O Professor de Verdade ("Viver não é 'visitável'." — Clarice Lispector)
Outro dia, ao rolar a tela do celular, deparei-me com a gravação de uma aula online. No centro da imagem, uma jovem professora, de beleza e didática impecáveis, discorria sobre um tema complexo. Os comentários dos alunos eram só elogios; os pais, certamente, estavam satisfeitos. E eu, do lado de cá, com meus cabelos brancos e a poeira de muitas estradas nos ombros, não pude deixar de pensar: quem, de fato, é o professor de verdade?
Não que eu tenha algo contra a juventude ou a beleza, mas me inquieta a crescente obsessão pela embalagem em detrimento do conteúdo. Tenho a impressão de que os concursos para o magistério, em breve, adotarão os mesmos critérios de um desfile de Miss Brasil, onde o que agrada aos olhos parece valer mais do que o que enriquece a alma. E não sejamos ingênuos: essa lógica se espalha para além da sala de aula, chegando aos cargos de gestão, nos quais a experiência é, não raro, preterida pela aparência.
Toda essa superficialidade me fez recordar o que dizia um velho médico: "O melhor professor da vida é a experiência; ela cobra caro, mas explica bem." A experiência, segundo ele, "é um troféu composto por todas as armas que nos feriram." Não troco essa sabedoria por nenhuma teoria. A didática é uma estratégia, uma artimanha para prender a atenção; o conteúdo, porém, nasce do que foi vivido. Afinal, simulação não é realidade. O mapa não é o território.
Por isso — e que me perdoem os recém-formados —, para mim, o professor de verdade é aquele que chega à sala de aula depois dos 40 anos. É quem já colecionou fracassos, teve o coração partido ou precisou recomeçar do zero em outra profissão. É quem traz na voz não apenas a teoria dos livros, mas o peso e a leveza da vida. O ideal, arrisco dizer, seria que todo professor exercesse também outro ofício, sujando as mãos com a realidade do mundo para poder, enfim, limpar a poeira dos conceitos teóricos. Hoje, parece fácil demais ser professor: bastam um diploma e um rosto harmonioso.
Minha conterrânea, a imensa Cora Coralina, resumiu tudo com a doçura de um doce de figo: "Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina." A questão é que só se aprende na prática, no chão da vida, e isso demanda tempo. O que um jovem, por mais brilhante que seja, pode ensinar sobre resiliência a um aluno que enfrenta dificuldades que ele mesmo jamais imaginou?
Neste tempo de telas e aulas digitais, a pergunta se torna ainda mais urgente. Quem é o professor de verdade? Talvez sejam aqueles que já navegavam pelo mundo da informática antes que virasse moda, os que não precisaram de tutoriais para entender que a tecnologia era um caminho sem volta. Os mais velhos, que muitos julgam ultrapassados, deveriam ser ouvidos. Que serventia tem uma vida inteira de aprendizados, de tropeços e vitórias, se tudo será silenciado sob sete palmos de terra?
Porém, talvez, a resposta para tanta frustração não seja negar os tempos modernos, mas acolher a possibilidade de conciliação. O professor de verdade pode, sim, ser jovem — desde que traga sede de aprender com os mais velhos e humildade para ouvir o que a vida ensina fora das apostilas. E os mais experientes, por sua vez, ainda têm muito a entregar, se lhes dermos espaço. A educação não precisa ser uma competição de gerações, mas uma travessia onde quem já caminhou ilumina o trajeto dos que estão chegando. Se o texto soa denso, é porque o tema ainda pesa. Mas entre a crítica e a esperança, fico com a ponte: há caminhos possíveis se estivermos dispostos a construir juntos — um parágrafo de cada vez, uma vida inteira por detrás de cada lição.
Deus, em sua infinita sabedoria, não pode ser tão injusto. Aprender tanto, acumular tantas histórias e decifrar tantos segredos da alma humana apenas para que tudo se perca no pó é, para mim, um pecado imperdoável. Talvez a maior tragédia da educação não seja a falta de recursos ou as metodologias defasadas, mas o tesouro de sabedoria que enterramos todos os dias, a cada ancião que parte sem ter tido a chance de ser, finalmente, o professor de verdade que a vida o tornou.
Depois da nossa leitura atenta da crônica "O Professor de Verdade", vamos aprofundar a discussão com um olhar sociológico. O texto é um prato cheio para pensarmos sobre como nossa sociedade enxerga a educação, o conhecimento e a experiência. Preparem o caderno e respondam às questões a seguir, sempre justificando suas respostas com as ideias apresentadas no texto.
1 - O autor critica o que ele chama de "obsessão pela embalagem em detrimento do conteúdo". Explique com suas palavras o que essa oposição entre "embalagem" e "conteúdo" significa no universo da educação e dos professores, segundo a visão apresentada na crônica.
2 - No texto, encontramos a seguinte afirmação: "simulação não é realidade. O mapa não é o território." Como essa frase se conecta com a defesa que o autor faz da experiência de vida como sendo fundamental para a formação de um "professor de verdade"?
3 - Ao descrever o "professor de verdade", o autor menciona aquele que "já colecionou fracassos, teve o coração partido ou precisou recomeçar do zero". Do ponto de vista social, por que essas experiências "negativas" são consideradas tão valiosas pelo autor para o ato de ensinar?
4 - A crônica termina com uma reflexão sobre "o tesouro de sabedoria que enterramos todos os dias". A quem o autor está se referindo com essa metáfora? Qual é a principal crítica que ele faz à nossa sociedade sobre a maneira como lidamos com o conhecimento dos mais velhos?
5 - O autor sugere que a aparência e a juventude estão se tornando critérios importantes na escolha de professores, comparando o processo a um "desfile de Miss Brasil". Que tipo de valor social está sendo criticado aqui? E como essa valorização pode impactar a qualidade da educação a longo prazo?