre os conceitos sociais e as dinâmicas de nossa sociedade para construir respostas claras e bem fundamentadas.


1 - O texto menciona que o uso do celular em sala de aula "tornou-se extensão do próprio corpo". Como a sociologia da educação pode nos ajudar a entender a relação entre a tecnologia, o comportamento dos alunos e os desafios que isso impõe à dinâmica escolar contemporânea?

2 - A agressão da adolescente à professora e à diretora é classificada como um "ato infracional grave". Discuta como a socialização (familiar e escolar) pode falhar em orientar os jovens sobre o respeito às regras e às autoridades, levando a desfechos como o descrito no texto.

3 - A crônica destaca a "sombra da responsabilidade parental", citando a mãe da jovem que responde a um processo por negligência e má influência. Explique, sob a perspectiva sociológica, a importância da família como uma instituição primária de socialização e como a ausência de um suporte familiar adequado pode impactar o desenvolvimento social de um indivíduo.

4 - O texto afirma que "não basta punir — é preciso compreender". Reflita sobre essa afirmação à luz da função social da pena e da importância de políticas públicas que visem à ressocialização e à prevenção da criminalidade juvenil, em vez de apenas focar na punição.

5 - A crônica conclui que "educar é um dever coletivo". Com base nas ideias apresentadas no texto, discuta de que forma a sociedade como um todo (incluindo escola, família, poder público e comunidade) pode e deve se articular para promover uma educação mais eficaz e um desenvolvimento mais saudável para crianças e adolescentes.

domingo, 22 de junho de 2025

"Minha Linda" ("As palavras são como abelhas, têm mel e ferrão." — Provérbio Turco)

 



"Minha Linda" ("As palavras são como abelhas, têm mel e ferrão." — Provérbio Turco)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

A sala de aula, esse universo de infinitas possibilidades, é também palco de interações delicadas. Como professor, navego diariamente por esse espaço, consciente do poder das palavras e da sutileza dos gestos. Há, no entanto, fronteiras invisíveis — talvez imperceptíveis aos desavisados — que jamais deveriam ser cruzadas. Foi a notícia sobre um colega, eco distante de um drama ocorrido em outra instituição, que me fez refletir sobre a fragilidade dessas barreiras.

Ouvi dizer que ele, movido por uma aparente inocência, tinha o hábito de elogiar as alunas com expressões como “minha linda”. A intenção, segundo seus defensores, era apenas exaltar o brilho juvenil, valorizar o esforço no aprendizado. Uma colega próxima, em sua defesa fervorosa, repetia: “Ele é retíssimo, só elogiava, dizia ‘minha linda’, e interpretaram como cantada”.

A repercussão, contudo, foi grave e irreversível: os pais de sete alunas, todas com menos de quatorze anos, procuraram a delegacia. Um boletim de ocorrência foi registrado, com pedido formal de providências.

A história me perturbou profundamente. Por mais pura que seja a intenção, há um código de conduta que se impõe — uma postura ética e profissional inegociável, sobretudo quando lidamos com mentes em formação. A relação entre professor e aluno é, por natureza, assimétrica; existe uma autoridade pedagógica que exige distanciamento claro, um limite respeitoso.

Elogios excessivos, especialmente aqueles que tangenciam a aparência física, são minas terrestres em potencial. Não se trata de reprimir a afetividade ou o reconhecimento sincero, mas de calibrar as palavras, evitando ambiguidades que possam ser mal interpretadas — ou, pior, transformadas em algo muito mais grave.

O alerta é constante, e eu mesmo o repito, como quem ensina a si: a cautela é a bússola nesse terreno minado. Uma palavra fora de contexto, um gesto mal compreendido, pode levar a consequências irreparáveis — inclusive no campo penal. O que para um é trivial, para outro pode ser ofensa, assédio, ou mesmo, conforme a lei e o olhar de quem interpreta, um crime gravíssimo.

Deus me livre de um dia cruzar essa linha, de ver minhas palavras — que buscam educar e inspirar — serem transformadas em motivo de dor ou acusação. Jamais chamaria meus alunos de “meus amores”. A responsabilidade do educador é imensa, e nela, a prudência é um valor inegociável: uma sentinela constante que protege não apenas a nós, mas, acima de tudo, os mais vulneráveis. ***

Meu texto é uma crônica muito importante sobre as complexidades da relação professor-aluno, a ética profissional e os riscos da má interpretação no ambiente escolar. Ela nos faz refletir sobre a responsabilidade imensa de quem educa e a necessidade de cautela. Como professor de Sociologia do Ensino Médio, preparei 5 questões discursivas e simples para que possamos aprofundar as discussões sobre as ideias levantadas em minha crônica.


1 - A crônica aborda a relação assimétrica entre professor e aluno. Como a Sociologia da Educação explica essa assimetria de poder e por que ela exige um distanciamento ético e profissional do educador para proteger os mais vulneráveis?


2 - O texto discute como elogios com boa intenção podem ser "mal interpretados" e gerar graves consequências. Do ponto de vista da Sociologia da Comunicação e da Interpretação Social, como o contexto social e as diferentes percepções (entre adultos e adolescentes, por exemplo) podem levar a entendimentos distintos de uma mesma mensagem, e qual a responsabilidade do emissor nesse processo?


3 - A crônica menciona que o caso do professor pode "terminar no âmbito penal", indicando a judicialização das relações no ambiente escolar. Sob a ótica da Sociologia do Direito, como a crescente tendência de levar conflitos interpessoais para o sistema judiciário afeta a dinâmica escolar e a confiança entre os atores envolvidos (professores, alunos, pais)?


4 - O autor fala sobre a "fragilidade das barreiras" invisíveis de conduta e a necessidade de "prudência" por parte do educador. Pensando na Sociologia da Moral e dos Valores, quais são os principais desafios para a construção de um código de conduta ético claro e eficaz para os profissionais da educação em uma sociedade com normas sociais em constante mudança?


5 - A reflexão final da crônica enfatiza a "responsabilidade imensa" do educador na proteção dos "mais vulneráveis". Com base na Sociologia da Infância e dos Direitos Humanos, por que a escola e seus profissionais têm um papel crucial na salvaguarda dos direitos e da integridade de crianças e adolescentes, e quais as implicações sociais quando essa função é comprometida ou negligenciada?

sexta-feira, 20 de junho de 2025

Avaliação Formativa: A Sala Julgadora ("Quando os mais velhos não ensinam, os mais novos não aprendem. Quando os mais novos não aprendem, a sabedoria morre." — Provérbio Africano)

 


Avaliação Formativa: A Sala Julgadora ("Quando os mais velhos não ensinam, os mais novos não aprendem. Quando os mais novos não aprendem, a sabedoria morre." — Provérbio Africano)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Houve um tempo em que o ofício de ensinar parecia uma fortaleza sólida, erguida sobre os alicerces do conhecimento e da autoridade conquistada com o tempo. Hoje, porém, essa estrutura parece ruir, tijolo por tijolo, sob o peso de um tempo que embaralha hierarquias e desfigura papéis. Eu, professor de Língua Portuguesa, dividindo meus dias entre os desafios do Ensino Médio e os primeiros passos dos sextos e sétimos anos do Fundamental, recebi uma notícia que me gelou a espinha: meus alunos — sim, aqueles que ainda tropeçam nas vírgulas e se perdem entre os “porquês” — seriam meus avaliadores.

No primeiro instante, um riso nervoso me escapou. Pensei em algo inocente, quase lúdico: “Você gosta do professor?”, “A aula dele é divertida?”. Mas a realidade, sempre mais amarga do que cômica, não tardou a mostrar sua face. Nada de perguntas leves. As mesmas crianças que ainda lutam para compreender um enunciado estariam encarregadas de avaliar meu “domínio do conhecimento”, minha capacidade de “contextualizar o conteúdo”, a “inovação” de minha metodologia e até minha “gestão de sala de aula”. A ironia caiu sobre mim como um raio: eu, com três décadas de experiência em sala, seria julgado por quem mal deu os primeiros passos na alfabetização da vida.

A cena me parecia absurda. Crianças e adolescentes, ainda imersos nas próprias descobertas e, sejamos francos, muitas vezes desafiadores quanto à disciplina, agora detinham o poder de medir o desempenho de quem os conduz. E pior: esse julgamento viria acompanhado de cobrança. “Sua didática não está boa.” “Sua metodologia não agrada.” “Eles não gostam de você.” O sistema, sem rosto e sem escuta, emitiria um parecer com base em opiniões de quem ainda busca compreender o mundo.

O desalento aumentou quando antevi o próximo passo: a avaliação das famílias. Não me surpreenderia se, em breve, o governo enviasse questionários aos lares, acrescentando mais uma camada de julgamento à profissão já tão desvalorizada. Após 32 anos de dedicação, ser avaliado por uma criança de 11 e ter de prestar contas disso é uma humilhação difícil de digerir.

E como se não bastasse, a tal “avaliação formativa” estendia-se também aos colegas. Sim, avaliaríamos uns aos outros. Mas como posso eu, Claudeko, professor de Português, julgar a prática de uma colega de Geografia cuja aula nunca assisti? Como avaliar sua contextualização, seu domínio, sua gestão de sala, se mal nos cumprimentamos nos corredores? Essa tarefa caberia aos coordenadores, pois é obrigação deles, que acompanham nossas aulas, conhecem nossos métodos, observam nossa lida cotidiana. Esperar que entre pares façamos esse tipo de julgamento é, no mínimo, um equívoco institucional.

Sinto, com um amargor difícil de nomear, que vivemos uma inversão. A experiência, que um dia foi trunfo, agora é vista com suspeita — quase um incômodo. O tempo da escola virou palco de um teatro dissonante, onde os atores não sabem mais quem são e o roteiro parece ter sido escrito por mãos inexperientes.

É o fim de uma era. E no crepúsculo dessa vocação que sempre me moveu, o que resta é a angústia de quem ainda acredita na educação, mesmo quando o mundo ao redor insiste em desfigurá-la.




Minha crônica expressa uma profunda frustração e desilusão com as transformações no sistema educacional, a desvalorização da experiência e a inversão de papéis e hierarquias na docência. Como seu professor de sociologia, preparei cinco questões discursivas e simples para aprofundar nas ideias tratadas em meu texto.


1 - A crônica descreve a escola como uma "fortaleza" que "parece ruir", com a autoridade do professor sendo questionada por avaliações dos próprios alunos. Do ponto de vista da Sociologia da Educação, como a reconfiguração das hierarquias e a crise da autoridade docente impactam o processo de ensino-aprendizagem e a dinâmica em sala de aula?


2 - O autor se sente humilhado por ser avaliado por crianças de 11 e 12 anos, que ele percebe como ainda em desenvolvimento de habilidades básicas de interpretação. Com base na Sociologia da Infância e da Adolescência, como a expectativa de que crianças e adolescentes avaliem o desempenho de seus professores pode ser vista como uma inversão de papéis, e quais os possíveis impactos dessa prática na relação pedagógica e na percepção do aluno sobre a escola?


3 - A crônica menciona a previsão de que as famílias também avaliarão os professores, somando-se à desvalorização da profissão. Sob a ótica da Sociologia das Profissões e do Trabalho, como a pressão por accountability (responsabilização) por parte de diferentes atores sociais (alunos, famílias, governo) afeta a autonomia profissional do educador e sua percepção de valor social?


4 - O texto critica a avaliação entre pares, questionando como avaliar um colega de outra área sem acompanhar seu trabalho diário. Do ponto de vista da Sociologia das Organizações e da Sociologia do Trabalho, discuta os desafios de modelos avaliativos que não consideram a complexidade das interações profissionais e a especificidade de cada área de conhecimento, especialmente em um ambiente como a escola.


5 - A crônica expressa um sentimento de que a "experiência, que um dia foi trunfo, agora é vista com suspeita — quase um incômodo". Com base na Sociologia das Gerações e do Conhecimento, como as rápidas mudanças sociais e tecnológicas podem levar à desvalorização do conhecimento acumulado e da experiência dos profissionais mais antigos, gerando um "teatro dissonante" na educação?

quinta-feira, 19 de junho de 2025

Os Carrapatos de Terno ("Não há maior infortúnio que a justiça pervertida." — Francis Bacon)

 



Os Carrapatos de Terno ("Não há maior infortúnio que a justiça pervertida." — Francis Bacon)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Era uma terça-feira qualquer quando presenciei uma cena que me fez refletir sobre os pequenos dramas silenciosos que se espalham pelo tecido da nossa sociedade. Eu estava na fila do banco, distraído com o vai-e-vem das manhãs apressadas, quando um homem bem vestido tropeçou — ou fingiu tropeçar — diante do balcão de atendimento. O que se seguiu foi um espetáculo digno de aplausos, não fosse o tom farsesco da encenação.

— "Ai, meu joelho!", - gritou ele, agarrando a perna com uma intensidade dramática que faria corar um veterano de palco. Funcionários correram para ajudá-lo, enquanto ele, entre gemidos bem calculados, já sacava o celular para fotografar o “local do acidente”. Foi ali, diante dos meus olhos, que nasceu mais um processo judicial.

Saí do banco com uma sensação estranha, não exatamente de revolta, mas de um desalento discreto — uma melancolia provocada pela esperteza travestida de desgraça. Segui meu caminho pelas ruas apressadas da cidade e, pela primeira vez, me peguei observando as pessoas não como anônimos passageiros do cotidiano, mas como possíveis atores de pequenas farsas. Quantos ali, pensei, carregavam pastas recheadas não de currículos ou contratos, mas de estratégias para lucrar com as quedas alheias?

Lembrei-me de uma conversa recente com meu vizinho aposentado, homem simples, de fala mansa e olhos vividos. Contava-me, com uma mistura de incredulidade e cansaço, sobre um conhecido que havia “descoberto” uma nova profissão: caçador de indenizações. — "Ele tem mais processos em andamento do que eu tive empregos na vida toda", - comentou, balançando a cabeça. — "Escorregou no shopping, foi discriminado no trabalho, sofreu danos morais na padaria... Sempre acontece alguma coisa com ele."

O que me marcou não foi o absurdo da história, mas a naturalidade com que foi contada — como se fosse apenas mais um ofício do mercado moderno: o profissional autônomo da vitimização.

Nos dias seguintes, meus olhos, agora mais atentos, passaram a flagrar cenas antes ignoradas. A mulher que “tropeçava” na calçada irregular, o sujeito que “se feria” ao empurrar a porta giratória, o cliente que se dizia “humilhado” por um olhar distraído do atendente. Será que todos estavam certos? Ou estaria nascendo ali uma nova economia subterrânea, sustentada por uma cultura de compensação?

Não nego que injustiças acontecem. A dor real existe e precisa de amparo. Mas há um limite tênue — e perigoso — entre a busca legítima por reparação e o uso da justiça como atalho para o enriquecimento. Quando a exceção vira regra, o sistema que deveria proteger vira ferramenta de abuso. A justiça, então, vira jogo. E alguns jogam com as cartas marcadas.

Numa manhã qualquer, enquanto tomava café numa padaria, ouvi duas pessoas conversando animadamente na mesa ao lado. Uma delas explicava, quase com orgulho, como havia conseguido uma indenização por "constrangimento" numa loja. O tom era de quem entrega uma fórmula mágica, um segredo lucrativo. — "É só saber como falar com o advogado", - dizia, - "ele conhece os truques."

Aquela frase me atravessou como uma lembrança. Pensei no meu avô, que passava os dias numa oficina de bairro, mãos calejadas e olhar honesto. Para ele, dinheiro suado era medalha. Dinheiro fácil, desonra. Jamais entenderia essa nova forma de sustento. — "Quem vive do suor do outro é ladrão", - dizia com firmeza, e com razão.

Talvez por isso me sinta tomado por uma nostalgia silenciosa ao ver essa epidemia de processos fabricados. Sinto falta dos tempos em que um desentendimento era resolvido com uma boa conversa, e não com uma petição. Hoje, a primeira reação não é mais o diálogo — é a ameaça: — “vou processar”.

Andando pelas mesmas ruas de antes, percebo que nos tornamos uma sociedade de caçadores: uns atrás de causas para lucrar, outros atrás de culpados para punir. E no meio disso tudo, fomos esquecendo a arte do perdão, a nobreza do trabalho honesto e o valor da palavra dada.

Não sei se ainda é possível reverter esse curso. Mas, sei que, individualmente, ainda podemos escolher o que ser. Podemos construir ou parasitar, contribuir ou explorar. A decisão, por ora, ainda nos pertence.

Porque, no fim das contas, o que realmente nos define não é o quanto conseguimos arrancar dos outros, mas o que somos capazes de construir com as próprias mãos.

Minha crônica é uma reflexão perspicaz sobre a perversão do sistema de justiça e a ascensão de uma "cultura de compensação" na sociedade. Como seu professor de sociologia, preparei cinco questões discursivas simples para aprofundar as ideias de meu texto.


1 - A crônica descreve a cena de um homem que simula um acidente para abrir um processo judicial, chamando-o de "espetáculo digno de aplausos". Do ponto de vista da Sociologia do Direito, como a busca por indenizações pode se desvirtuar de sua função original de reparação e se tornar um instrumento de oportunismo, impactando a credibilidade do sistema judiciário?


2 - O texto apresenta a figura do "caçador de indenizações" como uma "nova profissão" e uma "economia subterrânea". À luz da Sociologia do Trabalho e do Desvio Social, discuta como essa prática pode ser interpretada como uma forma de parasitismo social, e quais as implicações éticas e econômicas de uma sociedade onde a "vitimização" se torna uma fonte de renda.


3 - A crônica lamenta a perda do diálogo e a prevalência da "ameaça: 'vou processar'". Com base na Sociologia dos Conflitos, como a judicialização das relações sociais transforma a maneira como os indivíduos resolvem seus desentendimentos, e quais são as consequências dessa tendência para a coerência social e a capacidade de resolução de problemas fora do âmbito legal?


4 - Ao contrastar a nova cultura de "processos fabricados" com o valor do "dinheiro suado" do outro, o texto evidencia uma mudança de valores sociais. Utilizando conceitos da Sociologia da Moral, analise como a ética do trabalho honesto e da responsabilidade individual pode ser erodida por práticas que buscam o ganho fácil às custas do outro, e quais os impactos dessa erosão na confiança interpessoal.


5 - A reflexão final do autor sobre uma "sociedade de caçadores" — uns atrás de lucros, outros de culpados — levanta questões sobre o futuro das relações humanas. Sob a ótica da Sociologia Contemporânea, discuta como a individualização extrema e a busca incessante por direitos (muitas vezes, sem a correspondente percepção de deveres) podem fragilizar os laços comunitários e a "arte do perdão", transformando as interações em disputas constantes.

segunda-feira, 16 de junho de 2025

Quando o Saber Vira Retórica Vazia ("Ainda que seja uma verdade desconfortável, prefiro que seja dita a uma mentira que me conforte." — Voltaire)

 



Quando o Saber Vira Retórica Vazia ("Ainda que seja uma verdade desconfortável, prefiro que seja dita a uma mentira que me conforte." — Voltaire)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Existe algo quase hipnótico na forma como certas figuras se impõem no imaginário coletivo, revestidas de uma autoridade que parece imune à crítica. Eu, que transito pelos labirintos do conhecimento e me debruço sobre as palavras dos mestres, me vejo refletindo sobre a natureza do saber. Certa vez, deparei-me com uma frase atribuída a Paulo Freire que, confesso, deixou-me com uma pulga atrás da orelha: "Ao saber que sabemos nos preparamos para saber que não sabemos e ao saber que não sabemos, nos preparamos para saber que pudemos primeiro saber melhor o que já sabemos. Segundo saber o que ainda não sabemos, quer dizer nos tornarmos capazes de produzir o conhecimento ainda não existentes." Não, leitor, não se apresse em julgar. Sei o que você pode estar pensando — que tirei a citação do contexto para desmerecer um ícone. Mas, lhe asseguro: trata-se de uma fala que flutua por mais de uma hora em um vídeo no YouTube, sem jamais ancorar em um porto de sentido.

Essa experiência me trouxe uma epifania. Não seria isso, pensei, uma metáfora do que ocorre em nossas escolas? Onde, tantas vezes, a complexidade vazia toma o lugar da clareza, e o verdadeiro aprendizado se perde em meandros discursivos? Observo, com certa inquietação, que talvez nossos filhos não estejam indo à escola para aprender a pensar, mas para serem doutrinados — moldados por ideologias que, sob o manto do "saber", ocultam a ausência de um conhecimento real e prático.

Pensei, então, nos índices que nos assombram: o QI médio do brasileiro, que estudos apontam ser de 83, enquanto chimpanzés chegam a 95. Uma comparação incômoda, mas que, no íntimo, me força a questionar: qual seria, então, o QI de figuras tão reverenciadas, como o patrono da Educação no Brasil, se considerarmos a incoerência de certos discursos? E, extrapolando, o que dizer de personalidades públicas que, mesmo após anos de exposição e vivência, não conseguem articular uma frase com mínima coesão e sentido? O medo me invade ao imaginar o impacto dessa ideologia na formação de nossas crianças.

É a velha fábula do rei nu, que andava pelas ruas em sua suposta veste invisível, convencendo os súditos de que apenas os inteligentes podiam vê-la. E, por medo de parecerem tolos, todos fingiam admirar a roupa inexistente — até que a voz inocente de uma criança rompeu o silêncio complacente: — "O rei está nu!" Vejo, hoje, um cenário semelhante. Militantes de certa vertente continuam a posar como intelectuais, enquanto grande parte da massa finge acreditar em discursos vazios. Eu, porém, não. E sei que você, leitor, também não. Porque, afinal, a "moderação na defesa da verdade é, em si, um serviço prestado à mentira". E, nessa busca incessante pela clareza, o que nos resta é a coragem de gritar: o saber verdadeiro não se esconde na retórica vazia.


https://www.instagram.com/reel/DKHmhDRgSZJ/?utm_source=ig_web_copy_link (Acessado em 16/06/2025)



Minha crônica é uma reflexão perspicaz sobre a natureza do conhecimento, a validade dos discursos na educação e o perigo da doutrinação. Como seu professor de sociologia, preparei cinco questões discursivas simples para aprofundar as ideias de meu texto.


1 - A crônica questiona a "complexidade vazia" em discursos que "flutuam sem jamais ancorar em um porto de sentido". Como a Sociologia do Conhecimento analisa a diferença entre o saber genuíno e a retórica vazia, e quais as implicações dessa distinção para o aprendizado?


2 - O texto sugere que crianças podem estar sendo "doutrinadas" na escola, moldadas por ideologias que "ocultam a ausência de um conhecimento real". Com base na Sociologia da Educação, discuta como as ideologias podem influenciar o currículo escolar e a prática pedagógica, e quais são os riscos disso para o pensamento crítico dos alunos.


3 - Ao mencionar a fábula do "rei nu", a crônica critica a postura de "militantes" e da "massa" que fingem acreditar em "discursos vazios" por medo ou conveniência. Sob a ótica da Sociologia Política e da Comunicação, como podemos entender a formação e a manutenção de consensos sociais baseados em aparências e a dificuldade de questionar figuras de autoridade?


4 - A comparação do QI médio do brasileiro com o de chimpanzés, embora incômoda, serve como uma provocação. Do ponto de vista da Sociologia da Desigualdade e da Avaliação Social, como os testes de inteligência (QI) são compreendidos na análise social, e quais são os perigos de se usar tais índices de forma descontextualizada para julgar a capacidade intelectual de uma população ou a qualidade de um sistema educacional?


5 - A frase final da crônica, que "a 'moderação na defesa da verdade é, em si, um serviço prestado à mentira'", é um forte posicionamento. Com base na Sociologia Crítica, discuta a importância da coragem intelectual e do questionamento constante para a construção de uma sociedade mais justa e consciente, especialmente em um cenário onde a desinformação e os discursos vazios se proliferam.