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MINHAS PÉROLAS

segunda-feira, 26 de maio de 2025

O Último Professor ("A ordem é o prazer da razão; mas a desordem é a delícia da imaginação." — Paul Claudel)

 



O Último Professor ("A ordem é o prazer da razão; mas a desordem é a delícia da imaginação." — Paul Claudel)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Era terça-feira quando encontrei Claudeko sentado no banco da praça, contemplando a escola com a expressão de quem observa ruínas. Trinta anos de magistério curvavam seus ombros, e, pela primeira vez, vi lágrimas nos olhos daquele homem que sempre conheci corajoso.

— "Sabe", - disse ele, ajeitando os óculos gastos, — "hoje uma menina de 12 anos me mandou calar a boca na frente da turma toda. E quando tentei conversar com ela depois da aula, descobri que não tenho mais autoridade nem para isso." Suspirou fundo. — "Vou me aposentar no final do ano."

Claudeko era daqueles professores que ainda acreditavam no poder transformador da educação. Chegava cedo, preparava as aulas com cuidado, conhecia cada aluno pelo nome. Mas, nos últimos anos, algo essencial se perdeu entre a lousa e as carteiras. A hierarquia natural do processo educativo dissolveu-se em nome de uma pedagogia que confundiu democracia com anarquia.

Lembro quando essa mudança começou. Vieram os discursos sobre "protagonismo juvenil" e "horizontalização das relações"; palavras bonitas que soavam progressistas nas reuniões pedagógicas, mas que, na prática, transformaram salas de aula em arenas improvisadas. O professor deixou de ser educador para tornar-se animador, facilitador, quase um pedinte de atenção no próprio território.

— "Eles dizem que é para empoderar os alunos", - continuou Claudeko, observando crianças brincarem na pracinha. "Mas esqueceram que criança precisa de estrutura para se sentir segura. Precisa saber onde estão os limites para poder explorá-los com confiança."

Vi essa transformação acontecer aos poucos. Professores que antes comandavam suas turmas com autoridade agora andavam em bicos de pés, temerosos de qualquer atitude que pudesse parecer "autoritária". A palavra virou um fantasma que assombra os corredores escolares. Confundiu-se autoridade com autoritarismo, hierarquia com opressão, disciplina com violência.

O resultado dessa confusão conceitual é cruel e evidente: gerações de estudantes perdidos em salas de aula sem norte, professores adoecidos pela sobrecarga emocional de tentar ensinar no caos, e um sistema educacional que produz mais frustração do que conhecimento.

— "Você sabe o que mais me dói?" - perguntou Claudeko, levantando-se do banco. — "É ver que chamam isso de inovação pedagógica. Como se a educação pudesse funcionar sem estrutura, sem rotina, sem consequências claras." Apontou para a escola. — "Ali dentro, ninguém mais sabe quem ensina e quem aprende. É um teatro do absurdo onde todos representam, mas ninguém sabe seu papel."

Caminhamos até o portão da escola. Era hora do recreio, e a cena confirmava tudo o que havíamos conversado. Professores exaustos tentavam conter multidões de crianças que pareciam não reconhecer autoridade alguma além dos próprios impulsos. O pátio era o espelho da sala de aula: barulhento, caótico, sem referências claras.

— "A neurociência já comprovou," - disse João, fitando o movimento ao redor. — "O cérebro aprende melhor em ambientes estruturados e previsíveis. Criança precisa de afeto, sim, mas também precisa de limite, rotina, consequência. Educação não acontece no caos."

Naquele instante, compreendi que não se tratava de saudosismo. Era uma questão prática, humana, científica. A escola perdeu sua identidade ao tentar ser tudo para todos — e, nesse esforço, deixou de ser o que deveria: um lugar de aprendizagem real.

Despedi-me de Claudeko com o coração pesado. Mais um professor experiente deixaria a sala de aula, levando consigo décadas de dedicação. Em seu lugar, chegaria alguém jovem, cheio de teorias, que logo descobriria a dura realidade de ensinar sem as ferramentas básicas do ofício.

Hoje, quando passo pela escola e vejo os novos professores lutando contra a maré, lembro-me das palavras de Claudeko:

"Não existe educação de qualidade sem disciplina.

Não existe disciplina sem hierarquia.

Não existe aprendizagem no caos."

Verdades simples, esquecidas em nome de modismos pedagógicos que encantam no papel, mas fracassam diante da realidade.

E enquanto continuarmos negando essas evidências, estaremos condenando gerações a um ensino que não ensina, a uma escola que não educa, a um futuro que não se constrói.

O último professor está se aposentando — e, com ele, vai-se uma era em que educar ainda significava algo.




O meu relato tocante sobre a experiência de Claudeko e a transformação do ambiente escolar levanta questões sociológicas importantes sobre a autoridade, a disciplina e a própria função da escola na sociedade contemporânea. A alegada confusão entre democracia e anarquia na pedagogia e suas consequências práticas merecem uma análise sociológica cuidadosa. Com base nas ideias centrais do texto, preparei 5 questões discursivas simples para aprofundarmos essa reflexão:


1 - O texto descreve a perda da autoridade do professor Claudeko. Como a Sociologia da Educação analisa a natureza da autoridade docente e quais mudanças sociais e pedagógicas podem ter contribuído para o seu enfraquecimento no contexto escolar atual?

2 - A narrativa menciona a confusão entre "democracia" e "anarquia" na pedagogia. Sob a perspectiva da Sociologia Política e da Sociologia da Educação, como podemos analisar as diferentes concepções de democracia no ambiente escolar e quais os limites entre a participação democrática e a ausência de estrutura e normas?

3 - Claudeko argumenta que crianças precisam de estrutura para se sentirem seguras e explorarem os limites com confiança. Como a Sociologia da Infância e a Sociologia da Educação abordam a importância da estrutura, dos limites e da rotina no desenvolvimento social e cognitivo das crianças e adolescentes?

4 - O texto aponta para a ideia de que a escola se tornou um "teatro do absurdo" onde os papéis de quem ensina e quem aprende estão borrados. Como a Sociologia dos Papéis Sociais analisa a definição e a performatividade dos papéis de professor e aluno na instituição escolar, e quais as consequências da ambiguidade desses papéis para o processo educativo?

5 - A conclusão do texto enfatiza a necessidade de disciplina e hierarquia para uma educação de qualidade. De que forma a Sociologia da Educação analisa a relação entre disciplina, hierarquia e aprendizagem, e como diferentes abordagens pedagógicas e sociológicas conceituam o papel desses elementos no sucesso educativo?

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