A discussão sobre a qualidade da educação pública em Goiás, e no Brasil como um todo, ainda parece girar em torno de discursos idealistas que não enfrentam com franqueza a realidade das salas de aula. Em 2014, Goiás alcançou o 1º lugar no País no ensino médio, segundo o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Mesmo assim, anos depois, o governo estadual propôs a implantação de Organizações Sociais (OSs) na área da educação, inspiradas nas charter schools americanas. A justificativa oficial era clara: melhorar ainda mais a qualidade da rede, replicando o modelo de gestão dos colégios militares, cuja administração é feita por oficiais e praças da Polícia Militar, enquanto o corpo docente permanece ligado à Secretaria de Educação.
A proposta levanta uma pergunta inevitável: se os colégios militares são exemplos de sucesso, por que não converter todas as unidades escolares ao regime militar? A experiência mostra que, embora a disciplina rígida contribua para a ordem, ela não assegura, por si só, a excelência. Os colégios militares têm taxa zero de reprovação? Evidentemente, não. Isso porque a verdadeira qualidade de uma escola não reside apenas em sua estrutura administrativa, mas, sobretudo, na qualidade de seus alunos.
Com ou sem OSs, a escola pública tende a permanecer a mesma se não houver um compromisso sério com o aprimoramento do alunado. O foco excessivo na quantidade – porque cada aluno representa verba federal e estadual, inclusive o lanche escolar é calculado por cabeça – torna o estudante um número, um dado estatístico. O sistema educacional, então, perde o foco no essencial: a aprendizagem. Se o objetivo maior não for o conhecimento, e sim a aprovação fácil, inflar números torna-se mais importante do que formar cidadãos conscientes e preparados.
Não é difícil entender por que essa lógica se sustenta. A escola virou, em muitos casos, um cabide de empregos. O sistema está inchado com cargos muitas vezes inúteis, criados mais por necessidade de manter empregos do que por um projeto pedagógico coerente. Aceita-se com naturalidade o inchaço porque todos precisam sobreviver. A consequência disso é clara: o interesse pela quantidade de matrículas passa a prevalecer sobre qualquer preocupação real com a qualidade da educação oferecida.
Presenciei salas com 45 alunos, onde o professor dedica mais tempo tentando manter a ordem do que ensinando. Nesses casos, a essência se dilui. Para ilustrar, pense em meio copo de leite – é leite puro. Meio copo de água – é água pura. Mas, ao misturá-los, o que se obtém já não é nem leite nem água. Da mesma forma, o excesso de alunos sem critérios de seleção pedagógica compromete o ambiente de aprendizado. A solução passa por reconhecer o mérito, valorizar o esforço e priorizar quem realmente quer aprender.
Minha posição foi desafiada por uma aluna, Nataliane Xablau Cherry, que comentou em minha linha do tempo:
"Não só os alunos, vamos combinar que a escola deve ser um conjunto de pessoas lutando pela mesma causa... alunos... professores... diretoria... e os ajudantes da escola... todos devem agir juntos... o grande problema não são os alunos deixando de estudar e sim esse joguinho de empurra tentando achar um culpado... que não existe... sendo a solução melhor organização das escolas e dinâmica nas salas de aula... desde que se inicie nas bases da educação... quando alguém aí decidir fazer isso, na minha opinião, tudo vai ficar mais fácil. E lembrem de me avisar... valeu." (sic)
Nataliane tem razão ao enfatizar o papel coletivo da escola, mas eu costumo comparar a situação a um carro: pode estar com motor, pneus e estrutura em perfeito estado, mas sem combustível, não anda. O aluno é o combustível da educação. Sem ele, a escola não existe. Todos os demais – professores, diretores, servidores – são importantes, mas podem ser substituídos. Já o aluno, não. E se ele for autodidata, pode fazer brotar uma boa escola debaixo de uma árvore, com livros e acesso à internet.
Infelizmente, a lógica do sistema atual valoriza mais o número de alunos do que sua formação efetiva. Por quê? Porque mais alunos significam mais verbas. E tudo é oferecido de graça. O sistema parece mais interessado no sucesso do aluno do que o próprio aluno está interessado em merecê-lo. Com isso, distorce-se a função da escola: ela existe para ensinar, não para proteger estatísticas.
A escola, como está, não valoriza o mérito. E sem mérito, sem honra, perde-se a base do que deveria ser a educação pública de qualidade. Como disse Roberto Campos:
“A diferença entre a empresa privada e a empresa pública é que aquela é controlada pelo governo, e esta por ninguém.”
Por fim, deixo minha reflexão: por que a escola parece mais empenhada no sucesso do aluno do que ele mesmo? Espero que este desabafo contribua para um debate mais honesto, direto e comprometido com a verdadeira missão da educação.
https://www.jornalopcao.com.br/reportagens/estado-deve-implantar-oss-na-area-da-educacao-aos-moldes-das-charter-schools-americanas-2-25931/ (Acessado em 20/05/2025)
Meu texto oferece uma análise perspicaz e crítica da educação pública, levantando pontos cruciais para a reflexão sociológica. A tensão entre o discurso idealizado e a prática, a questão da qualidade versus quantidade, e o papel dos diversos atores na escola são temas centrais. Com base nas minha ideias, preparei 5 questões discursivas simples para explorarmos sociologicamente essas questões:
1-O texto aponta para uma possível priorização da quantidade de alunos (para captação de verbas) em detrimento da qualidade do ensino. Como a Sociologia da Educação analisa a influência de fatores econômicos e administrativos nas práticas pedagógicas e nos objetivos da escola pública?
2-Eu menciono a proposta de implementar Organizações Sociais (OSs) e o modelo dos colégios militares como soluções para a qualidade. Sob a perspectiva sociológica, como diferentes modelos de gestão (estatal, militarizada, terceirizada) podem impactar a estrutura de poder dentro da escola, as relações entre os atores (alunos, professores, gestão) e os resultados educacionais?
3-A aluna Nataliane Xablau Cherry defende uma visão da escola como um "conjunto de pessoas lutando pela mesma causa". Como a Sociologia das Instituições Educacionais analisa a construção da comunidade escolar e a importância da cooperação e do engajamento dos diferentes atores para o sucesso do processo educativo?
4-O texto critica a ideia de uma aprovação fácil e defende a valorização do mérito. De que forma a Sociologia da Educação aborda as questões de avaliação, meritocracia e desigualdades no sistema educacional, considerando como diferentes formas de avaliação podem influenciar as trajetórias dos alunos e as dinâmicas de poder na escola?
5-Eu utilizo a metáfora do carro sem combustível para ilustrar a centralidade do aluno no processo educativo. Como a Sociologia da Educação analisa o papel e a agência dos estudantes no processo de ensino-aprendizagem, e como fatores sociais, econômicos e culturais podem influenciar o engajamento e o desempenho dos alunos?