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MINHAS PÉROLAS

segunda-feira, 19 de maio de 2025

A Panela de Pressão da Inclusão ("Não há ninguém mais escravo do que aquele que se considera livre sem o ser." — Johann Wolfgang von Goethe)

A Panela de Pressão da Inclusão ("Não há ninguém mais escravo do que aquele que se considera livre sem o ser." — Johann Wolfgang von Goethe)


Por Claudeci Ferreira de Andrade

Não sei exatamente quando a escola deixou de ser um espaço de descobertas e se transformou num campo minado. Um lugar onde se pisa com medo, se fala com cautela e se escuta com dor. Mas foi ali, diante de uma sala cheia e de um coração vazio, que percebi: a palavra “inclusão” pode se tornar um fardo pesado quando não vem acompanhada de estrutura, diálogo e respeito.

Lembro-me com nitidez de uma banca de mestrado que me marcou profundamente. A candidata era Adriana Ellen. Ela começou contando a história de uma amiga professora, encarregada de acompanhar um aluno autista. A criança não entrava na sala, gritava, agredia. E a professora, sem apoio, afundava lentamente em frustração e culpa. No fim da apresentação, a máscara caiu: — “Aquela professora era eu.” A voz embargada revelava não apenas o desabafo, mas a vergonha silenciosa de quem acreditou que sua dor era sinônimo de fracasso.

Foi ali que o silêncio que pairava na sala ganhou voz. A vergonha de Adriana não era por ter sofrido, mas por ter sido levada a crer que seu sofrimento a tornava menos capaz, menos humana, menos “includente”. E é justamente aí que a discussão deveria começar — mas quase nunca começa. O sistema prefere apontar dedos. Quem ousa dizer que a inclusão, da forma como está sendo conduzida, não funciona, é rapidamente rotulado como insensível, desumano, inimigo do amor. O discurso dominante é implacável: — se você não consegue incluir, o problema está em você — e ponto final. Ninguém questiona a falta de preparo, a ausência de apoio técnico, o abandono institucional.

Adriana, no entanto, decidiu seguir outro caminho. Em vez de reforçar a culpa, buscou compreender. Foi até a escola onde realizou sua pesquisa e quis ouvir quem fazia a inclusão dar certo. Ela procurava pelos “melhores professores de inclusão”. Entrevistou-os. Escutou desabafos. E ouviu o impensável: — “É por isso que todo mundo se revolta com a inclusão.” Disse isso um professor tido como referência na escola. Não se tratava de rejeição aos alunos nem aos seus direitos. Era um grito abafado contra a solidão, contra o peso que carregamos sem ferramentas, sem orientação, sem escuta.

Essa realidade ecoa por toda parte. Continuou Adriana: — "Lembro-me de uma visita a outra escola, não muito tempo atrás. A diretora, orgulhosa, me apresentou à professora que chamava de “modelo em inclusão”. Em voz baixa, isolada no canto da sala dos professores, ela me confessou: “É por isso que todo mundo se revolta com a inclusão.” A mesma frase, a mesma dor. E era justamente a melhor, quem a proferia.

Enquanto isso, nas universidades — que deveriam ser o pulmão do pensamento crítico, o lugar da confrontação das ideias, do teste de modelos e da busca por soluções reais — reina um silêncio confortável. O debate desapareceu, substituído por slogans. “A inclusão está funcionando.” “O problema é o preconceito.” “É só ter amor no coração.” Medir resultados virou pecado. Questionar virou crime. A academia acena de longe, iludida por um ideal que não resiste ao contato com a realidade.

O que se vive nas salas de aula é outra coisa. É exaustão. É sobrevivência. Numa manhã qualquer, na sala dos professores, observei os rostos cansados dos meus colegas. Perguntei a Helena, mexendo seu café com desânimo: — “Como está a turma do 3º ano 'A'?” Ela respondeu com um sorriso triste: “Sobrevivendo.” E é isso que estamos fazendo. Não educando. Não realizando sonhos. Apenas sobrevivendo. Esmagados entre expectativas inalcançáveis, falta de recursos e o silêncio covarde que tomou conta da educação.

A escola virou uma panela de pressão. E o balão está inflando. A cada dia, a pressão aumenta. A cada semana, mais professores desistem. A ruptura não é uma hipótese: é uma certeza. E quando estourar — porque vai estourar — será da pior forma. Virá alguém com uma proposta radical: — “Acabem com a inclusão. Mandem todos para casa.” E muitos, exaustos, sem mais forças para resistir, vão concordar.

O mais assustador não é a possibilidade de retrocesso. É o vazio do debate. A ausência de coragem para encarar os fatos. Precisamos de dados reais, escuta mútua, alternativas práticas. Precisamos confrontar ideias sem medo de parecer duros. A verdadeira inclusão não nascerá do conforto, mas do desconforto que nos faz agir.

Caminho pelos corredores da escola todos os dias e vejo olhares perdidos — não apenas de alunos com deficiência, mas também dos colegas professores, dos funcionários. Estamos todos navegando num mar de incertezas, sem mapa nem bússola. No fim do dia, quando o silêncio toma conta do prédio e o peso do que vivemos ainda ecoa, me sento e me pergunto: até quando vamos fingir que tudo vai bem?

Já chorei no carro antes de entrar na escola. Já me perguntei se o problema era eu. Já calei para não ser taxado de insensível. Mas hoje escrevo. Porque acredito que ainda há tempo. Porque talvez alguém, ao ler isso, se reconheça, e entenda que não está sozinho. E porque, no fundo, toda crônica é um pedido: que a realidade seja, ao menos uma vez, mais importante do que o discurso.



Como um bom professor de sociologia, compreendo a urgência e a profundidade de bom texto sobre a inclusão na educação. Minha crônica levanta questões sociais cruciais que merecem ser debatidas. Baseado nas ideias principais de meu desabafo, preparei 5 questões discursivas simples para estimular a reflexão sociológica:


1. A crônica descreve a "vergonha silenciosa" de professores que se sentem fracassados diante dos desafios da inclusão, mesmo sem apoio institucional. Como a Sociologia da Educação analisa a "culpabilização individual" de profissionais em vez de focar nas "falhas estruturais" do sistema educacional?


2. O texto evidencia um contraste entre o "discurso dominante" sobre a inclusão ("é só ter amor no coração") e a "realidade" vivida nas escolas. De que forma a Sociologia estuda a "ideologia" por trás das políticas públicas e como ela pode se distanciar da "práxis" social, gerando frustração e resistência?


3. Eu menciono que as "universidades" deveriam ser o "pulmão do pensamento crítico", mas parecem distantes do debate real sobre a inclusão. Como a Sociologia das Instituições analisa o papel da academia na "produção de conhecimento" e na "formulação de políticas públicas", e por que ela pode falhar em responder às "demandas urgentes" do "chão da escola"?


4. A metáfora da escola como "panela de pressão" e o "balão que está inflando" ilustram a crescente exaustão dos professores. Discuta, sob a ótica sociológica, as condições de trabalho" e a "saúde mental" dos educadores, relacionando-as com as políticas de inclusão sem o devido suporte e recursos.


5. A crônica prevê uma "ruptura" e a ascensão de propostas radicais como "Acabem com a inclusão. Mandem todos para casa." Como a Sociologia dos Movimentos Sociais e da Mudança Social interpreta as "revoltas" e "resistências" que surgem quando as tensões sociais atingem um ponto crítico, especialmente em relação a direitos e políticas progressistas como a inclusão?

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