Caminhando pela estrada sinuosa da vida, carrego comigo as palavras de Ana Carolina: "E quando eu finjo que esqueço, eu não esqueci nada." Como professor, sinto uma raiva crônica daqueles que me prejudicaram, perseguiram e maltrataram. Nunca planejei vingança; acredito que não vingar é uma forma de matá-los de desprezo, confio na lei do retorno. Porque perdoar é permitir ser enganado e ofendido novamente — e perdoar até setenta vezes sete me parece ingenuidade excessiva.
Lembro-me de uma mãe que me denunciou à diretora por ter me visto tomando cerveja zero álcool a caminho da escola. Não sei se pretendia me purificar ou me sujar ainda mais, dificultando meu trabalho. Ela desconhecia que esse tipo de bebida é inofensiva — estudou pouco, é alimento —, ou talvez quisesse apenas se mostrar superior, prejudicando minha reputação. Potencializada pelo apoio da diretora e da coordenadora, fui punido. Esse episódio consta em ata assinada por mim, na Escola municipal João Pereira dos Santos.
Meu foco recai sobre essa denunciante, pois foi minha aluna na EJA e trabalhava no mercadinho onde comprei a latinha. Colhi essa malquerença por não tê-la ensinado bem — embora ela não quisesse aprender, apenas dizer que tinha amigas formadas. Agora, mesmo querendo perdoá-la, é mais forte minha promessa de jamais esquecer suas ofensas. Estou tentando compreendê-la, disposto a protelar ao máximo meu julgamento, fingirei lamentos por não ter lhe ensinado nada significativo, pois a maioria dos alunos da EJA só quer diploma. Mas, semana após semana volto a pensar nela com uma maldição pronta na mente e nos lábios.
Neste final de semana natalino, porém, quero esquecê-la momentaneamente como representante de todos os meus problemas, ser mais otimista e me inspirar no nascimento do Messias. Sei que esperam de mim atitudes firmes, independentes e assertivas, mas prefiro parecer fraco; não é medo é apena a contagem regressiva. "O contrário do amor não é o ódio, e sim a indiferença. Quem 'odeia' está mais envolvido do que supõe..." (Martha Medeiros). Sim, envolvido demais por não querer esquecer o que sofri.
Termino com as benditas palavras de Simone de Beauvoir: "Não se pode escrever nada com indiferença." Assim, caminho pela estrada da vida carregando lições aprendidas com ódio, feridas abertas e pouca esperança de um amanhã melhor. Porque, no final, somos todos professores e alunos na escola da vida.
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Como seu professor de Sociologia, o texto que acabamos de ler é uma crônica intensa sobre conflito interpessoal, vingança versus perdão, poder simbólico (no contexto escolar), e o processo emocional de lidar com a mágoa. Preparei cinco questões discursivas simples que exploram esses conceitos à luz da Sociologia e das dinâmicas de poder nas relações humanas.
1. Conflito Interpessoal e Lei do Retorno
O narrador afirma: "Nunca planejei vingança; acredito que não vingar é uma forma de matá-los de desprezo, confio na lei do retorno." Analise a ideia de "lei do retorno" nesse contexto. Como a indiferença ou o desprezo podem ser utilizados como uma estratégia de poder e autodefesa em um conflito interpessoal, em vez da retaliação direta, e qual o seu objetivo social e psicológico?
2. Poder Simbólico e Reputação na Escola
Descreva o episódio em que a mãe/aluna denunciou o professor por consumir cerveja zero álcool, o que resultou em punição formal. Utilizando o conceito de Poder Simbólico (Bourdieu), explique como a reputação e o julgamento moral de uma figura de autoridade (o professor) podem ser manipulados no ambiente escolar, e como o apoio da diretoria e coordenação valida esse poder, mesmo em um contexto de acusação infundada ou exagerada.
3. Educação de Jovens e Adultos (EJA) e Diploma
O professor expressa sua frustração com a ex-aluna e reflete que "a maioria dos alunos da EJA só quer diploma". Discuta, sob a ótica da Sociologia da Educação, o papel do diploma na EJA. Por que a busca pela certificação formal (o diploma) pode, por vezes, se sobrepor à busca por aprendizado significativo para essa população, e como isso afeta a motivação e a satisfação do professor?
4. Amor, Ódio e Indiferença como Envolvimento Social
O texto utiliza a citação de Martha Medeiros: "O contrário do amor não é o ódio, e sim a indiferença. Quem 'odeia' está mais envolvido do que supõe..." Relacione essa citação com o conflito crônico vivenciado pelo autor, que não consegue esquecer a ofensa. De que forma o ódio ou a mágoa persistente indicam um alto grau de envolvimento emocional e dependência do ofensor, e como a busca pela indiferença seria um passo em direção à liberdade individual?
5. O Professor como Aluno da Vida
O texto conclui: "no final, somos todos professores e alunos na escola da vida." Explique a relevância dessa conclusão para a reflexão sociológica. De que maneira a experiência de mágoa e conflito — mesmo sendo dolorosa e carregada de "ódio" — pode ser ressignificada como uma lição de vida (aprendizado) que molda a consciência e a trajetória do indivíduo (o professor)?