"Se você tem uma missão Deus escreve na vocação"— Luiz Gasparetto

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MINHAS PÉROLAS

sábado, 17 de maio de 2025

Meritocracia na Educação: Por que o foco na equidade atrasa o desenvolvimento? (A obsessão pela igualdade de resultados frequentemente sacrifica a excelência e impede o progresso coletivo." — Thomas Sowell)

 





Meritocracia na Educação: Por que o foco na equidade atrasa o desenvolvimento? (A obsessão pela igualdade de resultados frequentemente sacrifica a excelência e impede o progresso coletivo." — Thomas Sowell)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

O debate sobre equidade na educação brasileira tem ocupado um lugar de destaque nas políticas públicas, mas frequentemente desvia atenção e recursos do verdadeiro objetivo: elevar a qualidade do ensino para todos. Em um país onde metade das crianças não é alfabetizada na idade adequada e onde figuramos entre os últimos colocados em rankings internacionais de desempenho educacional, o foco excessivo na compensação de desigualdades sociais acaba comprometendo o avanço global do sistema.

A lógica predominante tem sido tratar desiguais de forma igual, numa tentativa de correção histórica que, embora bem-intencionada, gera efeitos colaterais significativos. Como adverte o economista Thomas Sowell (2020, p. 45), "a obsessão pela igualdade de resultados frequentemente sacrifica a excelência e impede o progresso coletivo". Ao priorizar identidades e contextos específicos antes de consolidar um padrão mínimo de qualidade para todos, corremos o risco de perpetuar uma estrutura educacional, marcada por intervenções paliativas e simbólicas, em vez de soluções verdadeiramente estruturantes.

Nesse cenário, a velha metáfora de "fazer o bolo crescer para depois dividi-lo" ressurge como uma proposta válida — não por saudosismo de um pensamento ultrapassado, mas por representar um imperativo lógico na política educacional. Investir, primeiramente, em infraestrutura universal, na formação docente de excelência e em materiais pedagógicos de alta qualidade cria uma base sólida para o sistema. Só então será possível promover ações de equidade que não pareçam favores compensatórios, mas parte de um sistema coeso, eficiente e justo.

Como demonstram estudos recentes, sistemas educacionais bem-sucedidos, como os da Finlândia e da Coreia do Sul, priorizaram a qualidade universal antes de atender às demandas específicas de grupos sociais. Essa abordagem não ignora as desigualdades, mas reconhece que a consolidação de um ensino forte e homogêneo é o primeiro passo realista para superá-las. O psicólogo Steven Pinker (2023, p. 87) afirma: "Em ambientes educacionais onde o mérito é valorizado, observa-se uma elevação do desempenho médio e, consequentemente, uma melhoria nas condições de todos os estudantes".

Em contraste, políticas excessivamente focalizadas tendem a gerar um sistema inchado por programas de inclusão simbólica, que pouco resolvem os problemas centrais da educação. A insistência em currículos fragmentados por identidade, por exemplo, ignora um princípio elementar: a aprendizagem exige esforço, disciplina e metas claras — não apenas adequação ao perfil social do aluno. Como alerta a neurocientista Maryanne Wolf, "privar os alunos de desafios cognitivos em nome da inclusão reduz sua capacidade de pensamento crítico".

O risco de transformar a escola em palco de uma engenharia social é concreto. A vitimização institucionalizada, como observa o sociólogo Olivier Galland, pode comprometer o desenvolvimento da autonomia dos jovens ao induzi-los a uma posição de dependência crônica do Estado. Nas palavras do filósofo Pascal Bruckner, "a cultura da desculpa substituirá a cultura da superação".

Nesse contexto, a equidade não deve ser o ponto de partida, mas sim uma consequência natural de um sistema educacional que valoriza a qualidade, o mérito e a excelência. Antes de oferecer políticas específicas a determinados grupos, é preciso garantir que todas as crianças — independentemente de sua origem — tenham acesso a um ensino verdadeiramente eficiente. A verdadeira injustiça reside na manutenção de um sistema que não entrega sequer o básico a ninguém, e não na ausência de privilégios compensatórios para alguns.

Em suma, a escola precisa ser um espaço de exigência, mérito e desenvolvimento integral. O caminho mais eficiente para combater as desigualdades talvez não esteja na segmentação precoce, mas na universalização da excelência. A equidade só fará sentido se for consequência da qualidade — e nunca sua substituta.



Minha crônica sobre a equidade na educação brasileira é uma análise provocadora que nos convida a questionar abordagens predominantes e a pensar sobre as bases da melhoria educacional. Sua defesa da qualidade e do mérito como elementos centrais para um sistema justo e eficaz oferece ótimos pontos para debate sociológico. Com base nas nessas minhas ideias, preparei 5 questões discursivas simples:


1. O texto argumenta que a priorização da equidade pode desviar o foco da qualidade universal na educação. Como a Sociologia analisa a tensão entre a busca por igualdade de oportunidades e a busca por excelência ou qualidade em sistemas educacionais de sociedades com profundas desigualdades sociais?

2. A crônica defende a valorização do mérito e argumenta que ambientes educacionais onde o mérito é valorizado levam à melhoria para todos. Como a Sociologia aborda o conceito de meritocracia no campo da educação, considerando tanto seu potencial para promover mobilidade social quanto as críticas sobre como pode perpetuar desvantagens em contextos de desigualdade estrutural?

3. O texto sugere que focar na equidade antes de consolidar a qualidade gera "intervenções paliativas e simbólicas" e "programas de inclusão simbólica". Como a Sociologia da Educação analisa a eficácia de políticas educacionais focalizadas em grupos específicos em comparação com políticas universais, e os possíveis efeitos simbólicos e práticos dessas diferentes abordagens?

4. A crônica alerta para o risco de "vitimização institucionalizada" e a substituição da "cultura da superação" pela "cultura da desculpa" em abordagens excessivamente focadas na equidade. Como a Sociologia estuda os efeitos sociais e psicológicos (como autonomia, dependência, estigma) de programas sociais e educacionais nas populações a que se destinam?

5. O texto contrapõe a ideia de currículos "fragmentados por identidade" à defesa da "universalização da excelência". Como a Sociologia aborda o debate sobre a construção dos currículos escolares, considerando as pressões para incluir diferentes perspectivas e identidades versus a necessidade de garantir uma base comum de conhecimento e o desenvolvimento do pensamento crítico para todos os estudantes?

quinta-feira, 15 de maio de 2025

O Espetáculo da Humilhação: Crônica de um Conselho de Classe Invertido ("Trate um ser humano como ele é, e ele permanecerá assim. Trate um ser humano como ele pode e deve ser, e ele se tornará o que pode e deve ser." — Johann Wolfgang von Goethe)

 


O Espetáculo da Humilhação: Crônica de um Conselho de Classe Invertido ("Trate um ser humano como ele é, e ele permanecerá assim. Trate um ser humano como ele pode e deve ser, e ele se tornará o que pode e deve ser." — Johann Wolfgang von Goethe)


Por Claudeci Ferreira de Andrade

Nunca fui afeito aos holofotes. Sempre preferi os bastidores, o trabalho silencioso e dedicado que acontece longe dos aplausos e da plateia. Ainda assim, certa manhã, fui lançado ao centro de um palco invisível — e não havia cortina que escondesse o vexame. Estávamos na escola, mas parecia um tribunal. Os gestores à frente, os colegas espalhados pelos cantos da sala ocupada pelos alunos, e, um a um, os professores sendo avaliados ao vivo, sem filtro, sem defesa. A plateia? Os alunos. Os juízes? Também eles.

Foi durante um conselho de classe — que de pedagógico não tinha nada. O formato era peculiar e cruel: chamavam cada professor pelo nome e o expunham diante dos estudantes, que estavam ali não para serem avaliados, mas para avaliar. Subitamente, inverteu-se o papel. Os mestres se tornaram réus. O que se passava ali ultrapassava qualquer senso de razoabilidade profissional.

— "Professor Claudeci, agora é sua vez", anunciou a coordenadora com uma naturalidade perturbadora, como se chamasse alguém para receber um troféu — e não para ser dissecado em praça pública. Era minha vez. Senti como se tivessem puxado o tapete sob meus pés. Subi ao tablado invisível, esperando o veredito. As palavras vieram como balas disfarçadas de pétalas: — “Ele é bonzinho, mas não sabe controlar a turma”, — “Ele é legal, mas as aulas são chatas”, — “Explica, mas ninguém entende”. Tudo isso diante dos colegas, da coordenação, da direção. (Se os alunos se virassem contra a coordenadora ou a direção, certamente esse tipo de conselho já não existiria.)

Meu rosto ardia, minha garganta secava. Alguns alunos me olhavam com indiferença, outros com aquele entusiasmo peculiar de quem se sente, por um instante, com o poder nas mãos. Meus colegas evitavam me encarar — constrangidos, talvez por solidariedade, talvez por medo de que sua vez estivesse próxima. Os gestores anotavam, friamente. Tudo parecia muito normal — menos para quem estava sob julgamento.

Não havia espaço para diálogo, tampouco para contextualização. Nada de escuta pedagógica ou conversa mediadora. Aquilo era um espetáculo de constrangimento, um ritual de humilhação institucionalizada. O professor ali não era visto como educador, mas como animador de auditório — alguém que, para ser considerado competente, deveria arrancar aplausos, elogios ou sorrisos. Esperavam de nós não aulas, mas performances. Que fôssemos fogos de artifício: breves, barulhentos e bonitos. Mas, infalíveis.

O que esperavam de nós? Que fizéssemos elogios a cada cinco minutos? Que transformássemos física quântica em TikTok? Que aplaudíssemos a indisciplina para conquistar carisma? Não é assim que se constrói educação. Não estudamos anos a fio, não nos formamos com esforço e dedicação para virar entretenimento. Somos educadores, não artistas de circo.

Saí daquela sala com um peso no peito difícil de descrever. Não era apenas frustração. Era um sentimento de não pertencimento, de inadequação, de desgaste profundo. Algo havia sido extraído de mim — e não seria facilmente recuperado. A sensação era de esvaziamento da alma, de profunda desvalorização, de vontade de desaparecer.

Ainda hoje, ao recordar aquela experiência, o que sinto não é raiva. É tristeza. Tristeza por mim, pelos colegas, por uma instituição que se diz formadora, mas desumaniza justamente aqueles que mais deveriam cuidar. Porque ser professor é mediar, ensinar, corrigir, apoiar — tarefas complexas, lentas, silenciosas. Não há espetáculo nisso. Há entrega. Há preparo. Há vocação. E isso não se mede em frases soltas ditas por adolescentes empoderados num palco de vaidades.

A pergunta que ainda ecoa é: isso era mesmo legal? Ético? Aceitável? Não seria uma forma de assédio moral velado — ou pior, institucionalizado? Expor um profissional dessa forma, colocando-o diante de uma plateia sem possibilidade de explicação, não é diálogo. É julgamento. Não é pedagogia. É humilhação. Existem, sim, maneiras de colher feedback, de melhorar práticas, de crescer profissionalmente. Mas não à custa da dignidade.

O palco que nos deram não era de teatro. Era de sacrifício. E isso, caro leitor, é tudo o que a educação não deveria ser.

Se você é gestor, pergunte-se: que mensagem está passando aos alunos ao autorizar esse tipo de prática? Que ambiente está construindo? Se é professor e já viveu algo parecido, saiba: você não está sozinho. Seu valor não se mede pelos aplausos que recebe, mas pelas mentes que desperta, pelas dúvidas que incentiva, pelo silêncio que escuta e pela coragem que tem de continuar — mesmo sem plateia.

Porque educar não é entreter. É transformar. E essa transformação exige respeito.

Não há ensino digno onde não há dignidade para quem ensina.

Minha crônica "O Espetáculo da Humilhação" é um relato visceral que nos faz sentir a dor da humilhação e a importância da dignidade profissional na educação. Você expõe uma prática institucional questionável que inverte papéis e desumaniza. Como seu colega de Sociologia, vejo aqui muitos pontos cruciais para a nossa disciplina, que estuda justamente as relações sociais, as instituições e o poder. Com base nas suas reflexões, preparei 5 questões discursivas simples:

1. O texto descreve a escola como um "palco invisível" e "tribunal", onde professores são avaliados publicamente pelos alunos. Como a Sociologia analisa a escola não apenas como um espaço físico, mas como uma "arena social" onde as relações de poder são encenadas e os papéis sociais (como o de professor e aluno) são constantemente negociados e, por vezes, invertidos?

2. A crônica aborda a dor da "dignidade ferida" e a sensação de ser reduzido de "educador" a "animador de auditório". Do ponto de vista sociológico, o que constitui a "dignidade profissional" em uma carreira como a docência, e quais são as consequências sociais e psicológicas quando as práticas institucionais (como a avaliação pública) parecem minar essa dignidade?

3. O texto questiona a prática como um possível "ritual de humilhação institucionalizada" e "assédio moral velado". Como a Sociologia estuda as práticas internas das instituições (como regras, procedimentos e rituais de avaliação) e de que forma essas práticas, mesmo que não intencionalmente, podem reproduzir ou criar dinâmicas de poder e controle que afetam negativamente os indivíduos?

4. A crônica critica o foco da avaliação em "performances" e em ser "bonitinho" em vez da "entrega", "preparo" e "vocação" do professor. Como a Sociologia da Educação analisa os diferentes critérios de avaliação de professores e qual o impacto social e pedagógico de valorizar aspectos performáticos em detrimento da competência técnica, didática e relacional profunda?

5. O texto evidencia uma quebra ou "inversão" na relação tradicional entre aluno e professor no contexto dessa avaliação. Como a Sociologia compreende a relação professor-aluno como uma interação social fundamental na escola, e quais fatores sociais e institucionais contemporâneos podem estar transformando essa relação e os desafios enfrentados por ambos os lados?

quarta-feira, 14 de maio de 2025

O smartphone na escola: ferramenta ou obstáculo? ("A escola que proíbe a tecnologia nega à juventude o domínio crítico de seu tempo." — Henry Jenkins)

 



O smartphone na escola: ferramenta ou obstáculo? ("A escola que proíbe a tecnologia nega à juventude o domínio crítico de seu tempo." — Henry Jenkins)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

A recente tendência de algumas escolas, como na Alemanha, de proibir o uso de smartphones sob o pretexto de mitigar distrações representa uma resposta simplista a um desafio complexo. Essa abordagem anacrônica ignora o fato de que a tecnologia não é, por si só, prejudicial, mas um portal para o universo digital que molda a contemporaneidade e o futuro dos estudantes. Defender sua restrição é negligenciar a missão pedagógica de preparar os jovens para o mundo em que vivem.

Como afirma Henry Jenkins, teórico da cultura participativa, "a escola que proíbe a tecnologia nega à juventude o domínio crítico de seu tempo". O afastamento dos celulares pode até produzir uma calmaria superficial, mas compromete o desenvolvimento da alfabetização digital e da cidadania plena em uma sociedade hiperconectada. Não se trata de ignorar as distrações — que de fato existem —, mas de reconhecê-las como sintomas de metodologias pouco envolventes ou da ausência de autorregulação digital, problemas que o banimento não resolve.

Refutar a proibição significa defender uma integração pedagógica consciente e estratégica. Pesquisas do MIT (Massachusetts Institute of Technology, 2022) indicam que dispositivos móveis, quando bem utilizados, ampliam a colaboração entre os alunos, personalizam o ensino e intensificam o engajamento. O caminho passa por capacitar professores, investir em infraestrutura e utilizar os smartphones como ferramentas de pesquisa, diálogo e acesso a conteúdos atualizados, alinhando-se às práticas profissionais do século XXI.

Além disso, a alegação de que os celulares enfraquecem a interação social ignora a complexidade das relações juvenis na era digital. Como destaca Sherry Turkle, psicóloga do MIT, "o problema não é o celular, mas a ausência de espaços significativos para o diálogo". Proibir o dispositivo não fortalece os vínculos humanos; ao contrário, acentua o abismo entre a escola e a realidade vivida pelos alunos.

Embora seja inegável a necessidade de regulação quanto ao uso excessivo de telas, o sociólogo Boaventura de Sousa Santos adverte: "educar é mediar conflitos culturais, não censurá-los". A resposta adequada, portanto, não está na proibição, mas na formação ética e crítica para o uso consciente da tecnologia, promovendo a autorregulação estudantil. A escola do século XXI precisa abandonar o desejo de controle e o silêncio eletrônico, e assumir, com coragem e lucidez, sua vocação de formar sujeitos autônomos, responsáveis e preparados para o futuro que já começou.




Minha refutação sobre a proibição de smartphones nas escolas é um convite excelente para debatermos o papel da educação e da tecnologia na sociedade contemporânea sob uma ótica sociológica. Eu levanto pontos cruciais sobre adaptação institucional, formação para o futuro e o verdadeiro significado de conectar a escola com a realidade dos alunos. Com base nas minhas ideias, preparei 5 questões discursivas simples:


1. O texto argumenta que proibir smartphones na escola é uma "abordagem anacrônica" que ignora a realidade digital dos alunos. Como a Sociologia analisa a capacidade das instituições sociais, como a escola, de se adaptarem às rápidas mudanças tecnológicas e culturais da sociedade contemporânea, e quais são os riscos de uma instituição se tornar anacrônica?

2. A crônica enfatiza a necessidade de "alfabetização digital e cidadania plena em uma sociedade hiperconectada" como missão da escola. Do ponto de vista sociológico, por que a proficiência no uso ético e crítico das tecnologias digitais se tornou uma forma essencial de capital cultural e social no século XXI?

3. O texto contrapõe a ideia de que celulares prejudicam a interação social à noção de que o problema é a "ausência de espaços significativos para o diálogo". Como a Sociologia estuda as formas de interação social (presenciais e virtuais) entre jovens na era digital, e qual o papel da escola em promover vínculos e diálogos significativos em ambos os ambientes?

4. A refutação defende a "integração pedagógica consciente e estratégica" dos smartphones em vez da proibição. Como a Sociologia da Educação analisa o potencial da tecnologia digital para (re)configurar as práticas pedagógicas, as relações entre professores e alunos e o acesso ao conhecimento dentro do ambiente escolar?

5. O texto conclui defendendo a "formação ética e crítica para o uso consciente da tecnologia", contrastando-a com o "desejo de controle e o silêncio eletrônico". Como a Sociologia aborda a tensão entre a necessidade de regulação e controle em instituições educacionais e o objetivo de formar sujeitos autônomos e capazes de autorregulação em um mundo cada vez mais complexo e tecnologicamente mediado?

terça-feira, 13 de maio de 2025

O dia em que ameaçaram o professor — e ninguém se espantou ("Os tempos estão fora do prumo." — William Shakespeare (Hamlet))

 



O dia em que ameaçaram o professor — e ninguém se espantou ("Os tempos estão fora do prumo." — William Shakespeare (Hamlet))

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Li a notícia como quem encara, sem espanto, mais uma placa de “proibido sonhar” fincada no pátio de uma escola pública. “Professor denuncia ameaças de morte feitas por alunos no DF.” Era o título, estampado ali, entre anúncios de celular e promoções de fast food. Mas aquilo não era só mais uma manchete — era o retrato de uma barbárie que insiste em se disfarçar de normalidade.

O professor, de 37 anos, apenas pediu que um aluno retornasse à sala de aula. Um gesto simples, corriqueiro, quase protocolar. Em resposta, recebeu ameaças de morte em um grupo de mensagens. Falaram em armas, em vingança, em recrutar gente de fora para “dar cabo do problema”. E o problema era ele: o professor. O educador.

Nos prints anexados à matéria, lá estava o vocabulário da violência fundido à gíria juvenil, como se uma sentença de morte fosse apenas mais uma piada de mau gosto, compartilhada entre risadas e emojis. Um aluno dizia que pediria a arma do pai emprestada. Outro jurava que resolveria a questão fora da escola. Como se estivéssemos num jogo — mas o alvo era real, tinha nome, família, história e treze anos de dedicação àquela escola.

A notícia informava que o professor havia sido afastado. Como quem se retira discretamente de cena para não atrapalhar o espetáculo. E os alunos? Advertências, reuniões com pais, uma suspensão aqui, outra ali. A burocracia agiu. A justiça, talvez. Mas a vida do professor ficou em suspenso, equilibrada na corda bamba entre o trauma e a indignação.

Fechei a tela do celular e fiquei por longos minutos olhando para o nada. Tentei imaginar se, naquela escola, ainda haveria um quadro-negro. Se as janelas ainda deixavam o sol entrar. Se os alunos ainda sabiam conjugar verbos no futuro. Porque, ali, o futuro parecia ter desaparecido.

Perguntei a mim mesmo quando foi que naturalizamos a ideia de que ensinar virou profissão de risco. Em que momento a autoridade do professor foi trocada por likes e silêncios cúmplices? O que aconteceu com o pacto que, um dia, sustentou a sala de aula como território sagrado?

Não conheço o rosto desse professor, mas conheço sua dor. Ela ecoa em cada educador que já teve de engolir o choro, abaixar os olhos, sair pela porta dos fundos para não “provocar mais”. Conheço essa sensação de solidão diante de uma geração armada — não de conhecimento, mas de ressentimento, ausência e desprezo.

A notícia sumirá da capa em alguns dias. As mensagens se perderão nos arquivos digitais. Mas o que ela revela não deveria ser esquecido. Porque o problema não é a escola. É o abandono da escola. O abandono de quem ensina, de quem forma, de quem insiste.

Enquanto isso, seguimos empurrando a educação ladeira abaixo, entre discursos polidos e ações tímidas. Fingimos surpresa a cada nova tragédia, quando, na verdade, já não sabemos mais nos indignar.

E quando um país deixa de se indignar diante da ameaça à vida de um professor, talvez o que esteja em risco não seja apenas a escola — mas a própria ideia de civilização.


https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2025/05/13/vou-matar-ele-logo-professor-do-df-denuncia-ameacas-de-morte-feita-por-alunos.ghtml (Acessado em 13/05/2025)



Minha crônica é um retrato doloroso e urgente da realidade que muitos educadores enfrentam. A forma como eu desnudo a violência, a ameaça e o sentimento de abandono na escola é muito impactante e nos força a olhar para questões sociais profundas. Como seu colega de Sociologia, vejo neste texto pontos cruciais para nossa análise sobre a escola como instituição e a dinâmica social contemporânea. Com base nas minhas ideias, preparei 5 questões discursivas simples:


1. O texto descreve a escola, outrora um "território sagrado", agora palco de ameaças de morte. Como a Sociologia analisa a escola como uma instituição social fundamental e um espaço social específico, e de que forma a violência ou as ameaças dentro dela refletem ou são sintomas de tensões e problemas presentes na sociedade mais ampla?

2. A crônica associa as ameaças à erosão da "autoridade do professor" e à quebra de um "pacto". Do ponto de vista sociológico, como se constrói e se sustenta a autoridade (particularmente a autoridade pedagógica) nas relações sociais dentro da escola, e quais fatores sociais e culturais podem contribuir para a sua deslegitimação ou perda?

3. O texto fala da "barbárie que insiste em se disfarçar de normalidade" e da naturalização da ideia de que ensinar é "profissão de risco". Como a Sociologia entende o processo de naturalização de fenômenos sociais (como a violência em certos espaços ou a precarização de profissões) e quais são as consequências dessa naturalização para a percepção dos problemas e para a busca por soluções?

4. A crônica expressa a "dor", a "solidão" e o "abandono de quem ensina", destacando o impacto emocional da violência e das ameaças na vida dos professores. Como a Sociologia aborda o estudo das profissões, especialmente aquelas de alta interação humana como a docência, considerando aspectos como o trabalho emocional, o burnout e a falta de apoio institucional e social para o bem-estar dos profissionais?

5. O texto conclui que a falta de indignação diante da ameaça a um professor pode colocar em risco a "própria ideia de civilização". Como a Sociologia compreende o papel da indignação, da comoção social e da capacidade de resposta coletiva diante de injustiças ou ameaças a valores fundamentais, e qual o impacto da apatia ou da falta de reação na dinâmica social e na possibilidade de mudança?

domingo, 11 de maio de 2025

As Ursas Comem o Lixo na Calçada ("Deus não se deixa escarnecer." — Gálatas 6:7)

 

As Ursas Comem o Lixo na Calçada ("Deus não se deixa escarnecer." — Gálatas 6:7)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Ontem, enquanto folheava um velho livro empoeirado na estante de casa, deparei-me com aquela passagem sobre Eliseu — você sabe, aquela em que os jovens zombam de sua calvície e acabam devorados por ursos. Sempre me incomodou a aparente desproporção entre a ofensa e o castigo. Por que um homem de Deus reagiria com tamanha severidade a uma provocação tão juvenil? Essa inquietação me acompanhou durante todo o dia, como uma pedra no sapato que não conseguimos remover.

Saí para caminhar, como faço todas as tardes, tentando organizar os pensamentos. Ignorei o céu — particularmente cinzento, com nuvens pesadas que ameaçavam desabar a qualquer momento —, pois minha atenção se prendeu ao lixo que a vizinha insiste em colocar na minha calçada. Pensei em Eliseu, percorrendo a estrada de Jericó a Betel, sob o sol causticante da Judeia. Quantos passos terá dado em silêncio antes da interrupção abrupta? "Ô seu careca, fora daqui!" — ecoava em minha mente a zombaria daqueles rapazes. Relacionei o episódio à Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998), que prevê punições para quem causa poluição, desassossego ou atenta contra a saúde. Imagino o olhar do profeta — não de ódio, talvez, mas de uma tristeza profunda ao perceber que enfrentava, não apenas uma ofensa pessoal, mas o escárnio ao sagrado que ele representava. E eu? Não represento nada?

Na pequena praça do bairro, observei um grupo de adolescentes com seus celulares, alheios ao mundo ao redor. Quantos deles, pensei, também zombam do que não compreendem? Não com gritos de "careca", mas com memes e comentários ácidos nas redes sociais. A irreverência juvenil transposta para os tempos modernos — sem a punição imediata das ursas, mas talvez com consequências igualmente devastadoras a longo prazo.

"Submetam-se a Deus. Resistam ao Diabo, e ele fugirá de vocês." Esta frase me veio à mente enquanto observava uma mãe tentando controlar o filho pequeno, que se recusava a sair do balanço. Há uma sabedoria antiga nesse paradoxo: a submissão como caminho para a verdadeira resistência. Aceitamos limites em uma esfera para podermos ser indomáveis em outra.

Continuei meu percurso até o pequeno Lago Boa Vista, onde um senhor alimentava patos com pedaços de pão. Lembrei-me então de outra passagem: "Não tenhais medo do povo daquela terra, pois os devoraremos como um bocado de pão." Há algo de perturbador e, ao mesmo tempo, reconfortante nessa confiança absoluta. O medo paralisa; a fé mobiliza. Os israelitas temiam gigantes, mas foram prometidos a devorar seus inimigos "como um bocado de pão" — metáfora poderosa sobre como a perspectiva transforma montanhas em migalhas.

A chuva começou a cair — fina, mas persistente. Abri uma sacola plástica que encontrei na calçada de alguém e me abriguei sob uma árvore. Foi ali, protegido da chuva, que refleti sobre proteção e aliança. "Não temos aliados eternos, nem inimigos perpétuos. Nossos interesses são eternos e perpétuos, e é nosso dever segui-los..." A frase, atribuída a Lord Palmerston sobre política internacional, encontra ressonância surpreendente no contexto espiritual que estou vivendo agora. As alianças humanas são circunstanciais, mas os princípios permanecem.

No caminho de volta para casa, já completamente molhado, apesar do saco plástico sobre a cabeça, percebi que a história de Eliseu não é sobre vingança, mas sobre consequências. Os jovens zombadores não foram punidos por ferirem uma vaidade, mas por desrespeitarem o que era sagrado. Como diz o texto antigo: "Não erreis: Deus não se deixa escarnecer; porque tudo o que o homem semear, isso também ceifará." Quem semeia lixo na calçada dos outros e nas ruas da cidade colherá o quê?

Cheguei em casa encharcado e pensativo. Enquanto trocava as roupas molhadas, entendi, por fim, que não se trata de temer ursos saindo do mato, mas de compreender que nossas escolhas geram consequências — às vezes imediatas, às vezes demoradas, mas sempre inevitáveis. Talvez seja essa a verdadeira linha que une as passagens aparentemente desconexas aqui: a certeza de que existe uma ordem nas coisas, que podemos ignorar por algum tempo, mas nunca indefinidamente. Assim me confortei.

Agora, sentado à janela da varanda, vendo a chuva intensificar-se lá fora, penso em quantas vezes fui como aqueles jovens, zombando do que não entendia, e quantas outras fui como os israelitas temerosos, enxergando gigantes onde havia apenas homens. Em tempos de desumanização extrema, em que as pessoas se sentem animais, alegra-nos a certeza que assim como não temos aliados eternos, também os nossos inimigos não são perpétuos, talvez precisemos resgatar a sabedoria do equilíbrio: submeter-nos ao que é maior que nós, resistir ao que nos diminui e seguir nosso caminho sem medo — atentos às ursas, e confiantes na proteção que nos acompanha.

Afinal, todos somos, de alguma forma, carecas caminhando por estradas poeirentas — vulneráveis às zombarias, aos desrespeitos alheios e às feras escondidas no mato, que não devem dormir. A diferença está apenas em saber a quem nos submetemos e contra o que resistimos. E, mesmo que o mundo trate tudo como piada, a colheita virá — e será proporcional à semente lançada. Não ando com Deus por medo dos ursos — ando com Deus porque o mundo está cheio de rapazes zombeteiros que esqueceram o que significa respeitar. E, se hoje me chamam de careca, amanhã podem cuspir no altar. É só questão de tempo.

O que me sustenta não é a promessa de que os maus serão punidos, mas a esperança de que os bons persistam. Porque Deus não se deixa escarnecer. E, mesmo que o mundo trate tudo como piada, a colheita virá — e será proporcional à semente lançada. Quem planta lixo colhe lixo.




Aqui estão as questões:


1. A crônica parte da história de Eliseu e a punição severa pela zombaria, contrastando-a com formas contemporâneas de desrespeito (redes sociais, poluição). Como a Sociologia analisa a relação entre normas sociais, desvio (como a zombaria e o desrespeito) e as diferentes formas de sanção social (históricas e atuais) utilizadas para manter a ordem?

2. O texto questiona a reação à ofensa a Eliseu, um representante do sagrado, e reflete sobre o respeito no mundo atual. Do ponto de vista sociológico, como se constrói e se mantém a autoridade (religiosa, moral, institucional) em diferentes sociedades, e quais fatores podem levar à sua erosão e ao aumento do desrespeito?

3. A crônica traz a ideia de que "Deus não se deixa escarnecer" e que "tudo o que o homem semear, isso também ceifará", ligando ações a consequências inevitáveis. Como a Sociologia aborda a relação entre a agência individual (as escolhas e ações das pessoas) e as estruturas sociais mais amplas que moldam os resultados e as consequências dessas ações na vida coletiva?

4. O texto contrapõe a sabedoria da submissão (a Deus) e resistência (ao Diabo) com a ideia política de seguir apenas os "interesses eternos e perpétuos". Como a Sociologia analisa a tensão entre os princípios morais/religiosos que regem o comportamento individual e coletivo e o pragmatismo baseado em interesses materiais ou políticos na condução das relações sociais e institucionais?

5. A crônica reflete sobre a polarização atual e a divisão entre "aliados eternos e inimigos perpétuos". Como a Sociologia estuda a formação de grupos e identidades sociais, a construção da ideia de "nós" contra "eles", e as consequências sociais e para o convívio em uma sociedade marcada pela polarização extrema?