CONTAMINAR-SE É INEVITÁVEL ("Somos carne exposta, Em um mundo putrefato, Tentando ficar imunes a contaminação." — Maicon Fraga)
Se há uma lição que o tempo me ensinou, é que a sabedoria raramente reside nas respostas prontas. Quase sempre, ela se esconde nas perguntas incômodas. Para encontrá-la, é preciso desconfiar das fantasias sagradas, observar com atenção o comportamento das formigas, o voo errático dos pássaros, o modo como as estações se sucedem — e, sobretudo, contemplar o teatro humano com olhos de cronista velho e cético. Foi assim que aprendi a me ler por dentro: como um bicho estranho que empacou no meio do caminho.
Sim, empacou. Detesto burro que empaca — e, no entanto, sou esse burro. Um paradoxo em carne viva. Um ser em marcha, mas com os pés atolados. Um mar que não se move: Mar-Morto. Tenho consciência da minha contradição e, talvez por isso mesmo, precise estar perto de tudo aquilo que posso contaminar. Produzo venenos, sim — mas até o veneno, em pequenas doses, pode ser remédio. Excesso de gente me sufoca; falta de afeto, me adoece. Ainda assim, aviso logo: não há rota de fuga. Você está lendo isso — agora, não há mais volta.
Sou assim porque quero tanto viver que a neutralidade me parece um crime. Reajo, mesmo quando seria mais seguro calar. Grito, mesmo quando só esperam silêncio. Os que nada fazem também me ferem. Os que fingem não ver, os que cruzam os braços ou desviam os olhos — esses também merecem minha reação. Às vezes, me torno tóxico, eu sei. Mas não vim ao mundo para passar despercebido.
O desapego, para mim, é o adeus mais honesto: uma forma de amar sem prender. O esquecimento, esse sim, é traição — pois quem esquece, mata duas vezes. Por isso, parto sem pressa, mas com urgência. Meu curso terminou. Meus colegas me viram passar e levei comigo um pouco de cada um. Em troca, deixei o que sou: uma faísca, um incômodo, uma lembrança que arde.
E se causei dano, foi só porque insisti demais em ser vivo entre os mortos-vivos. Meu veneno, afinal, é apenas a forma mais sincera que encontrei de continuar sendo. Como uma flor que nasce no esgoto e insiste em perfumar o ar ao redor, mesmo enraizada na podridão, eu sigo contaminando — não por maldade, mas por natureza. Não sou antídoto, nem pretendo ser cura. Sou o toque que arde, o espinho no dedo, o copo d’água que engasga. Quando partirem os que comigo cruzaram caminhos, talvez encontrem em suas lembranças um vestígio ácido, incômodo, mas vivo. E é nessa vivência, nesse rastro de verdade crua, que continuo a existir. CiFA
A crônica que acabamos de ler nos provoca a pensar sobre nossa própria existência e o modo como nos relacionamos com o mundo. O autor se descreve como um "bicho estranho que empacou", um "Mar-Morto" de inércia, mas que ao mesmo tempo "quer tanto viver" que não aceita a neutralidade. Essa é uma oportunidade e tanto para a gente discutir alguns conceitos fundamentais da Sociologia. Preparados?
1 - O cronista afirma que "detesto burro que empaca — e, no entanto, sou esse burro." Essa contradição entre o que ele detesta e o que ele é, pode ser analisada sociologicamente? Discuta como as expectativas sociais e as pressões individuais podem gerar contradições no comportamento e na identidade das pessoas.
2 - O autor se descreve como alguém que "precisa estar perto de tudo aquilo que posso contaminar" e que produz "venenos". Embora use a metáfora, o texto sugere uma influência ativa sobre o ambiente. Explique como os indivíduos, mesmo em suas contradições, atuam como agentes sociais, influenciando e sendo influenciados pelos grupos e pela sociedade em que vivem.
3 - A crônica declara: "Sou assim porque quero tanto viver que a neutralidade me parece um crime. Reajo, mesmo quando seria mais seguro calar." Relacione essa postura com o conceito de engajamento social ou ação coletiva. Por que, do ponto de vista sociológico, a "neutralidade" pode ser vista como um problema em certas situações?
4 - O cronista menciona que "os que nada fazem também me ferem. Os que fingem não ver, os que cruzam os braços ou desviam os olhos — esses também merecem minha reação." Essa afirmação pode ser conectada ao conceito de responsabilidade social. Discuta a importância de se posicionar e de não se omitir diante de problemas sociais, segundo essa perspectiva.
5 - Ao final do texto, o autor reflete sobre sua "partida" e o que ele deixou para seus colegas: "uma faísca, um incômodo, uma lembrança que arde." Pensando no papel do indivíduo na sociedade, como essa ideia de "deixar uma marca" ou "causar dano" (no sentido de impacto ou provocação) se relaciona com o conceito de legado social e a forma como as ações de uma pessoa podem reverberar na vida de outras?
Se há uma lição que o tempo me ensinou, é que a sabedoria raramente reside nas respostas prontas. Quase sempre, ela se esconde nas perguntas incômodas. Para encontrá-la, é preciso desconfiar das fantasias sagradas, observar com atenção o comportamento das formigas, o voo errático dos pássaros, o modo como as estações se sucedem — e, sobretudo, contemplar o teatro humano com olhos de cronista velho e cético. Foi assim que aprendi a me ler por dentro: como um bicho estranho que empacou no meio do caminho.
Sim, empacou. Detesto burro que empaca — e, no entanto, sou esse burro. Um paradoxo em carne viva. Um ser em marcha, mas com os pés atolados. Um mar que não se move: Mar-Morto. Tenho consciência da minha contradição e, talvez por isso mesmo, precise estar perto de tudo aquilo que posso contaminar. Produzo venenos, sim — mas até o veneno, em pequenas doses, pode ser remédio. Excesso de gente me sufoca; falta de afeto, me adoece. Ainda assim, aviso logo: não há rota de fuga. Você está lendo isso — agora, não há mais volta.
Sou assim porque quero tanto viver que a neutralidade me parece um crime. Reajo, mesmo quando seria mais seguro calar. Grito, mesmo quando só esperam silêncio. Os que nada fazem também me ferem. Os que fingem não ver, os que cruzam os braços ou desviam os olhos — esses também merecem minha reação. Às vezes, me torno tóxico, eu sei. Mas não vim ao mundo para passar despercebido.
O desapego, para mim, é o adeus mais honesto: uma forma de amar sem prender. O esquecimento, esse sim, é traição — pois quem esquece, mata duas vezes. Por isso, parto sem pressa, mas com urgência. Meu curso terminou. Meus colegas me viram passar e levei comigo um pouco de cada um. Em troca, deixei o que sou: uma faísca, um incômodo, uma lembrança que arde.
E se causei dano, foi só porque insisti demais em ser vivo entre os mortos-vivos. Meu veneno, afinal, é apenas a forma mais sincera que encontrei de continuar sendo. Como uma flor que nasce no esgoto e insiste em perfumar o ar ao redor, mesmo enraizada na podridão, eu sigo contaminando — não por maldade, mas por natureza. Não sou antídoto, nem pretendo ser cura. Sou o toque que arde, o espinho no dedo, o copo d’água que engasga. Quando partirem os que comigo cruzaram caminhos, talvez encontrem em suas lembranças um vestígio ácido, incômodo, mas vivo. E é nessa vivência, nesse rastro de verdade crua, que continuo a existir. CiFA
A crônica que acabamos de ler nos provoca a pensar sobre nossa própria existência e o modo como nos relacionamos com o mundo. O autor se descreve como um "bicho estranho que empacou", um "Mar-Morto" de inércia, mas que ao mesmo tempo "quer tanto viver" que não aceita a neutralidade. Essa é uma oportunidade e tanto para a gente discutir alguns conceitos fundamentais da Sociologia. Preparados?
1 - O cronista afirma que "detesto burro que empaca — e, no entanto, sou esse burro." Essa contradição entre o que ele detesta e o que ele é, pode ser analisada sociologicamente? Discuta como as expectativas sociais e as pressões individuais podem gerar contradições no comportamento e na identidade das pessoas.
2 - O autor se descreve como alguém que "precisa estar perto de tudo aquilo que posso contaminar" e que produz "venenos". Embora use a metáfora, o texto sugere uma influência ativa sobre o ambiente. Explique como os indivíduos, mesmo em suas contradições, atuam como agentes sociais, influenciando e sendo influenciados pelos grupos e pela sociedade em que vivem.
3 - A crônica declara: "Sou assim porque quero tanto viver que a neutralidade me parece um crime. Reajo, mesmo quando seria mais seguro calar." Relacione essa postura com o conceito de engajamento social ou ação coletiva. Por que, do ponto de vista sociológico, a "neutralidade" pode ser vista como um problema em certas situações?
4 - O cronista menciona que "os que nada fazem também me ferem. Os que fingem não ver, os que cruzam os braços ou desviam os olhos — esses também merecem minha reação." Essa afirmação pode ser conectada ao conceito de responsabilidade social. Discuta a importância de se posicionar e de não se omitir diante de problemas sociais, segundo essa perspectiva.
5 - Ao final do texto, o autor reflete sobre sua "partida" e o que ele deixou para seus colegas: "uma faísca, um incômodo, uma lembrança que arde." Pensando no papel do indivíduo na sociedade, como essa ideia de "deixar uma marca" ou "causar dano" (no sentido de impacto ou provocação) se relaciona com o conceito de legado social e a forma como as ações de uma pessoa podem reverberar na vida de outras?