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MINHAS PÉROLAS

sexta-feira, 30 de maio de 2025

A Falácia da Inclusão Genérica: Quando Abarcar não Significa Conter ("O essencial é invisível aos olhos." — Antoine de Saint-Exupéry, O Pequeno Príncipe)

 



A Falácia da Inclusão Genérica: Quando Abarcar não Significa Conter ("O essencial é invisível aos olhos." — Antoine de Saint-Exupéry, O Pequeno Príncipe)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Era uma manhã comum, dessas em que a rotina corre apressada e os detalhes escapam por entre os dedos. Estávamos no elevador, meu filho e eu, naquele breve intervalo entre andares que, por vezes, revela mais do que uma vida inteira de convivência. “Cadê o celular?”, perguntei, revirando bolsos e bolsas com a urgência de quem sempre tem pressa. Ele ficou ali, parado, silencioso, escondendo o objeto debaixo do braço — como se nada tivesse acontecido. Naquele instante, compreendi, com dor e lucidez, uma verdade que eu já suspeitava: por mais que eu repetisse “celular”, apontasse, explicasse, aquela palavra simplesmente não existia no universo dele.

Meu filho é autista, nível três, não verbal. Todos os dias, senta-se ao fundo de uma sala de aula enquanto o professor discorre sobre “as implicações do pacifismo de Gandhi para a descolonização da Ásia”. Enquanto isso, ele colore figuras ou realiza exercícios de pareamento. É como se dois mundos paralelos coexistissem no mesmo espaço — um drama histórico complexo e um documentário silencioso sobre formas e cores, sem qualquer ponto de encontro.

E chamamos isso de inclusão.

A palavra, do latim includere, significa abarcar, conter. Mas o que vejo é exclusão travestida de boa intenção — um espetáculo ensaiado, onde todos fingimos que a presença física já é, por si, uma conquista. Como colocar alguém que não enxerga em um cinema e acreditar que isso basta para lhe oferecer cultura ou prazer.

Durante anos, ouvi discursos inflamados sobre os benefícios da “interação social”. Mas, ao observar meu filho, não vejo interação — apenas isolamento. Ele está ali, como uma ilha muda cercada de vozes que não entende. Os colegas o notam, sim, mas como se nota uma cadeira que, de vez em quando, se arrasta sozinha. Não há diálogo, nem troca. Falta o encanto, o reconhecimento mútuo, que deveria marcar qualquer convivência verdadeira.

O estalo veio quando ouvi outra mãe descrever a rotina da filha no terceiro ano do ensino médio. “Tem dia que é um caos total”, dizia. O menino autista não conseguia acompanhar, e tampouco os colegas conseguiam aprender. O professor, entre a tolerância frustrada e a repressão impotente, acabava mandando o aluno para fora da sala. E tudo recomeçava. Era a evidência crua da falência de um sistema que confunde compaixão com competência.

Passeando pelas ruas, imagino meu filho em um lugar realmente feito para ele — onde o silêncio seja respeitado, os estímulos sejam cuidadosamente dosados e os profissionais saibam falar sua língua. Visualizo um recreio estruturado, onde cada atividade tenha um propósito terapêutico, onde o aprendizado se dê pelos caminhos que ele é capaz de percorrer.

Não se trata de segregação — essa palavra pesada, carregada de culpa. Trata-se de reconhecer que a verdadeira inclusão, às vezes, exige ambientes específicos, assim como um pianista precisa de um piano — e não de uma bateria — para expressar sua arte. Meu filho tem sua própria melodia. Mas ela se perde, sufocada pelo ruído de uma sala que opera em outra frequência.

Hoje, ao vê-lo esconder o celular sem entender meu pedido, entendi algo profundo: o amor exige coragem para abandonar as certezas que nos confortam. A inclusão que desejamos para nossos filhos não pode se resumir a um ideal bonito, feito para nos fazer sentir virtuosos. Ela precisa funcionar — para eles.

Talvez seja hora de ouvirmos aqueles que, justamente por não falarem, têm muito a dizer. O silêncio do meu filho — esse silêncio que grita — diz mais do que qualquer discurso.




A crônica que escrevi levanta importantes questões sobre a efetividade da inclusão escolar para crianças com autismo não verbal e com alto grau de suporte, apontando para a necessidade de abordagens mais individualizadas e ambientes adequados. Aqui estão 5 questões discursivas simples, baseadas nas ideias principais do texto:


1 - A crônica descreve a experiência de um filho autista não verbal em uma sala de aula regular, onde o conteúdo parece inacessível para ele. Como a Sociologia da Educação analisa o conceito de inclusão escolar e quais os desafios para garantir que ela seja efetiva para alunos com diferentes necessidades, como o autismo com alto grau de suporte?


2 - O autor argumenta que a mera presença física de alunos com necessidades especiais em salas comuns nem sempre configura uma verdadeira inclusão, podendo até se tornar uma forma de exclusão disfarçada. Sob a perspectiva da Sociologia da Exclusão Social, discuta essa afirmação, diferenciando inclusão formal de inclusão substancial no contexto escolar.


3 - A crônica menciona a falta de interação social significativa do filho do autor em sala de aula regular. Como a Sociologia da Interação Social analisa a importância da interação para o desenvolvimento social e cognitivo, e de que maneira a escola poderia promover interações mais significativas para alunos com autismo não verbal?


4 - O texto compara a necessidade de ambientes específicos para o aprendizado de crianças com autismo com as necessidades de um pianista e seu piano. Utilizando conceitos da Sociologia da Educação, discuta a importância de se considerar a diversidade das necessidades de aprendizado e a possibilidade de diferentes modelos de escolarização para atender a essa diversidade.


5 - A crônica termina com a ideia de que "o silêncio do meu filho — esse silêncio que grita — diz mais do que qualquer discurso". Como a Sociologia pode nos ajudar a compreender e a dar voz às experiências de pessoas com comunicação não verbal, e quais implicações essa compreensão pode ter para as políticas e práticas de inclusão escolar?

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