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MINHAS PÉROLAS

domingo, 1 de junho de 2025

Entre Balas e Livros: Uma Reflexão Sobre o Valor do Conhecimento ("A educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo." — Nelson Mandela)

 


Entre Balas e Livros: Uma Reflexão Sobre o Valor do Conhecimento ("A educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo." — Nelson Mandela)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Numa tarde qualquer, enquanto navegava pelas redes sociais, deparei-me com dois mundos que não deveriam compartilhar o mesmo tempo, muito menos o mesmo planeta. De um lado, o rosto sereno de uma jovem paquistanesa, iluminado por um sorriso firme; do outro, um garoto brasileiro entediado diante dos livros. Entre ambos, um abismo que me fez repensar tudo o que acreditava sobre educação, privilégio e propósito.

A primeira vez que ouvi o nome de Malala Yousafzai, eu tomava café, distraído, quando o noticiário rasgou a manhã com uma notícia absurda: uma menina de quinze anos fora baleada no rosto simplesmente por querer ir à escola. Enquanto eu me irritava com o trânsito rumo à universidade, ela lutava pela vida em um hospital inglês, ferida por homens que viam mais perigo nos livros do que nas próprias armas.

Nunca esqueci aquela cena que imaginei: o ônibus escolar atravessando as estradas poeirentas do vale do Swat, risos de meninas preenchendo o espaço até que passos pesados subissem os degraus metálicos. "Quem é Malala?" A pergunta cortou o ar como lâmina. Não houve tempo para medo ou resposta — apenas um disparo seco, capaz de transformar uma estudante anônima na voz mais poderosa da educação mundial.

Enquanto Malala emergia de um coma, com uma bala alojada próxima ao cérebro, em alguma sala de aula brasileira, um adolescente perguntava: "Professor, para que eu preciso saber quem é Aristóteles?" A coincidência entre essas duas cenas, tão distantes e ao mesmo tempo tão próximas, não me saiu mais da cabeça. Ela quase morreu para aprender. Ele não via sentido em aprender nada.

Passei dias remoendo esse contraste. Como pode, no mesmo planeta, uma jovem arriscar a vida por uma aula enquanto outra considera a filosofia inútil? Como entender que, aos dezessete anos, Malala discursava ao mundo no palco do Nobel da Paz, enquanto uma geração inteira questiona o valor de estudar?

Desde então, meus olhos sobre os alunos mudaram. Vejo-os manusear os celulares com a mesma habilidade com que Malala, escondida, folheava seus livros. Mas enquanto ela buscava respostas, eles evitam as perguntas. Ela encontrava propósito nas palavras proibidas; eles se afogam num oceano de conteúdos que pouco significam.

Vivemos o paradoxo do tempo: nunca foi tão fácil acessar o conhecimento, e nunca pareceu tão difícil despertar interesse por ele. Malala sangrou por uma chance de aprender — hoje, oferecemos essa chance de bandeja, mas ela é recebida com indiferença.

Aristóteles dizia que a felicidade é uma atividade — viver segundo a nossa natureza mais elevada. Talvez seja isso que nos falta: entender que estudar não é apenas acumular dados, mas buscar um sentido, um lugar no mundo. É transformar conhecimento em consciência, aprendizado em ação.

Quando vejo Malala discursando na ONU, com o mesmo sorriso que um tiro não conseguiu apagar, compreendo: ela não se tornou heroína naquele dia. Ela já era. Desde o instante em que, em segredo, abriu um livro. Desde o momento em que ousou perguntar por que as meninas não podiam aprender. A bala apenas revelou ao mundo uma verdade que ela já conhecia: que o conhecimento vale mais do que a própria vida.

E quando me deparo com o jovem do meme questionando Aristóteles, não sinto raiva — apenas uma tristeza profunda. Penso em quantas meninas, mundo afora, dariam tudo para ter o que ele despreza. Quantas Malalas existem hoje, ainda em silêncio, lutando por uma oportunidade que aqui é negligenciada.

A diferença entre eles não está na inteligência, mas no propósito. Malala encontrou nas palavras uma razão para viver. O menino ainda não entendeu que os livros podem oferecer uma razão para existir.

Talvez o drama do nosso tempo não seja a ignorância, mas a indiferença. Não é a falta de acesso ao saber, mas a ausência de fome por ele.

E eu, entre essas duas realidades, fico a pensar: o que diríamos a Malala se ela soubesse que, em outra parte do mundo, jovens com tudo aquilo que ela quase morreu para ter consideram o conhecimento irrelevante? Como reagiria ao saber que suas cicatrizes são vistas por alguns como exagero?

Imagino que ela sorriria — aquele mesmo sorriso que a bala não calou — e diria que não lutou apenas por si, mas por todos nós. Inclusive por aqueles que ainda não descobriram o valor daquilo pelo qual ela quase morreu: a liberdade de aprender, de questionar, de crescer.

Porque, no fim das contas, Aristóteles serve exatamente para isso: para lembrar que ser humano é nunca cessar de perguntar, nunca parar de buscar, nunca desistir de crescer. Mesmo que, às vezes, esse caminho nos leve a encarar uma bala no rosto.


           

Minha crônica estabelece um contraste pungente entre a luta pela educação em contextos de opressão e a apatia em ambientes de privilégio, levantando questões importantes sobre propósito, valor do conhecimento e as desigualdades globais. Aqui estão 5 questões discursivas simples, baseadas nas ideias principais do texto:


1 - A crônica contrasta a experiência de Malala Yousafzai, que arriscou a vida pela educação, com a de um estudante brasileiro que questiona a relevância de aprender sobre Aristóteles. Como a Sociologia da Educação analisa as diferentes valorações da educação em diversos contextos sociais e culturais, e quais fatores podem influenciar a percepção do valor do conhecimento pelos jovens?


2 - O autor reflete sobre o "abismo" entre esses dois mundos em relação a privilégio e propósito. Como a Sociologia das Desigualdades examina as disparidades no acesso e na valorização da educação em escala global, e de que maneira o contexto socioeconômico e político molda as oportunidades e as motivações dos estudantes?


3 - A crônica menciona o paradoxo de viver em uma época com fácil acesso ao conhecimento, mas com dificuldade em despertar o interesse por ele. Como a Sociologia da Cultura e a Sociologia da Juventude analisam o impacto da cultura digital e das redes sociais no engajamento dos jovens com o aprendizado e na construção de seus propósitos?


4 - O autor cita Aristóteles sobre a felicidade como uma atividade ligada à nossa natureza mais elevada, sugerindo que o estudo pode ser um caminho para encontrar sentido. Como a Sociologia analisa a relação entre educação, desenvolvimento pessoal e a busca por significado na vida, e qual o papel da escola na promoção dessa busca?


5 - A crônica termina com uma reflexão sobre a indiferença como um drama do nosso tempo, em contraste com a "fome" por conhecimento de Malala. Como a Sociologia pode nos ajudar a compreender as atitudes de apatia e engajamento em relação à educação, e quais estratégias poderiam ser utilizadas para despertar nos jovens a valorização do aprendizado como um direito e uma ferramenta de transformação?

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