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MINHAS PÉROLAS

domingo, 18 de maio de 2025

A Máquina na Cátedra: Crônica de um Ensino sem Alma? ("A inteligência artificial molda o boneco de barro, enquanto o professor sopra em suas narinas, transformando-o em uma alma vivente." — CiFA)

 

A Máquina na Cátedra: Crônica de um Ensino sem Alma? ("A inteligência artificial molda o boneco de barro, enquanto o professor sopra em suas narinas, transformando-o em uma alma vivente." — CiFA)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Era uma tarde nublada de fevereiro quando a desconfiança começou a tomar forma. A aula de Comportamento Organizacional transcorria como de costume — uma mistura de frases motivacionais, exemplos batidos e um entusiasmo artificial. Na terceira fileira, uma estudante folheava os slides no Canvas, à procura de algo que valesse a pena anotar. Foi então que a frase surgiu, discreta, mas dissonante: “Expandir todas as áreas. Seja mais detalhado e específico.” Aquilo não era um recado para os alunos. Era uma instrução típica de prompt — não para humanos, mas para máquinas. Mais precisamente, para o ChatGPT. Um frio percorreu-lhe a espinha. A sensação era a mesma de flagrar um professor colando durante a própria aula. Incrédula, digitou uma mensagem para um colega da turma, em busca de confirmação: — Você viu as anotações no Canvas? Ele fez com o ChatGPT. A resposta veio rápida e entrecortada: — Meu Deus, pare. Mas que diabos? A indignação que cresceu entre eles não se devia apenas ao uso da IA. O que os feriu foi o contexto. Aquele era o mesmo professor que, com voz firme, insistia: “Formamos líderes, não reprodutores de conteúdo. Nada de IA nos trabalhos.” Agora, percebia-se, o atalho era privilégio de quem ensinava. Nos dias que se seguiram, a estudante investigou. Revisitou materiais antigos, analisou apresentações anteriores. Os sinais se multiplicavam. Textos excessivamente polidos, frios. Imagens genéricas — mãos sobre teclados, rostos sorridentes sem vida. Aulas que mais pareciam saídas de um banco de dados. Aquilo não era improviso. Era padrão. E estavam pagando caro por ele. O curso, vendido como uma “experiência transformadora”, revelava-se uma performance automatizada. A promessa de formação crítica naufragava diante de um conteúdo mecânico e impessoal. O sentimento de traição tornou-se inevitável. Ela então decidiu agir. Protocolou uma reclamação formal à universidade — não por vingança, nem por revolta passageira, mas por princípios. Solicitou o reembolso: mais de oito mil dólares. Um gesto simbólico. Se a educação estava sendo terceirizada, não valia o que cobravam. E ela não estava sozinha. Em outras universidades, relatos semelhantes começaram a surgir. Estudantes atentos, decepcionados, identificavam o mesmo padrão: professores utilizando IA para corrigir trabalhos, redigir tarefas, enviar e-mails genéricos — até mesmo mensagens de empatia após tragédias no campus. A “cultura do cuidado”, como se dizia, estava sendo digitada por algoritmos. Vieram então as justificativas. Docentes alegavam sobrecarga. Diziam que a IA apenas acelerava o operacional, que o conteúdo era o que importava, não sua origem. Argumentos razoáveis — até certo ponto. Mas havia uma linha que não podia ser cruzada: a da presença humana. Educar não era apenas informar. Era escutar, responder, perceber a sutileza de um olhar, o silêncio de uma dúvida. Era dizer, com verdade: “Li o que você escreveu. Isso me tocou.” E nenhuma inteligência artificial, por mais avançada, era capaz de replicar essa conexão. A estudante lembrava-se com carinho de um antigo professor, desses que marcam a trajetória de um aluno. Ele costumava dizer: “O valor do professor está em se deixar afetar pelos alunos. O resto é técnica.” Só agora ela compreendia o peso dessas palavras. A IA podia até ajudar — mas jamais substituir o humano. Outros casos continuavam a emergir. Uma aluna descobriu, por acidente, que os elogios recebidos em sua redação vinham de uma conversa colada com o ChatGPT: “faça um bom feedback para essa aluna.” Em vez de reconhecimento, sentiu-se invisível. As universidades, surpreendidas, começaram a reagir. Protocolos foram atualizados, códigos de ética redigidos às pressas. Mas o estrago já estava feito. Um dos episódios mais simbólicos envolveu um massacre universitário. A direção enviou e-mails automatizados de condolência, gerados por IA. A intenção era consolar. O resultado foi indignação. Afinal, até a dor estava sendo terceirizada? Alguns docentes tentaram resgatar a dignidade do processo. Buscaram formas conscientes de usar a IA como apoio técnico, sem abrir mão do vínculo com os alunos. “A conexão é insubstituível”, diziam. Mas era impossível ignorar o avanço silencioso da substituição. A presença humana tornava-se exceção. Naquele curso específico, o caso foi encerrado de forma burocrática. O professor admitiu o uso da IA. A universidade considerou a queixa procedente. Protocolos foram ajustados. Mas a estudante sabia: a lição ultrapassava os papéis assinados. Não se tratava de demonizar a tecnologia. Ela podia ser útil — talvez até inevitável. Mas não havia algoritmo capaz de substituir um professor inteiro, presente, vulnerável e atento. Pedir o dinheiro de volta foi um gesto de protesto. O que ela realmente queria era o tempo de volta — o tempo desperdiçado em aulas ocas, em relações frias, em simulações de ensino. O que ela exigia era humanidade. Porque só quem se importa com o que aprende exige que, do outro lado, exista alguém que também se importe em ensinar. E esse tipo de presença — viva, atenta, verdadeira — nenhuma máquina é capaz de entregar. https://www.estadao.com.br/link/cultura-digital/meu-professor-da-faculdade-usou-o-chatgpt-para-fazer-uma-aula-e-eu-pedi-meu-dinheiro-de-volta/ (Acessado em 18/05/2025)

Minha crônica "A Máquina na Cátedra" é um relato instigante e crucial sobre as transformações que a inteligência artificial está provocando no universo da educação e nas relações entre professores e alunos. Eu tento capturar a essência da inquietação diante da aparente substituição do elemento humano pela eficiência algorítmica. Vejo em meu texto um excelente ponto de partida para debatermos as implicações sociais dessa nova realidade. Com base nas ideias principais, preparei 5 questões discursivas simples:


1. O texto descreve a surpresa e a indignação da estudante ao descobrir que o professor usou IA para materiais de aula e feedback, contrastando com a proibição para os alunos. Como a Sociologia analisa a questão da "hipocrisia institucional" e das "normas sociais" conflitantes no ambiente educacional, especialmente quando regras sobre o uso de tecnologia parecem se aplicar de forma diferente a professores e alunos?

2. A crônica enfatiza que o valor da educação reside no "feedback humano", na "conexão" e na "presença" do professor, algo que a IA parece não replicar. Como a Sociologia compreende o "papel do professor" para além da transmissão de conteúdo, focando na construção de "capital social", na "interação" e no impacto da "presença humana" no processo de ensino-aprendizagem?

3. O texto menciona que os alunos estão pagando caro por uma "experiência transformadora" que se revela uma "performance automatizada". Como a Sociologia analisa a "comodificação da educação superior", onde a relação estudante-instituição pode se aproximar de uma relação "consumidor-fornecedor", e como a introdução da IA pode exacerbar essa percepção de desvalorização da experiência humana?

4. A crônica aborda o desafio das universidades em criar "diretrizes éticas" para o uso da IA. Como a Sociologia estuda a "resposta institucional" e a "construção de normas éticas" em face de "rápidas transformações tecnológicas", considerando as tensões entre inovação, regulamentação e a preservação de valores fundamentais (como a autenticidade e a confiança) nas relações sociais?

5. O texto levanta a questão do impacto da IA no futuro da profissão docente, incluindo o papel dos assistentes de ensino. Como a Sociologia analisa as "transformações no mundo do trabalho" e nas "profissões" causadas pela "automação" e pela IA, e quais implicações isso pode ter para a formação, a identidade e as relações de trabalho dos educadores?

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