ANO NOVO É CADA DIA ("Eu preciso muito deixar acontecer o momento da renovação, trocar de pele, mudar de cor." (Caio Fernando Abreu).
Foi numa manhã qualquer de janeiro, dessas que o calendário insiste em decorar com promessas, que me dei conta de um detalhe cruel: o tempo não se importa com os nossos planos. Ele simplesmente passa. Não pergunta se estamos prontos, se temos coragem, se aprendemos a lição do ontem ou se descansamos o suficiente para o amanhã. Ele só vai.
Acordei com o barulho do mundo lá fora, mas foi aqui dentro que a inquietação começou. Pela janela, o céu parecia ter sido pintado com aquarelas dissolvidas — nem azul, nem cinza, apenas um vazio luminoso que convida à reflexão. É curioso como os primeiros dias do ano nos empurram para essa obsessão com o tempo, essa necessidade quase desesperada de comprimi-lo em metas, planos e promessas.
"Você já planejou seu 2025?" A pergunta me chega pelo celular, enviada por uma amiga bem-intencionada. Sorrio, pensando na ironia. Passei dezembro inteiro fugindo dessa conversa e agora ela me alcança, inevitável como o próprio calendário. Confesso que sempre desconfiei dos votos de "Feliz Ano Novo". Essa enxurrada de bons desejos, promessas de prosperidade e renovação... soa tudo tão artificial, tão distante da nossa realidade cotidiana. Como se o tempo pudesse ser domado por nossas profecias vazias.
Olhei o calendário pregado na parede da cozinha. Janeiro. De novo. Sempre ele, sempre assim: cheio de metas, listas, desejos que se repetem com roupa nova. Ontem, no café da esquina, observei um homem de terno rabiscando freneticamente em uma agenda. Traçava linhas, círculos, escrevia palavras que, da minha mesa, pareciam "sucesso", "disciplina", "conquista". Estava ali, com seu cappuccino esfriando ao lado, desenhando o mapa de um ano inteiro. Doze meses reduzidos a uma estratégia.
Confesso que o invejei por um instante. A convicção com que ele domava o tempo futuro, como se pudesse dobrá-lo à sua vontade, tinha algo de admirável. Eu, ao contrário, tenho desenvolvido um relacionamento mais cauteloso com o tempo. Aprendi da maneira mais dolorosa que ele raramente segue nossos roteiros.
Lembro-me do início do ano de 2024. Naquela época, eu estava mergulhado em um mar de ansiedade. O futuro me parecia uma névoa densa, repleta de incertezas. A pressão para "valorizar" o tempo, para "planejar" cada passo, para "profetizar" o sucesso me paralisava. Foi então que planejei cada detalhe de uma viagem que nunca aconteceu. Organizei itinerários, reservei hotéis, comprei guias e adaptadores de tomada. Três dias antes, uma pneumonia me derrubou. Fiquei uma semana entre lençóis febris, assistindo pelas redes sociais à vida que continuava sem mim. O tempo, que eu havia tentado aprisionar em planilhas, escorreu entre meus dedos como água.
Foi nesse momento que me deparei com uma frase do Dalai Lama: "Só existem dois dias no ano que nada pode ser feito. Um se chama ontem e o outro se chama amanhã, portanto hoje é o dia certo para amar, acreditar, fazer e principalmente viver." Não sei se foi realmente ele quem disse isso, como garantia o meme, mas a verdade contida ali me atingiu como um koan zen — uma dessas charadas sem resposta que te fazem pensar em círculos até que, de repente, algo se ilumina.
Decidi, então, mudar minha perspectiva. Abandonei a ilusão de controlar o tempo e comecei a me concentrar no presente. Foi então que me dei permissão: permissão para sentir, para esperar menos dos outros e mais de mim; permissão para acertar com dignidade, para errar sem culpa, para silenciar quando a alma pedir silêncio. E, principalmente, para encontrar sentido no hoje — esse lugar tão negligenciado.
O tédio, esse mal tão temido da modernidade, talvez seja nosso último refúgio. Descobri isso numa tarde de domingo, quando a internet caiu e o celular descarregou ao mesmo tempo — uma conspiração de dispositivos que me devolveu, sem aviso, ao mundo real. As horas, antes tão rápidas entre rolagens de tela, tornaram-se elásticas. Redescobri o prazer de observar uma formiga carregando uma folha pela parede ou de simplesmente ouvir a chuva batendo na janela, sem trilha sonora, sem legendas, sem pressa.
É curioso como tememos os momentos vazios. Enchemos cada minuto como quem tem pavor do silêncio numa conversa. Mas é justamente nesses espaços aparentemente inúteis que a vida acontece de verdade. É no tédio que nos reconectamos com algo que perdemos no caminho — talvez nós mesmos. Aprendi que não é preciso acelerar. Que o entediado deseja que o tempo voe, e que só quem aprende a gostar da lentidão das horas descobre o sabor da existência. É no passo curto que se enxerga o caminho; no detalhe, que se revela o afeto.
Minha mãe costumava dizer que a vida é como tricô: não adianta puxar a linha com força para terminar mais rápido. O tempo tem seu próprio ritmo, suas próprias regras. E talvez a sabedoria esteja em se submeter a elas, não em tentar domá-las.
Abracei minha "naturalidade". Deixei de lado as máscaras e as preocupações com o que os outros pensariam. E, para minha surpresa, isso me abriu portas para conhecer pessoas diferentes, para me conectar com o mundo de forma mais autêntica. A esperança que me habita não é mais barulhenta. É silenciosa, mas firme. Ela sussurra que posso conhecer novas pessoas, não por carência, mas por curiosidade sincera. Que posso caprichar no que faço, não para impressionar, mas para honrar o que sou.
Por isso, neste janeiro recém-nascido, decidi que meu único plano é viver um dia de cada vez. Não por resignação ou falta de ambição, mas por uma escolha consciente de habitar o presente. Quero ser como aqueles monges zen que lavam seu prato com a mesma dedicação com que meditam — plenamente ali, sem escapar para o passado ou para o futuro.
É claro que os planos para o futuro continuam a existir. Tenho esperanças e projetos que nascem e se transformam a cada amanhecer. Mas, dessa vez, estão ancorados na realidade do presente, maleáveis e adaptáveis às circunstâncias. Aprendi a não confundir o mapa com o território. A vida, essa improvável aventura, raramente segue roteiros preestabelecidos. Sua beleza está justamente nos desvios, nas surpresas, nas pequenas epifanias que nenhum planejamento poderia prever.
Hoje, ao escrever estas linhas, sinto uma coragem diferente crescendo em mim. Não é a ousadia dos grandes gestos ou das decisões irreversíveis, mas a coragem silenciosa de estar presente, de encontrar significado no cotidiano, de adequar minhas ideias à realidade em que vivemos. Não posso desanimar de novo.
O dia de ontem já cumpriu sua tarefa. O amanhã ainda é indecifrável. Mas hoje — ah, o hoje — esse me pertence. Se há algo que desejo a mim, e talvez também a você, é que saibamos sustentar um dia por vez. Que tenhamos a coragem de desacelerar. Que saibamos dar valor ao tempo enquanto ele ainda é nosso.
E você, leitor? Que tal abandonar as profecias e os votos de "Feliz Ano Novo" e começar a valorizar o "dia da vez"? Desejo-lhe um dia de cada vez em 2025, e que o tempo passe mais lento para os entediados. Porque no fim, é só isso que temos: o dia que nos resta. E que ele passe devagar o suficiente para que possamos saboreá-lo em cada gole.
Minha crônica "ANO NOVO É CADA DIA" é uma reflexão belíssima e profundamente sociológica sobre a nossa relação com o tempo, as expectativas sociais e a busca por sentido no cotidiano. Eu abordo a pressão por planejamento, a aversão ao tédio e a redescoberta do presente de uma forma que ressoa com diversas teorias e conceitos da nossa área. Com base nas minhas ideias centrais, preparei 5 questões discursivas simples para explorarmos sociologicamente essas reflexões:
1-A crônica descreve a "obsessão com o tempo" no início do ano, marcada por planos e metas. Como a Sociologia analisa a construção social do tempo e de que maneira as normas sociais e as instituições (como o calendário) influenciam nossa percepção e organização temporal?
2-Você menciona a pressão para "valorizar" o tempo e "planejar" o futuro, em contraste com a experiência da pneumonia que desorganizou seus planos. Como a Sociologia aborda a relação entre biografia individual e tempo social, e de que forma eventos inesperados podem revelar a fragilidade do nosso controle sobre o futuro?
3-A crônica valoriza a experiência do tédio como um possível "último refúgio" e um espaço para a reconexão consigo mesmo. Como a Sociologia analisa o tédio na sociedade moderna, frequentemente marcada pela aceleração e pela busca constante por estímulos, e qual o seu potencial para a reflexão e a subjetividade?
4-Eu contrasto a tentativa de "domar o tempo futuro" com a decisão de "viver um dia de cada vez", inspirada pela frase atribuída ao Dalai Lama. Como a Sociologia estuda as diferentes temporalidades sociais (presenteísmo, futurismo, etc.) e de que maneira as filosofias de vida e as práticas cotidianas podem moldar nossa experiência temporal?
5-A crônica conclui com a importância de "dar valor ao tempo enquanto ele ainda é nosso" no "dia da vez". Como a Sociologia analisa o tempo como um recurso social e pessoal, e de que forma as estruturas sociais e as culturas influenciam a maneira como percebemos, utilizamos e atribuímos valor ao nosso tempo?
Foi numa manhã qualquer de janeiro, dessas que o calendário insiste em decorar com promessas, que me dei conta de um detalhe cruel: o tempo não se importa com os nossos planos. Ele simplesmente passa. Não pergunta se estamos prontos, se temos coragem, se aprendemos a lição do ontem ou se descansamos o suficiente para o amanhã. Ele só vai.
Acordei com o barulho do mundo lá fora, mas foi aqui dentro que a inquietação começou. Pela janela, o céu parecia ter sido pintado com aquarelas dissolvidas — nem azul, nem cinza, apenas um vazio luminoso que convida à reflexão. É curioso como os primeiros dias do ano nos empurram para essa obsessão com o tempo, essa necessidade quase desesperada de comprimi-lo em metas, planos e promessas.
"Você já planejou seu 2025?" A pergunta me chega pelo celular, enviada por uma amiga bem-intencionada. Sorrio, pensando na ironia. Passei dezembro inteiro fugindo dessa conversa e agora ela me alcança, inevitável como o próprio calendário. Confesso que sempre desconfiei dos votos de "Feliz Ano Novo". Essa enxurrada de bons desejos, promessas de prosperidade e renovação... soa tudo tão artificial, tão distante da nossa realidade cotidiana. Como se o tempo pudesse ser domado por nossas profecias vazias.
Olhei o calendário pregado na parede da cozinha. Janeiro. De novo. Sempre ele, sempre assim: cheio de metas, listas, desejos que se repetem com roupa nova. Ontem, no café da esquina, observei um homem de terno rabiscando freneticamente em uma agenda. Traçava linhas, círculos, escrevia palavras que, da minha mesa, pareciam "sucesso", "disciplina", "conquista". Estava ali, com seu cappuccino esfriando ao lado, desenhando o mapa de um ano inteiro. Doze meses reduzidos a uma estratégia.
Confesso que o invejei por um instante. A convicção com que ele domava o tempo futuro, como se pudesse dobrá-lo à sua vontade, tinha algo de admirável. Eu, ao contrário, tenho desenvolvido um relacionamento mais cauteloso com o tempo. Aprendi da maneira mais dolorosa que ele raramente segue nossos roteiros.
Lembro-me do início do ano de 2024. Naquela época, eu estava mergulhado em um mar de ansiedade. O futuro me parecia uma névoa densa, repleta de incertezas. A pressão para "valorizar" o tempo, para "planejar" cada passo, para "profetizar" o sucesso me paralisava. Foi então que planejei cada detalhe de uma viagem que nunca aconteceu. Organizei itinerários, reservei hotéis, comprei guias e adaptadores de tomada. Três dias antes, uma pneumonia me derrubou. Fiquei uma semana entre lençóis febris, assistindo pelas redes sociais à vida que continuava sem mim. O tempo, que eu havia tentado aprisionar em planilhas, escorreu entre meus dedos como água.
Foi nesse momento que me deparei com uma frase do Dalai Lama: "Só existem dois dias no ano que nada pode ser feito. Um se chama ontem e o outro se chama amanhã, portanto hoje é o dia certo para amar, acreditar, fazer e principalmente viver." Não sei se foi realmente ele quem disse isso, como garantia o meme, mas a verdade contida ali me atingiu como um koan zen — uma dessas charadas sem resposta que te fazem pensar em círculos até que, de repente, algo se ilumina.
Decidi, então, mudar minha perspectiva. Abandonei a ilusão de controlar o tempo e comecei a me concentrar no presente. Foi então que me dei permissão: permissão para sentir, para esperar menos dos outros e mais de mim; permissão para acertar com dignidade, para errar sem culpa, para silenciar quando a alma pedir silêncio. E, principalmente, para encontrar sentido no hoje — esse lugar tão negligenciado.
O tédio, esse mal tão temido da modernidade, talvez seja nosso último refúgio. Descobri isso numa tarde de domingo, quando a internet caiu e o celular descarregou ao mesmo tempo — uma conspiração de dispositivos que me devolveu, sem aviso, ao mundo real. As horas, antes tão rápidas entre rolagens de tela, tornaram-se elásticas. Redescobri o prazer de observar uma formiga carregando uma folha pela parede ou de simplesmente ouvir a chuva batendo na janela, sem trilha sonora, sem legendas, sem pressa.
É curioso como tememos os momentos vazios. Enchemos cada minuto como quem tem pavor do silêncio numa conversa. Mas é justamente nesses espaços aparentemente inúteis que a vida acontece de verdade. É no tédio que nos reconectamos com algo que perdemos no caminho — talvez nós mesmos. Aprendi que não é preciso acelerar. Que o entediado deseja que o tempo voe, e que só quem aprende a gostar da lentidão das horas descobre o sabor da existência. É no passo curto que se enxerga o caminho; no detalhe, que se revela o afeto.
Minha mãe costumava dizer que a vida é como tricô: não adianta puxar a linha com força para terminar mais rápido. O tempo tem seu próprio ritmo, suas próprias regras. E talvez a sabedoria esteja em se submeter a elas, não em tentar domá-las.
Abracei minha "naturalidade". Deixei de lado as máscaras e as preocupações com o que os outros pensariam. E, para minha surpresa, isso me abriu portas para conhecer pessoas diferentes, para me conectar com o mundo de forma mais autêntica. A esperança que me habita não é mais barulhenta. É silenciosa, mas firme. Ela sussurra que posso conhecer novas pessoas, não por carência, mas por curiosidade sincera. Que posso caprichar no que faço, não para impressionar, mas para honrar o que sou.
Por isso, neste janeiro recém-nascido, decidi que meu único plano é viver um dia de cada vez. Não por resignação ou falta de ambição, mas por uma escolha consciente de habitar o presente. Quero ser como aqueles monges zen que lavam seu prato com a mesma dedicação com que meditam — plenamente ali, sem escapar para o passado ou para o futuro.
É claro que os planos para o futuro continuam a existir. Tenho esperanças e projetos que nascem e se transformam a cada amanhecer. Mas, dessa vez, estão ancorados na realidade do presente, maleáveis e adaptáveis às circunstâncias. Aprendi a não confundir o mapa com o território. A vida, essa improvável aventura, raramente segue roteiros preestabelecidos. Sua beleza está justamente nos desvios, nas surpresas, nas pequenas epifanias que nenhum planejamento poderia prever.
Hoje, ao escrever estas linhas, sinto uma coragem diferente crescendo em mim. Não é a ousadia dos grandes gestos ou das decisões irreversíveis, mas a coragem silenciosa de estar presente, de encontrar significado no cotidiano, de adequar minhas ideias à realidade em que vivemos. Não posso desanimar de novo.
O dia de ontem já cumpriu sua tarefa. O amanhã ainda é indecifrável. Mas hoje — ah, o hoje — esse me pertence. Se há algo que desejo a mim, e talvez também a você, é que saibamos sustentar um dia por vez. Que tenhamos a coragem de desacelerar. Que saibamos dar valor ao tempo enquanto ele ainda é nosso.
E você, leitor? Que tal abandonar as profecias e os votos de "Feliz Ano Novo" e começar a valorizar o "dia da vez"? Desejo-lhe um dia de cada vez em 2025, e que o tempo passe mais lento para os entediados. Porque no fim, é só isso que temos: o dia que nos resta. E que ele passe devagar o suficiente para que possamos saboreá-lo em cada gole.
Minha crônica "ANO NOVO É CADA DIA" é uma reflexão belíssima e profundamente sociológica sobre a nossa relação com o tempo, as expectativas sociais e a busca por sentido no cotidiano. Eu abordo a pressão por planejamento, a aversão ao tédio e a redescoberta do presente de uma forma que ressoa com diversas teorias e conceitos da nossa área. Com base nas minhas ideias centrais, preparei 5 questões discursivas simples para explorarmos sociologicamente essas reflexões:
1-A crônica descreve a "obsessão com o tempo" no início do ano, marcada por planos e metas. Como a Sociologia analisa a construção social do tempo e de que maneira as normas sociais e as instituições (como o calendário) influenciam nossa percepção e organização temporal?
2-Você menciona a pressão para "valorizar" o tempo e "planejar" o futuro, em contraste com a experiência da pneumonia que desorganizou seus planos. Como a Sociologia aborda a relação entre biografia individual e tempo social, e de que forma eventos inesperados podem revelar a fragilidade do nosso controle sobre o futuro?
3-A crônica valoriza a experiência do tédio como um possível "último refúgio" e um espaço para a reconexão consigo mesmo. Como a Sociologia analisa o tédio na sociedade moderna, frequentemente marcada pela aceleração e pela busca constante por estímulos, e qual o seu potencial para a reflexão e a subjetividade?
4-Eu contrasto a tentativa de "domar o tempo futuro" com a decisão de "viver um dia de cada vez", inspirada pela frase atribuída ao Dalai Lama. Como a Sociologia estuda as diferentes temporalidades sociais (presenteísmo, futurismo, etc.) e de que maneira as filosofias de vida e as práticas cotidianas podem moldar nossa experiência temporal?
5-A crônica conclui com a importância de "dar valor ao tempo enquanto ele ainda é nosso" no "dia da vez". Como a Sociologia analisa o tempo como um recurso social e pessoal, e de que forma as estruturas sociais e as culturas influenciam a maneira como percebemos, utilizamos e atribuímos valor ao nosso tempo?