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quarta-feira, 24 de julho de 2024

A SABEDORIA DO ACUMULADOR: Uma Visão Inclusiva do Mundo ("Quem guarda o que não quer, tem o que precisa" — dizia meu avô)

 


A SABEDORIA DO ACUMULADOR: Uma Visão Inclusiva do Mundo ("Quem guarda o que não quer, tem o que precisa" — dizia meu avô)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Sempre me chamaram de acumulador, como se fosse um insulto. Mas hoje, sentado em meio às minhas preciosidades, percebo que há uma certa magia em ver o mundo através das lentes de quem guarda o aparentemente inútil. É uma forma de enxergar o mundo com olhos mais inclusivos, de encontrar valor onde ninguém mais vê. E não é só com objetos, é com pessoas também.

Lembro-me bem do meu avô, sábio em suas simplicidades. Ele sempre dizia: "Quem guarda o que não quer, tem o que precisa." Essa frase ganhou um significado profundo para mim quando meu vizinho, Pedro, bateu à minha porta numa tarde de domingo. Seus olhos, arregalados de desespero, contrastavam com o céu azul lá em cima. "Você tem uma chave inglesa de 3/8? A minha quebrou e preciso consertar um vazamento urgente!", ele ofegou.

Sorri, convidando-o a entrar. Guiei-o através do labirinto de objetos que preenchiam minha sala até uma velha caixa de ferramentas herdada do meu avô. Lá encontrei exatamente o que ele precisava. A ferrugem cobria parte da superfície metálica, mas ainda era perfeitamente funcional. Pedro ficou surpreso, pensando que não fabricavam mais aquele modelo.

Não são apenas os objetos que guardo. Ao longo dos anos, fui colecionando pessoas também. Aqueles que a sociedade rotulava como "difíceis" ou "intratáveis", eu os mantinha por perto. Como aquela chave inglesa enferrujada, eles também têm seu valor oculto.

Lembro-me de Dona Zulmira, a vizinha que todos evitavam por seu gênio forte. Quando minha mãe adoeceu, foi ela quem apareceu com uma sopa caseira e conhecimento de ervas medicinais que nenhum médico possuía. Sua presença, antes vista como incômoda, tornou-se um bálsamo naqueles dias difíceis.

Em outra ocasião, precisei de ajuda com um problema no trabalho. Todos os colegas convencionais estavam ocupados ou simplesmente não se importavam. Foi aí que me voltei para aquele cara que ninguém suportava, sempre mal-humorado e reclamão. Ele veio, resmungando como sempre, mas resolveu tudo com uma habilidade e rapidez que me deixaram boquiaberto. Ali, percebi que o valor dele estava escondido sob uma camada de mau humor e aspereza que a maioria não tinha paciência para enfrentar.

É curioso como a vida nos ensina. Cada objeto empoeirado em minha estante, cada pessoa "complicada" em minha lista de contatos, são tesouros esperando o momento certo para brilhar. Vejo agora que minha tendência para acumular não é um defeito, mas uma forma única de enxergar o potencial escondido em tudo e em todos.

Confesso que nem sempre foi fácil. Houve momentos em que me senti sobrecarregado, tanto pelos objetos quanto pelas relações que mantinha. Mas aprendi a filtrar, a organizar, a dar espaço tanto físico quanto emocional para o que realmente importa. O acúmulo não é só físico, mas emocional. Guardar memórias, experiências e, principalmente, paciência com aqueles que são difíceis. Tudo isso cria uma rede de suporte invisível, uma base de segurança que me permite enfrentar o inesperado com mais tranquilidade.

Hoje, olho para minha casa e para minha vida com outros olhos. Cada canto conta uma história, cada pessoa em minha vida, por mais "difícil" que seja, tem um propósito. Sou um colecionador de possibilidades, um guardião de potenciais inexplorados.

E você, caro leitor? Já parou para pensar no valor oculto das coisas e pessoas que o cercam? Talvez seja hora de olhar com mais carinho para aquele objeto esquecido no fundo do armário ou para aquela pessoa que todos evitam. Quem sabe, como a chave inglesa enferrujada ou a Dona Zulmira, eles não sejam exatamente o que você precisará um dia?

Lembre-se: num mundo que valoriza o descartável, há uma sabedoria profunda em saber guardar. Não apenas coisas, mas momentos, pessoas e possibilidades. Afinal, a vida tem uma maneira curiosa de nos surpreender, e é nas entrelinhas do cotidiano que encontramos as maiores riquezas.

Então, a próxima vez que alguém te chamar de acumulador, não veja isso como um insulto. Encare como um elogio à sua capacidade de ver valor onde ninguém mais vê. E continue a guardar aquelas peças velhas e amizades difíceis. Um dia, você vai precisar delas, e vai estar preparado. Afinal, como dizia meu avô, quem guarda o que não quer, tem o que precisa. E essa é uma verdade que levo comigo todos os dias.

Questões Discursivas sobre o Valor do Acumular e das Relações Humanas:

1. Com base na história do autor, como a visão de mundo de quem "guarda o que não quer" pode ser enriquecedora e desafiadora?

2. De acordo com o texto, quais os aprendizados que podemos tirar da importância de valorizar pessoas consideradas "difíceis" ou "intratáveis" pela sociedade?

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