O Dia em Que Virei Réu: No Pré-conselho de Classe ("É mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito." — Albert Einstein)
Por Claudeci Ferreira de Andrade
Nunca pensei que um dia me sentaria diante de uma roda de estudantes com a estranha sensação de estar num tribunal. O clima era cordial, mas havia algo na disposição das cadeiras, na atenção concentrada dos olhos adolescentes e no caderno aberto da coordenadora que me inquietava. Eu, que sempre entrei em sala com o peito aberto e a alma em alerta, agora me via exposto num tipo de pré-conselho de classe que mais parecia um julgamento.
Chamam de “escuta qualificada”, “protagonismo juvenil”, “democratização do espaço escolar”. Termos bonitos, cheios de intenções nobres, repetidos nos documentos oficiais e nos cursos de formação. Mas a prática, essa senhora realista e implacável, não costuma combinar com os discursos.
Na teoria, o encontro serviria para que os alunos opinassem sobre o andamento das aulas, dialogassem com a gestão e participassem ativamente do processo educacional. Um espaço para crescerem como cidadãos conscientes. Na prática, o que presenciei foi diferente: comentários soltos, impressões pessoais transformadas em verdades absolutas, avaliações feitas com mais emoção do que reflexão. E nós, professores, ali no centro, desarmados, sem direito a réplica.
Um deles disse que minha aula era “parada demais”. Outro sugeriu que eu “não entendia os alunos”. Alguém falou da minha “postura rígida”. Tudo isso diante da direção, da coordenação, de colegas. Faltava apenas a edição dramática e um apresentador carismático para virar um reality show educacional.
Voltei para casa com a cabeça cheia. Não pelas críticas em si — sei que nem sempre sou brilhante, nem sempre agrado, e estou longe da perfeição. Mas pela forma. Pela ausência de critérios. Pelo silêncio constrangido de quem deveria mediar com equilíbrio, mas permitiu que a linha entre escuta e exposição se rompesse.
Ensinar já é carregar um fardo pesado: salas superlotadas, estruturas sucateadas, salários que mal sustentam o mês, cobranças que atravessam o corpo. Acrescente-se agora o desgaste emocional de ser avaliado em público, sem filtros, por quem ainda está aprendendo a avaliar a si mesmo. O resultado? Adoecimento. Silêncio. Desânimo.
Entendo que é preciso ouvir os alunos. Sempre defendi o diálogo, o feedback, a construção coletiva. Mas ouvir com ética, com objetivos claros, com respeito mútuo. Quando a escuta se transforma em exposição, a escola trai justamente aqueles que mais precisam de cuidado: os professores.
Não somos réus. Somos profissionais. Humanamente falhos, sim. Mas comprometidos, presentes, resistentes. Merecemos ser ouvidos também, sem sermos crucificados por não corresponder às expectativas de um sistema que, muitas vezes, nos abandona à própria sorte.
Naquele dia, saí da escola mais cansado que o habitual. Não pelos gritos, pelas indisciplinas, pelas provas para corrigir. Mas pela sensação de estar sendo julgado por um júri que ainda está aprendendo a ser justo.
Se a escola quer ensinar cidadania, que comece pela prática do respeito. E se quer formar pessoas, que acolha com a mesma seriedade quem ensina. Afinal, um país que esquece seus mestres compromete o futuro de todos os seus alunos.
Minha crônica é um relato potente sobre os desafios da docência e as contradições de certas práticas pedagógicas. Como professor de Sociologia, vejo nela um material riquíssimo para discutir diversas dinâmicas sociais presentes na educação.
Com base nas ideias principais do meu texto, formulei 5 questões discursivas e simples que convidam à reflexão sociológica:
1. O texto descreve o "pré-conselho de classe" como um "julgamento" onde o professor se vê "desarmado, sem direito a réplica". Como a Sociologia do Trabalho e das Organizações pode analisar essa prática, considerando as "relações de poder" e a "autonomia profissional" dos educadores dentro do ambiente escolar?
2. A crônica aponta que a "escuta qualificada" e o "protagonismo juvenil" se transformaram em "exposição" e "adoecimento" para os professores. Discuta como a Sociologia da Educação pode investigar a "distância entre o discurso pedagógico oficial" (ideal) e a "realidade vivida" pelos profissionais em sala de aula.
3. O autor menciona que os professores enfrentam "salas superlotadas, estruturas sucateadas, salários que mal sustentam o mês". Como a Sociologia pode correlacionar essas "condições precárias de trabalho" com o "desgaste emocional" e a "saúde mental" dos educadores, evidenciando o impacto na qualidade do ensino?
4. O texto questiona a falta de "critérios", "mediação" e "respeito mútuo" nos processos de avaliação dos professores pelos alunos. Do ponto de vista sociológico, qual a importância da "ética" e das "normas claras" nas interações dentro da escola para a construção de um ambiente democrático e justo para todos os envolvidos?
5. Ao afirmar "Não somos réus. Somos profissionais", o autor reivindica a "dignidade docente". Como a Sociologia da Profissões e da Educação pode analisar a "desvalorização do magistério" na sociedade contemporânea e as consequências sociais dessa percepção para o futuro da educação no país?
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