"Se você tem uma missão Deus escreve na vocação"— Luiz Gasparetto

" A hipocrisia é a arma dos mercenários." — Alessandro de Oliveira Feitosa

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MINHAS PÉROLAS

quinta-feira, 22 de maio de 2025

Na Inclusão: A sala, a escola e o impossível ("Não existe um único mapa para todos os viajantes." — Provérbio Sufi)

 



Na Inclusão: A sala, a escola e o impossível ("Não existe um único mapa para todos os viajantes." — Provérbio Sufi)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Na quietude do consultório, o médico observava, em silêncio, o cenário humano à sua frente. Três famílias distintas aguardavam, cada uma imersa em sua própria realidade. Havia a mãe e o filho marcado pela presença constante da epilepsia, pairando sobre suas vidas como uma sombra imprevisível. Ao lado, outra mãe acompanhava o menino recolhido em seu universo particular, moldado pelo autismo. Por fim, a terceira conduzia com ternura o filho com síndrome de Down, cuja inocência se entrelaçava à delicadeza da deficiência intelectual.


Três histórias singulares, reunidas no mesmo espaço de escuta e cuidado. O médico, absorto em seus pensamentos, refletia sobre a natureza única de cada caso e a atenção específica que cada criança exigia. Por um breve momento, imaginou-se atendendo as três famílias ao mesmo tempo, como se fosse possível condensar, em uma única consulta, tamanha complexidade. A ideia, tão absurda quanto impraticável, logo se desfez no ar.


Foi então que um pensamento, como um lampejo, atravessou sua mente: por que, afinal, a sociedade insistia em acreditar que, na escola, esse tipo de cenário poderia funcionar? Por que se esperava que um professor, sozinho diante de uma sala superlotada, fosse capaz de atender simultaneamente alunos com autismo, TDAH, síndrome de Down e tantas outras necessidades específicas?


A pergunta se impunha, carregada de crítica e desconforto. "Por que acreditamos que uma professora, com 25 ou 30 alunos na sala — entre eles dois com autismo, dois com TDAH, um com síndrome de Down e outro com transtorno opositor — conseguirá dar conta de tudo sozinha?" Na cabeça de quem passaria a ideia de que isso pode dar certo?


A analogia entre o consultório e a escola tornava-se cada vez mais nítida. Ambos são espaços de encontros humanos intensos, onde a individualidade clama por atenção. No entanto, enquanto na medicina a singularidade de cada paciente é reconhecida e respeitada, na educação, muitas vezes, a diversidade é vista como um desafio a ser nivelado por soluções genéricas.


O médico compreendia que a inclusão, para ser verdadeira, precisava ir além do discurso e da presença física em sala. Era preciso preparo, apoio, recursos. Exigia uma escuta atenta e um olhar capaz de perceber a riqueza que reside nas diferenças.


A inquietação persistia: até quando se continuaria a apostar em respostas simplistas para dilemas tão complexos? A inclusão real, concluiu o médico, não é feita de improvisos nem de boas intenções isoladas. É feita de reconhecimentos profundos, de respeito pela jornada de cada um. E, para que isso se cumpra, a escola precisa urgentemente abandonar a ilusão da igualdade uniforme e abraçar, com coragem, a diversidade que a habita.



Meu texto estabelece uma analogia poderosa e pertinente entre a prática médica e a educação inclusiva, expondo as complexidades e os desafios de atender à diversidade. As reflexões do médico ecoam as dificuldades enfrentadas por muitos educadores. Com base nas ideias centrais do meu texto, preparei 5 questões discursivas simples para explorarmos essas questões sob a perspectiva sociológica:


1-O texto utiliza a imagem do médico diante de três famílias com necessidades distintas para questionar a lógica de uma inclusão escolar homogênea. Como a Sociologia da Educação analisa as políticas de inclusão, considerando o risco de universalismos abstratos que não atendem às especificidades das necessidades educacionais especiais?


2-A analogia entre o consultório médico e a sala de aula destaca a importância da atenção individualizada. De que maneira a Sociologia pode analisar as estruturas escolares e as condições de trabalho dos professores (como salas superlotadas) como fatores que dificultam a implementação de práticas pedagógicas individualizadas e inclusivas?


3-O médico questiona a expectativa de que um único professor consiga "dar conta de tudo sozinho" em uma sala de aula com necessidade especiais diversas. Como a Sociologia das Profissões aborda a questão da divisão do trabalho e da necessidade de apoio multidisciplinar (psicólogos, terapeutas ocupacionais, etc.) para efetivar a inclusão escolar de forma adequada?


4-O texto critica a ideia de "igualdade uniforme" em contraposição ao abraçar a "diversidade". Como a Sociologia estuda os conceitos de igualdade e equidade no contexto educacional, e qual a importância de reconhecer as diferenças para promover uma inclusão justa e eficaz?


5-A reflexão final do médico aponta para a necessidade de "reconhecimentos profundos" e "respeito pela jornada de cada um" na inclusão. De que maneira a Sociologia pode contribuir para a compreensão das experiências subjetivas de alunos com necessidades educacionais especiais e de seus familiares, e como essa compreensão pode informar práticas pedagógicas mais sensíveis e inclusivas?

quarta-feira, 21 de maio de 2025

O diploma atrás da tela: O Resgate do Presencial na Formação Essencial. ("Ouvir falar não é o mesmo que ver." — Provérbio Chinês)

 


O diploma atrás da tela: O Resgate do Presencial na Formação Essencial. ("Ouvir falar não é o mesmo que ver." — Provérbio Chinês)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Naquela manhã, acordei com a incômoda sensação de que algo estava fora do lugar — não em casa, mas no país. Abri as janelas, deixei a luz entrar e fui direto à chaleira. Café passado, sentei-me diante da tela do computador, como fazem tantos brasileiros. Antes mesmo de abrir os e-mails, fui fisgado por uma manchete que saltava da página como um grito: “Novas regras para o ensino a distância entram em vigor”.


Sorvi o café como quem engole um amargor que não está apenas na bebida. E, de repente, voltei à época em que estudar era um ato corporal: sentar em carteira, ouvir a inquietação dos colegas, encarar o olhar atento do professor que — mesmo severo — ensinava mais com sua presença do que com palavras.


Na audiência pública transmitida pela TV Câmara, o ministro da Educação, Camilo Santana, surgiu sereno, porém firme. Falava com a convicção de quem não busca agradar, mas proteger o essencial. Afirmou, com todas as letras, que enfermeiros, médicos, psicólogos e advogados não podem ser formados apenas diante da frieza de uma tela. E, naquele instante, senti como se ele estivesse falando comigo.


Lembrei de um sobrinho que cursava enfermagem sem jamais ter pisado num hospital. Pensei num conhecido que estudava direito como quem assiste a uma novela — pulando capítulos. E me perguntei: como exigir ética de quem nunca sentiu o peso de um tribunal real? Como ensinar empatia a quem nunca viu de perto a dor do outro?


Segundo o ministro, os cursos presenciais voltarão a ser obrigatórios nas áreas de medicina, odontologia, enfermagem, direito e psicologia. Para os demais, o ensino híbrido será a norma. E haverá dois anos de transição — tempo para arrumar a casa antes que a visita chegue.


Não se trata de rejeitar a tecnologia — ele mesmo destacou que o governo discute inteligência artificial e inovação. O problema está nos polos fantasmas, nos laboratórios que só existem em PDF, nos professores substituídos por tutores que mal conhecem os alunos.

Concordei em silêncio, como quem reconhece uma verdade antiga: não se ensina cuidado à distância. E cuidado, no fim das contas, é o que toda profissão exige — do corpo, da lei, da mente. Cuidar da palavra, da escuta, do outro.


Ao fechar o notebook, senti que o país, ao menos nesse ponto, dava um passo sensato. A pressa nos empurrou para o digital; a prudência nos chama de volta ao humano.

Talvez a tela ainda tenha seu lugar. Mas o diploma — esse deve carregar mais do que um nome. Precisa trazer a marca do esforço real, do convívio, da prática e do suor.


Porque, no fundo, ninguém quer ser operado por um médico que só conhece órgãos por imagem. Nem julgado por um advogado que só leu resumos. Nem escutado por um psicólogo que nunca escutou ninguém de verdade.


A educação não é só conteúdo — é convivência. E é nela que se aprende a ser gente.


https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2025-05/camilo-novas-regras-para-ead-protegem-populacao-e-garantem-qualidade (Acessado em 21/05/2025)



O texto levanta importantes reflexões sobre a natureza da formação profissional e o papel da interação humana no aprendizado! Como um bom professor de sociologia, preparei 5 questões discursivas simples, baseadas nas ideias principais do texto:


1-O autor contrasta a experiência de estudar presencialmente como um "ato corporal" com a frieza da tela no ensino a distância (EAD) para certas profissões. Como a Sociologia analisa o papel do corpo e da presença física nos processos de socialização e aprendizado, especialmente em profissões que envolvem cuidado e interação direta com outras pessoas?


2-O texto menciona a preocupação com "polos fantasmas" e a substituição de professores por tutores no EAD. Sob a perspectiva sociológica, como a estrutura e a organização das instituições de ensino (tanto presenciais quanto a distância) podem influenciar a qualidade da educação e as relações sociais estabelecidas entre os membros da comunidade acadêmica?


3-O autor argumenta que "não se ensina cuidado à distância", relacionando o cuidado à necessidade de "convivência" e aprendizado de "ser gente". De que maneira a Sociologia das Emoções e a Sociologia da Moral analisam o desenvolvimento da empatia e da ética profissional, e qual o papel da interação social direta nesse processo formativo?


4-O texto descreve a decisão do governo como um passo da "pressa" para o "digital" à "prudência" do "humano". Como a Sociologia analisa a relação entre tecnologia e sociedade, e de que forma as mudanças tecnológicas impactam os processos educativos e as formas de interação social, gerando debates sobre seus limites e potencialidades?


5-Ao final, o autor enfatiza que "a educação não é só conteúdo — é convivência". Como a Sociologia da Educação aborda a importância da socialização e da construção de laços sociais no ambiente educacional, e de que maneira essa dimensão da educação contribui para a formação integral dos indivíduos, para além da mera transmissão de conhecimento?

terça-feira, 20 de maio de 2025

O Dia em Que Virei Réu: No Pré-conselho de Classe ("É mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito." — Albert Einstein)

 


O Dia em Que Virei Réu: No Pré-conselho de Classe ("É mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito." — Albert Einstein)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Nunca pensei que um dia me sentaria diante de uma roda de estudantes com a estranha sensação de estar num tribunal. O clima era cordial, mas havia algo na disposição das cadeiras, na atenção concentrada dos olhos adolescentes e no caderno aberto da coordenadora que me inquietava. Eu, que sempre entrei em sala com o peito aberto e a alma em alerta, agora me via exposto num tipo de pré-conselho de classe que mais parecia um julgamento.

Chamam de “escuta qualificada”, “protagonismo juvenil”, “democratização do espaço escolar”. Termos bonitos, cheios de intenções nobres, repetidos nos documentos oficiais e nos cursos de formação. Mas a prática, essa senhora realista e implacável, não costuma combinar com os discursos.

Na teoria, o encontro serviria para que os alunos opinassem sobre o andamento das aulas, dialogassem com a gestão e participassem ativamente do processo educacional. Um espaço para crescerem como cidadãos conscientes. Na prática, o que presenciei foi diferente: comentários soltos, impressões pessoais transformadas em verdades absolutas, avaliações feitas com mais emoção do que reflexão. E nós, professores, ali no centro, desarmados, sem direito a réplica.

Um deles disse que minha aula era “parada demais”. Outro sugeriu que eu “não entendia os alunos”. Alguém falou da minha “postura rígida”. Tudo isso diante da direção, da coordenação, de colegas. Faltava apenas a edição dramática e um apresentador carismático para virar um reality show educacional.

Voltei para casa com a cabeça cheia. Não pelas críticas em si — sei que nem sempre sou brilhante, nem sempre agrado, e estou longe da perfeição. Mas pela forma. Pela ausência de critérios. Pelo silêncio constrangido de quem deveria mediar com equilíbrio, mas permitiu que a linha entre escuta e exposição se rompesse.

Ensinar já é carregar um fardo pesado: salas superlotadas, estruturas sucateadas, salários que mal sustentam o mês, cobranças que atravessam o corpo. Acrescente-se agora o desgaste emocional de ser avaliado em público, sem filtros, por quem ainda está aprendendo a avaliar a si mesmo. O resultado? Adoecimento. Silêncio. Desânimo.

Entendo que é preciso ouvir os alunos. Sempre defendi o diálogo, o feedback, a construção coletiva. Mas ouvir com ética, com objetivos claros, com respeito mútuo. Quando a escuta se transforma em exposição, a escola trai justamente aqueles que mais precisam de cuidado: os professores.

Não somos réus. Somos profissionais. Humanamente falhos, sim. Mas comprometidos, presentes, resistentes. Merecemos ser ouvidos também, sem sermos crucificados por não corresponder às expectativas de um sistema que, muitas vezes, nos abandona à própria sorte.

Naquele dia, saí da escola mais cansado que o habitual. Não pelos gritos, pelas indisciplinas, pelas provas para corrigir. Mas pela sensação de estar sendo julgado por um júri que ainda está aprendendo a ser justo.

Se a escola quer ensinar cidadania, que comece pela prática do respeito. E se quer formar pessoas, que acolha com a mesma seriedade quem ensina. Afinal, um país que esquece seus mestres compromete o futuro de todos os seus alunos.



Minha crônica é um relato potente sobre os desafios da docência e as contradições de certas práticas pedagógicas. Como professor de Sociologia, vejo nela um material riquíssimo para discutir diversas dinâmicas sociais presentes na educação.

Com base nas ideias principais do meu texto, formulei 5 questões discursivas e simples que convidam à reflexão sociológica:


1. O texto descreve o "pré-conselho de classe" como um "julgamento" onde o professor se vê "desarmado, sem direito a réplica". Como a Sociologia do Trabalho e das Organizações pode analisar essa prática, considerando as "relações de poder" e a "autonomia profissional" dos educadores dentro do ambiente escolar?


2. A crônica aponta que a "escuta qualificada" e o "protagonismo juvenil" se transformaram em "exposição" e "adoecimento" para os professores. Discuta como a Sociologia da Educação pode investigar a "distância entre o discurso pedagógico oficial" (ideal) e a "realidade vivida" pelos profissionais em sala de aula.


3. O autor menciona que os professores enfrentam "salas superlotadas, estruturas sucateadas, salários que mal sustentam o mês". Como a Sociologia pode correlacionar essas "condições precárias de trabalho" com o "desgaste emocional" e a "saúde mental" dos educadores, evidenciando o impacto na qualidade do ensino?


4. O texto questiona a falta de "critérios", "mediação" e "respeito mútuo" nos processos de avaliação dos professores pelos alunos. Do ponto de vista sociológico, qual a importância da "ética" e das "normas claras" nas interações dentro da escola para a construção de um ambiente democrático e justo para todos os envolvidos?


5. Ao afirmar "Não somos réus. Somos profissionais", o autor reivindica a "dignidade docente". Como a Sociologia da Profissões e da Educação pode analisar a "desvalorização do magistério" na sociedade contemporânea e as consequências sociais dessa percepção para o futuro da educação no país?

segunda-feira, 19 de maio de 2025

A Panela de Pressão da Inclusão ("Não há ninguém mais escravo do que aquele que se considera livre sem o ser." — Johann Wolfgang von Goethe)

A Panela de Pressão da Inclusão ("Não há ninguém mais escravo do que aquele que se considera livre sem o ser." — Johann Wolfgang von Goethe)


Por Claudeci Ferreira de Andrade

Não sei exatamente quando a escola deixou de ser um espaço de descobertas e se transformou num campo minado. Um lugar onde se pisa com medo, se fala com cautela e se escuta com dor. Mas foi ali, diante de uma sala cheia e de um coração vazio, que percebi: a palavra “inclusão” pode se tornar um fardo pesado quando não vem acompanhada de estrutura, diálogo e respeito.

Lembro-me com nitidez de uma banca de mestrado que me marcou profundamente. A candidata era Adriana Ellen. Ela começou contando a história de uma amiga professora, encarregada de acompanhar um aluno autista. A criança não entrava na sala, gritava, agredia. E a professora, sem apoio, afundava lentamente em frustração e culpa. No fim da apresentação, a máscara caiu: — “Aquela professora era eu.” A voz embargada revelava não apenas o desabafo, mas a vergonha silenciosa de quem acreditou que sua dor era sinônimo de fracasso.

Foi ali que o silêncio que pairava na sala ganhou voz. A vergonha de Adriana não era por ter sofrido, mas por ter sido levada a crer que seu sofrimento a tornava menos capaz, menos humana, menos “includente”. E é justamente aí que a discussão deveria começar — mas quase nunca começa. O sistema prefere apontar dedos. Quem ousa dizer que a inclusão, da forma como está sendo conduzida, não funciona, é rapidamente rotulado como insensível, desumano, inimigo do amor. O discurso dominante é implacável: — se você não consegue incluir, o problema está em você — e ponto final. Ninguém questiona a falta de preparo, a ausência de apoio técnico, o abandono institucional.

Adriana, no entanto, decidiu seguir outro caminho. Em vez de reforçar a culpa, buscou compreender. Foi até a escola onde realizou sua pesquisa e quis ouvir quem fazia a inclusão dar certo. Ela procurava pelos “melhores professores de inclusão”. Entrevistou-os. Escutou desabafos. E ouviu o impensável: — “É por isso que todo mundo se revolta com a inclusão.” Disse isso um professor tido como referência na escola. Não se tratava de rejeição aos alunos nem aos seus direitos. Era um grito abafado contra a solidão, contra o peso que carregamos sem ferramentas, sem orientação, sem escuta.

Essa realidade ecoa por toda parte. Continuou Adriana: — "Lembro-me de uma visita a outra escola, não muito tempo atrás. A diretora, orgulhosa, me apresentou à professora que chamava de “modelo em inclusão”. Em voz baixa, isolada no canto da sala dos professores, ela me confessou: “É por isso que todo mundo se revolta com a inclusão.” A mesma frase, a mesma dor. E era justamente a melhor, quem a proferia.

Enquanto isso, nas universidades — que deveriam ser o pulmão do pensamento crítico, o lugar da confrontação das ideias, do teste de modelos e da busca por soluções reais — reina um silêncio confortável. O debate desapareceu, substituído por slogans. “A inclusão está funcionando.” “O problema é o preconceito.” “É só ter amor no coração.” Medir resultados virou pecado. Questionar virou crime. A academia acena de longe, iludida por um ideal que não resiste ao contato com a realidade.

O que se vive nas salas de aula é outra coisa. É exaustão. É sobrevivência. Numa manhã qualquer, na sala dos professores, observei os rostos cansados dos meus colegas. Perguntei a Helena, mexendo seu café com desânimo: — “Como está a turma do 3º ano 'A'?” Ela respondeu com um sorriso triste: “Sobrevivendo.” E é isso que estamos fazendo. Não educando. Não realizando sonhos. Apenas sobrevivendo. Esmagados entre expectativas inalcançáveis, falta de recursos e o silêncio covarde que tomou conta da educação.

A escola virou uma panela de pressão. E o balão está inflando. A cada dia, a pressão aumenta. A cada semana, mais professores desistem. A ruptura não é uma hipótese: é uma certeza. E quando estourar — porque vai estourar — será da pior forma. Virá alguém com uma proposta radical: — “Acabem com a inclusão. Mandem todos para casa.” E muitos, exaustos, sem mais forças para resistir, vão concordar.

O mais assustador não é a possibilidade de retrocesso. É o vazio do debate. A ausência de coragem para encarar os fatos. Precisamos de dados reais, escuta mútua, alternativas práticas. Precisamos confrontar ideias sem medo de parecer duros. A verdadeira inclusão não nascerá do conforto, mas do desconforto que nos faz agir.

Caminho pelos corredores da escola todos os dias e vejo olhares perdidos — não apenas de alunos com deficiência, mas também dos colegas professores, dos funcionários. Estamos todos navegando num mar de incertezas, sem mapa nem bússola. No fim do dia, quando o silêncio toma conta do prédio e o peso do que vivemos ainda ecoa, me sento e me pergunto: até quando vamos fingir que tudo vai bem?

Já chorei no carro antes de entrar na escola. Já me perguntei se o problema era eu. Já calei para não ser taxado de insensível. Mas hoje escrevo. Porque acredito que ainda há tempo. Porque talvez alguém, ao ler isso, se reconheça, e entenda que não está sozinho. E porque, no fundo, toda crônica é um pedido: que a realidade seja, ao menos uma vez, mais importante do que o discurso.



Como um bom professor de sociologia, compreendo a urgência e a profundidade de bom texto sobre a inclusão na educação. Minha crônica levanta questões sociais cruciais que merecem ser debatidas. Baseado nas ideias principais de meu desabafo, preparei 5 questões discursivas simples para estimular a reflexão sociológica:


1. A crônica descreve a "vergonha silenciosa" de professores que se sentem fracassados diante dos desafios da inclusão, mesmo sem apoio institucional. Como a Sociologia da Educação analisa a "culpabilização individual" de profissionais em vez de focar nas "falhas estruturais" do sistema educacional?


2. O texto evidencia um contraste entre o "discurso dominante" sobre a inclusão ("é só ter amor no coração") e a "realidade" vivida nas escolas. De que forma a Sociologia estuda a "ideologia" por trás das políticas públicas e como ela pode se distanciar da "práxis" social, gerando frustração e resistência?


3. Eu menciono que as "universidades" deveriam ser o "pulmão do pensamento crítico", mas parecem distantes do debate real sobre a inclusão. Como a Sociologia das Instituições analisa o papel da academia na "produção de conhecimento" e na "formulação de políticas públicas", e por que ela pode falhar em responder às "demandas urgentes" do "chão da escola"?


4. A metáfora da escola como "panela de pressão" e o "balão que está inflando" ilustram a crescente exaustão dos professores. Discuta, sob a ótica sociológica, as condições de trabalho" e a "saúde mental" dos educadores, relacionando-as com as políticas de inclusão sem o devido suporte e recursos.


5. A crônica prevê uma "ruptura" e a ascensão de propostas radicais como "Acabem com a inclusão. Mandem todos para casa." Como a Sociologia dos Movimentos Sociais e da Mudança Social interpreta as "revoltas" e "resistências" que surgem quando as tensões sociais atingem um ponto crítico, especialmente em relação a direitos e políticas progressistas como a inclusão?

domingo, 18 de maio de 2025

A Máquina na Cátedra: Crônica de um Ensino sem Alma? ("A inteligência artificial molda o boneco de barro, enquanto o professor sopra em suas narinas, transformando-o em uma alma vivente." — CiFA)

 

A Máquina na Cátedra: Crônica de um Ensino sem Alma? ("A inteligência artificial molda o boneco de barro, enquanto o professor sopra em suas narinas, transformando-o em uma alma vivente." — CiFA)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Era uma tarde nublada de fevereiro quando a desconfiança começou a tomar forma. A aula de Comportamento Organizacional transcorria como de costume — uma mistura de frases motivacionais, exemplos batidos e um entusiasmo artificial. Na terceira fileira, uma estudante folheava os slides no Canvas, à procura de algo que valesse a pena anotar. Foi então que a frase surgiu, discreta, mas dissonante: “Expandir todas as áreas. Seja mais detalhado e específico.” Aquilo não era um recado para os alunos. Era uma instrução típica de prompt — não para humanos, mas para máquinas. Mais precisamente, para o ChatGPT. Um frio percorreu-lhe a espinha. A sensação era a mesma de flagrar um professor colando durante a própria aula. Incrédula, digitou uma mensagem para um colega da turma, em busca de confirmação: — Você viu as anotações no Canvas? Ele fez com o ChatGPT. A resposta veio rápida e entrecortada: — Meu Deus, pare. Mas que diabos? A indignação que cresceu entre eles não se devia apenas ao uso da IA. O que os feriu foi o contexto. Aquele era o mesmo professor que, com voz firme, insistia: “Formamos líderes, não reprodutores de conteúdo. Nada de IA nos trabalhos.” Agora, percebia-se, o atalho era privilégio de quem ensinava. Nos dias que se seguiram, a estudante investigou. Revisitou materiais antigos, analisou apresentações anteriores. Os sinais se multiplicavam. Textos excessivamente polidos, frios. Imagens genéricas — mãos sobre teclados, rostos sorridentes sem vida. Aulas que mais pareciam saídas de um banco de dados. Aquilo não era improviso. Era padrão. E estavam pagando caro por ele. O curso, vendido como uma “experiência transformadora”, revelava-se uma performance automatizada. A promessa de formação crítica naufragava diante de um conteúdo mecânico e impessoal. O sentimento de traição tornou-se inevitável. Ela então decidiu agir. Protocolou uma reclamação formal à universidade — não por vingança, nem por revolta passageira, mas por princípios. Solicitou o reembolso: mais de oito mil dólares. Um gesto simbólico. Se a educação estava sendo terceirizada, não valia o que cobravam. E ela não estava sozinha. Em outras universidades, relatos semelhantes começaram a surgir. Estudantes atentos, decepcionados, identificavam o mesmo padrão: professores utilizando IA para corrigir trabalhos, redigir tarefas, enviar e-mails genéricos — até mesmo mensagens de empatia após tragédias no campus. A “cultura do cuidado”, como se dizia, estava sendo digitada por algoritmos. Vieram então as justificativas. Docentes alegavam sobrecarga. Diziam que a IA apenas acelerava o operacional, que o conteúdo era o que importava, não sua origem. Argumentos razoáveis — até certo ponto. Mas havia uma linha que não podia ser cruzada: a da presença humana. Educar não era apenas informar. Era escutar, responder, perceber a sutileza de um olhar, o silêncio de uma dúvida. Era dizer, com verdade: “Li o que você escreveu. Isso me tocou.” E nenhuma inteligência artificial, por mais avançada, era capaz de replicar essa conexão. A estudante lembrava-se com carinho de um antigo professor, desses que marcam a trajetória de um aluno. Ele costumava dizer: “O valor do professor está em se deixar afetar pelos alunos. O resto é técnica.” Só agora ela compreendia o peso dessas palavras. A IA podia até ajudar — mas jamais substituir o humano. Outros casos continuavam a emergir. Uma aluna descobriu, por acidente, que os elogios recebidos em sua redação vinham de uma conversa colada com o ChatGPT: “faça um bom feedback para essa aluna.” Em vez de reconhecimento, sentiu-se invisível. As universidades, surpreendidas, começaram a reagir. Protocolos foram atualizados, códigos de ética redigidos às pressas. Mas o estrago já estava feito. Um dos episódios mais simbólicos envolveu um massacre universitário. A direção enviou e-mails automatizados de condolência, gerados por IA. A intenção era consolar. O resultado foi indignação. Afinal, até a dor estava sendo terceirizada? Alguns docentes tentaram resgatar a dignidade do processo. Buscaram formas conscientes de usar a IA como apoio técnico, sem abrir mão do vínculo com os alunos. “A conexão é insubstituível”, diziam. Mas era impossível ignorar o avanço silencioso da substituição. A presença humana tornava-se exceção. Naquele curso específico, o caso foi encerrado de forma burocrática. O professor admitiu o uso da IA. A universidade considerou a queixa procedente. Protocolos foram ajustados. Mas a estudante sabia: a lição ultrapassava os papéis assinados. Não se tratava de demonizar a tecnologia. Ela podia ser útil — talvez até inevitável. Mas não havia algoritmo capaz de substituir um professor inteiro, presente, vulnerável e atento. Pedir o dinheiro de volta foi um gesto de protesto. O que ela realmente queria era o tempo de volta — o tempo desperdiçado em aulas ocas, em relações frias, em simulações de ensino. O que ela exigia era humanidade. Porque só quem se importa com o que aprende exige que, do outro lado, exista alguém que também se importe em ensinar. E esse tipo de presença — viva, atenta, verdadeira — nenhuma máquina é capaz de entregar. https://www.estadao.com.br/link/cultura-digital/meu-professor-da-faculdade-usou-o-chatgpt-para-fazer-uma-aula-e-eu-pedi-meu-dinheiro-de-volta/ (Acessado em 18/05/2025)

Minha crônica "A Máquina na Cátedra" é um relato instigante e crucial sobre as transformações que a inteligência artificial está provocando no universo da educação e nas relações entre professores e alunos. Eu tento capturar a essência da inquietação diante da aparente substituição do elemento humano pela eficiência algorítmica. Vejo em meu texto um excelente ponto de partida para debatermos as implicações sociais dessa nova realidade. Com base nas ideias principais, preparei 5 questões discursivas simples:


1. O texto descreve a surpresa e a indignação da estudante ao descobrir que o professor usou IA para materiais de aula e feedback, contrastando com a proibição para os alunos. Como a Sociologia analisa a questão da "hipocrisia institucional" e das "normas sociais" conflitantes no ambiente educacional, especialmente quando regras sobre o uso de tecnologia parecem se aplicar de forma diferente a professores e alunos?

2. A crônica enfatiza que o valor da educação reside no "feedback humano", na "conexão" e na "presença" do professor, algo que a IA parece não replicar. Como a Sociologia compreende o "papel do professor" para além da transmissão de conteúdo, focando na construção de "capital social", na "interação" e no impacto da "presença humana" no processo de ensino-aprendizagem?

3. O texto menciona que os alunos estão pagando caro por uma "experiência transformadora" que se revela uma "performance automatizada". Como a Sociologia analisa a "comodificação da educação superior", onde a relação estudante-instituição pode se aproximar de uma relação "consumidor-fornecedor", e como a introdução da IA pode exacerbar essa percepção de desvalorização da experiência humana?

4. A crônica aborda o desafio das universidades em criar "diretrizes éticas" para o uso da IA. Como a Sociologia estuda a "resposta institucional" e a "construção de normas éticas" em face de "rápidas transformações tecnológicas", considerando as tensões entre inovação, regulamentação e a preservação de valores fundamentais (como a autenticidade e a confiança) nas relações sociais?

5. O texto levanta a questão do impacto da IA no futuro da profissão docente, incluindo o papel dos assistentes de ensino. Como a Sociologia analisa as "transformações no mundo do trabalho" e nas "profissões" causadas pela "automação" e pela IA, e quais implicações isso pode ter para a formação, a identidade e as relações de trabalho dos educadores?