"Se você tem uma missão Deus escreve na vocação"— Luiz Gasparetto

" A hipocrisia é a arma dos mercenários." — Alessandro de Oliveira Feitosa

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sábado, 30 de setembro de 2023

ENTRE O JOGO E O ESTUDO: UMA CRÔNICA SOBRE AS ESCOLHAS DA JUVENTUDE ("Na juventude deve-se acumular o saber. Na velhice fazer uso dele." — Jean-Jacques Rousseau)

 


ENTRE O JOGO E O ESTUDO: UMA CRÔNICA SOBRE AS ESCOLHAS DA JUVENTUDE ("Na juventude deve-se acumular o saber. Na velhice fazer uso dele." — Jean-Jacques Rousseau)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Eu sou professor há muitos anos, e já vi de tudo um pouco nas salas de aula. Mas, hoje eu quero contar uma história que me marcou profundamente, e que revela um pouco da complexidade da alma humana. Uma história que se passou em um dia aparentemente comum, mas que escondia surpresas e contradições.

Tudo começou quando a direção da escola resolveu organizar um "aulão" para os alunos do terceiro ano do Ensino Médio, que estavam prestes a enfrentar o Enem. Um evento que prometia ser um divisor de águas na vida desses jovens, que sonhavam com uma vaga na universidade. Um momento de revisão e esclarecimento das dúvidas mais frequentes sobre português e matemática, as disciplinas mais temidas pelos estudantes.

O auditório estava lotado de alunos ansiosos e curiosos, que se acomodavam nas cadeiras e aguardavam o início da palestra. Eu estava lá no outro pavilhão em minha sala de aulas normais para ministrar minha aula de sociologia que constava no horário normal. Eu sentia orgulho daqueles jovens, que demonstravam interesse e dedicação pelo seu futuro. Sobretudo, me acomodei na sala quase vazia, porque alguns aqui decidiram "matar" o tal aulão. Comecei minha aula esperando ser útil de alguma forma.

Mas, me ignoraram, estavam se divertindo com jogos de cartas. Pareceu-me que não estavam esperando professor algum para aquele horário. Não consultaram a planilha de aulas ou era de propósito mesmo. A verdade é que estavam empolgados e barulhentos, desafiando uns aos outros em partidas de truco. Eles não se importavam com o Enem, nem com as consequências de suas escolhas. Eles só queriam aproveitar o momento, sem pensar no amanhã.

Fiquei perplexo com essa cena! Como podiam existir dois grupos tão distintos entre os mesmos alunos? Como podiam coexistir o desejo pelo conhecimento e a indiferença pela educação? Como podiam conciliar o sonho da universidade e a fuga da realidade?

Eu não tinha uma resposta pronta para essas perguntas. Talvez fosse uma questão de personalidade, de valores, de influências. Talvez fosse uma questão de maturidade, de responsabilidade, de consciência. Talvez fosse uma questão de juventude, de rebeldia, de liberdade. Não sei qual é a verdadeira causa desse problema. Você saiba me explicar?

Então, lembrei-me de quando eu era jovem, e das escolhas que fiz na minha vida. Eu também tive meus momentos de dúvida, de diversão, de desafio. Todavia também tive meus momentos de estudo, de trabalho, de superação. Eu também tive meus momentos de erro, de arrependimento, de aprendizado. Talvez, por isso, sou professor hoje!

E foi assim que eu cheguei à conclusão desta crônica: a vida é feita de escolhas, e cada escolha tem uma consequência. Cabe a cada um decidir qual caminho seguir, e arcar com as suas consequências. Cabe a cada um encontrar o seu equilíbrio entre o presente e o futuro, entre o prazer e o dever, entre o jogo e o estudo.

E cabe a mim, como professor, respeitar essas escolhas, mas também orientar esses jovens para que façam as melhores escolhas possíveis. Pois é assim que formamos cidadãos conscientes, capazes de transformar o mundo com o seu conhecimento e a sua juventude. Fui tomar o baralho? Não, dei minha aula para dois ou três que sentavam na frente para não incomodar os fanfarrões do "fundão". São eles o reclamadores, os denunciadores e organizadores de abaixo-assinado para tirar o professor. Aceite meu medo ou minha conveniência.

sexta-feira, 29 de setembro de 2023

A HIERARQUIA ESCOLAR: UM LABIRINTO INFINITO ("Porque, se a trombeta der sonido incerto, quem se preparará para a batalha?" — 1Coríntios 14:8 ARC)

 


A HIERARQUIA ESCOLAR: UM LABIRINTO INFINITO ("Porque, se a trombeta der sonido incerto, quem se preparará para a batalha?" — 1Coríntios 14:8 ARC)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Há algo intrigante e, ao mesmo tempo, quase cômico na complexa teia hierárquica de uma escola. Os corredores ecoam com a cacofonia do poder e da autoridade, cada nível hierárquico estendendo sua sombra sobre o próximo, criando uma cadeia de comando infinita que desafia a compreensão e, por vezes, a paciência.

Você já ouviu falar da expressão "muito cacique para pouco índio"? É assim que me sinto quando entro na escola onde trabalho todos os dias. É uma sensação peculiar que me faz questionar onde começa e onde termina a linha de comando. Como professor, sou a base dessa hierarquia, o índio na analogia, mas, na realidade, parece que há mais caciques do que eu posso contar.

Tudo começa com o representante de sala. Uma figura carismática, ele é eleito pelos colegas e, de repente, temos um líder entre nós. No início, parece inofensivo, uma voz para nos representar. Mas, à medida que o ano avança, ele começa a exercer seu poder sobre o grupo, tomando decisões que afetam a todos nós.

Em seguida, temos o colega que se autodenomina o "padrinho" da sala. Ele não foi eleito para nada, mas age como se fosse o chefe. Suas opiniões são as mais importantes, suas sugestões as mais valiosas. É um título autoconferido que parece carregar mais peso do que deveria.

Mas, a hierarquia não para por aí. Logo depois, entramos no reino dos coordenadores. Coordenadores de área, coordenadores de turnos, coordenadores pedagógicos - todos eles com uma fatia do bolo do poder. Cada um com suas próprias prioridades, muitas vezes em conflito com as dos outros. É como um jogo de xadrez, onde cada peça move-se em uma direção diferente, deixando os peões, nós, os professores, perplexos.

E então chegamos ao topo da pirâmide: o secretário da unidade escolar, o vice-diretor e o diretor. Eles são os verdadeiros caciques, os líderes supremos. Suas decisões reverberam por toda a escola, moldando nosso ambiente de trabalho e influenciando diretamente o que fazemos em nossas salas de aula.

Mas, no meio de toda essa hierarquia, onde fica o professor? O índio na analogia, lembram? Somos nós que estamos na linha de frente, lidando com os desafios diários, tentando ensinar e inspirar nossos alunos. Às vezes, parece que a voz do índio é abafada pelo rugido dos caciques.

No entanto, não é minha intenção apenas lamentar essa complexa hierarquia escolar. Ela existe por uma razão, e muitas vezes desempenha um papel crucial na organização e no funcionamento de uma escola. Mas, como em qualquer sistema, pode se tornar excessivamente complicada e ineficaz.

O que aprendi nesse labirinto hierárquico é a importância de encontrar equilíbrio. Precisamos de líderes e estrutura, mas também devemos ouvir e valorizar a voz daqueles que estão na linha de frente. Devemos trabalhar juntos, coordenadores, diretores e professores, para criar um ambiente de aprendizado que seja eficaz e enriquecedor para nossos alunos.

Então, da próxima vez que você ouvir a expressão "muito cacique para pouco índio," lembre-se de que, às vezes, é preciso um esforço conjunto para equilibrar a hierarquia e garantir que todos tenham a oportunidade de contribuir. E, como professor, continuarei a fazer o meu melhor para ensinar e inspirar, independentemente de onde eu me encaixe nessa complexa cadeia de comando. Afinal, é para os alunos que estamos aqui, e essa é a mensagem mais importante de todas. Na boca de muitos a quem temos que confessar, qualquer probleminha vira um problemão infinito. E continua sendo problema de ninguém, um empurrando para o outro.

quinta-feira, 28 de setembro de 2023

NOTAS VERMELHAS OU O 6 DA MISERICÓRDIA? ("Não se apresse em perdoar. A misericórdia também corrompe". — Nelson Rodrigues )

 


NOTAS VERMELHAS OU O 6 DA MISERICÓRDIA? ("Não se apresse em perdoar. A misericórdia também corrompe". — Nelson Rodrigues )

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Eu nunca imaginei que um dia eu teria que lutar por uma nota. Não, não estou falando de lutar para conseguir uma nota boa, mas sim de lutar para não dar uma nota boa para quem não fez jus, negava-me a ser objeto de prestígio para intercessores quem vieram me afrontar como se eu não pudesse fazer meu trabalho corretamente. Parece estranho, não é? Mas, foi isso que aconteceu comigo no novo normal. Deixe-me contar como tudo começou.

No velho normal, as coisas eram mais simples. Os alunos tinham uma frase que repetiam como um mantra: "Eu não posso ficar com nota vermelha". Era uma forma de se tranquilizar, mesmo que não se dedicassem muito aos estudos. Afinal, uma nota vermelha no boletim era só um detalhe que não mudava nada. Recuperavam o bimestre seguinte. E assim os professores seguravam os alunos atentos até o final do ano letivo.
Mas então, tudo mudou. O novo normal chegou e trouxe consigo uma nova mentalidade. Agora, os alunos dizem com imposição: "Não posso ficar com 6 da misericórdia!" Porque os professores estão sedento para aprová-los com nota mínima, o 6, mesmo aqueles que não fizeram nada no bimestre. Mas, isso era revelador, então eles encaravam como se uma nota 6 fosse a pior coisa do mundo. Como se uma nota 6 fosse um insulto à sua honra. Essa mudança, aparentemente sutil, revelou uma nova faceta da educação: a guerra das notas. O professor refém de coordenadores e das estatísticas faz o show de notas boas, ainda se justifica dizendo que com notas boas se fecha a boca de aluno barraqueiro! Todavia, está cavando sua própria sepultura, porque a maioria obtém as notas necessárias, logo no terceiro bimestre, e será impossível qualquer professor ministrar aulas no último bimestre. Se aprenderam valorizar demais as notas. E a escola desequilibrada e doida não pode dispensar aluno algum antes do último dia letivo do ano, por imposição da secretaria, mesmo tendo sido aprovado. E o lanche é abundante, então este vêm atrapalhar a aula dos que estão de recuperação. Economiza-se no conhecimento, mas não nas outras coisas.
Eu vivi essa guerra na pele, quando fui dar as notas do terceiro bimestre. Era um momento crucial para mim, como professor. Era o momento em que eu tinha que avaliar o desempenho dos meus alunos, com justiça e responsabilidade. Mas, o que deveria ser um exercício de avaliação se tornou um campo de batalha.
Nesse contexto, eu sofri pressões de todos os lados. Uma coordenadora me cobrava ansiosamente o fechamento antecipado das notas. Outra me pedia, quase implorava, para dar uma nota maior para uma aluna que não assistiu às aulas por causa de um atestado médico. Ela dizia que a aluna não aceitava somente um 6, que ela merecia, mas... Era como se a nota fosse uma mercadoria, e eu tivesse que barganhar, ou melhor, inventar.
Refletindo sobre esses episódios, eu percebo que a educação está em crise. Os alunos querem notas mais altas, sem se importar com o esforço. Os professores sofrem pressões para serem complacentes, sem se importar com a qualidade. Porém, a verdadeira lição que devemos aprender é que a educação vai além das notas e das manobras políticas. Ela é sobre o desejo genuíno de aprender, o esforço constante para melhorar e a busca incansável pelo conhecimento.
Nesse novo normal, onde a guerra das notas parece se intensificar, lembremos que nosso papel como educadores vai muito além de notas vermelhas ou 6 da misericórdia. É sobre inspirar uma paixão pelo aprendizado, mesmo que isso signifique enfrentar desafios e resistência. Afinal, é na sala de aula que moldamos não apenas o futuro dos alunos, mas também o futuro da sociedade. Que possamos lembrar disso, mesmo quando as pressões do presente ameaçam obscurecer nossa visão do que realmente importa.

terça-feira, 26 de setembro de 2023

LIÇÕES INESPERADAS NA SALA DE AULA (“O homem nasce livre, mas por toda parte encontra-se acorrentado” — Jean-Jacques Rousseau)

 



LIÇÕES INESPERADAS NA SALA DE AULA (“O homem nasce livre, mas por toda parte encontra-se acorrentado” — Jean-Jacques Rousseau)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Eu sempre adorei dar aulas de sociologia, mas confesso que às vezes me sentia um pouco frustrado com a falta de interesse dos meus alunos. Parecia que eles não se importavam com as questões que eu tentava levantar, com as teorias que eu tentava explicar, com as reflexões que eu tentava provocar. Eles só queriam passar de ano, sem se preocupar em aprender de verdade.

Mas tudo mudou naquele dia. Naquela manhã de sol que inundava a sala de aula do primeiro ano "G" do Ensino Médio, as mentes dos alunos estavam mergulhadas em um profundo debate sobre a teoria de Rousseau. O tópico da discussão era a premissa de que o homem nasce puro e a sociedade o corrompe. Afinal, é na sala de aula que as sementes do conhecimento são plantadas, e naquela ocasião, o solo da mente dos jovens estava fértil para novas ideias.

Lembro-me de ter citado um provérbio da Bíblia que afirma: "Ensina a criança no caminho que deve andar e, quando for velha, não se desviará dele." Era um argumento a favor da influência da sociedade sobre o indivíduo, uma tentativa de demonstrar que o filósofo Rousseau não condenava a degeneração, mas sim a composição da experiência social que molda cada um de nós.

Contudo, como acontece muitas vezes na vida, uma simples palavra mal interpretada pode desencadear uma reviravolta inesperada. Já no finalzinho daquela aula, fui afrontado por uma aluna que tinha ouvido de outra colega que eu havia afirmado que "todos os indivíduos criados por avós não prestavam". Disse ela: "Eu fui criada por minha avó, então eu não presto?" Sim, eu tinha usado esse ditado popular para reforçar a ideia que não ajuda muito na educação da criança quando as normas são muito frouxas. "No estado em que já se encontram as coisas, um homem abandonado a si mesmo desde o nascimento entre os outros seria o mais desfigurado de todos." Essa era uma citação do próprio Rousseau, mas ela não sabia disso.

A ironia da situação é que a suposta "valentona" estava presente na sala o tempo todo, sem observar a discussão conversando e bagunçando. No entanto, a faísca que incendiaria nosso debate não veio dela, mas sim de outra aluna, que, apesar de não nutrir simpatia nem por mim, nem pela "valentona", sentiu a necessidade de nos colocar em lados opostos da contenda. Ela só serviu de boca maldita, mas foi usada para nosso bem!

A partir daquele momento, a sala de aula se transformou em um palco inesperado para um embate de argumentos e emoções. A discussão evoluiu para um debate acalorado, onde cada palavra, cada gesto, era um passo na dança complexa das ideias.

Fui pego de surpresa, não apenas pelo calor do momento, mas pela profundidade das reflexões que emergiram daquele conflito aparentemente trivial. Fiquei impressionado com a paixão que os jovens demonstraram ao discutir suas origens, suas experiências familiares e as influências que moldaram suas visões de mundo.

Aos poucos, as tensões se dissiparam e o debate se transformou em um diálogo sincero. Percebi que ali, naquela sala de aula, não só estava eu ensinando, mas também aprendendo. A juventude, com sua vivacidade e ânsia por compreender o mundo, tinha me proporcionado uma lição valiosa: a importância de ouvir, de entender as perspectivas alheias e de reconhecer a complexidade das experiências individuais.

Naquele dia, eu saí da escola com uma sensação de gratidão e admiração pelos meus alunos. Eles tinham me mostrado que a sociologia não era apenas uma matéria escolar, mas uma forma de olhar para a vida, de questionar as verdades impostas, de buscar o sentido das coisas. Eles tinham me mostrado que a sala de aula era um espaço de aprendizado mútuo, de troca de saberes, de construção de conhecimento.

Naquele dia, eu aprendi que a crônica não era apenas um gênero literário, mas uma forma de narrar o cotidiano, de captar os detalhes, de revelar as emoções. Eles tinham me inspirado a escrever esta crônica, que você acabou de ler. Eles tinham me ensinado que o homem nasce puro e a sociedade o transforma. Mas não necessariamente para pior. Às vezes, para melhor. Rousseau tinha razão.

sexta-feira, 22 de setembro de 2023

CRENTE SEM FANATISMO: DE CARNE E OSSO — Ensaio Teológico I(30) A Busca Pela Sabedoria Divina e Humana: Uma Análise Equilibrada

 


CRENTE SEM FANATISMO: DE CARNE E OSSO — Ensaio Teológico I(30) A Busca Pela Sabedoria Divina e Humana: Uma Análise Equilibrada

Por Claudeci Ferreira de Andrade

A busca incessante pela sabedoria tem sido um ideal humano ao longo da história. Questionamentos acerca da origem e da natureza da sabedoria, sua relação com a fé e a razão, bem como suas implicações para a vida, têm instigado debates e reflexões profundas. Neste ensaio, exploraremos a perspectiva da sabedoria divina e humana, considerando tanto os ensinamentos bíblicos quanto os argumentos filosóficos.

No contexto das Escrituras, a Bíblia surge como uma fonte de sabedoria divina. Por meio de relatos, leis, profecias e provérbios, ela oferece orientações fundamentais para a conduta humana. Tiago 3:17, por exemplo, apresenta uma caracterização abrangente da sabedoria divina como algo "puro, pacífico, moderado, tratável, cheio de misericórdia e de bons frutos". Essa sabedoria é tida como um dom de Deus, concedido àqueles que O temem e O obedecem, refletindo a relação entre fé e sabedoria (Salmos 111:10).

Contudo, a Bíblia também adverte sobre a falsa sabedoria e os riscos da rejeição da palavra de Deus. Esse aspecto sugere a necessidade de discernimento na busca pela sabedoria, pois nem toda busca é edificante ou virtuosa. É aqui que a filosofia encontra seu espaço.

A filosofia, por sua vez, se apresenta como uma busca pela sabedoria baseada na razão e na reflexão. Filósofos como Sócrates, Platão e Aristóteles, entre outros, exploraram questões fundamentais da existência humana e da realidade, buscando entender os princípios subjacentes ao universo. A filosofia reconhece os limites da razão, abrindo espaço para a humildade intelectual.

Em busca de um equilíbrio, a postura de Agostinho e Tomás de Aquino emerge como uma perspectiva interessante. Eles procuraram harmonizar a sabedoria bíblica com a filosofia, argumentando que tanto a fé quanto a razão derivam da mesma fonte divina. Isso sugere que a busca pela sabedoria não precisa ser uma escolha exclusiva entre fé e razão, mas uma jornada que permite a integração desses elementos.

Em conclusão, a busca pela sabedoria divina e humana não precisa ser um embate entre duas perspectivas divergentes. A sabedoria divina oferece princípios morais sólidos e esperança, enquanto a busca pela sabedoria humana traz uma compreensão ampliada do mundo e da sociedade. Ao considerarmos ambas as fontes de sabedoria e abraçarmos a humildade intelectual, podemos encontrar um caminho de equilíbrio que nos leva a uma compreensão mais profunda da existência e da verdade. Como Sócrates nos lembra, a verdadeira sabedoria reside na consciência da nossa limitação. E assim, ao abraçarmos tanto a fé quanto a razão, podemos nos aproximar de uma compreensão mais plena da sabedoria que permeia nossa jornada humana.

terça-feira, 19 de setembro de 2023

JUSTIÇAMENTO, LINCHAMENTO E JUSTIÇA COM AS PRÓPRIAS MÃOS ("Linchamento, recrimino! Elimina-se um ladrão, criam-se dezenas de assassinos". — ⁠José Roberto Cercal)

 


JUSTIÇAMENTO, LINCHAMENTO E JUSTIÇA COM AS PRÓPRIAS MÃOS ("Linchamento, recrimino! Elimina-se um ladrão, criam-se dezenas de assassinos". — ⁠José Roberto Cercal)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Eu estava animado para dar a minha aula de sociologia naquele terceiro ano do Ensino Médio sobre um tema polêmico: o justiçamento, ou seja, a prática de fazer justiça com as próprias mãos, sem respeitar o devido processo legal. Um assunto que pode cair no Enem. Por isso preparei uma apresentação baseada em um autor que defendia que os linchadores também eram criminosos, pois violavam os direitos humanos e a ordem social. E esperava uma discussão produtiva e respeitosa com os meus alunos, mas me deparei com uma situação constrangedora.

Uma aluna, que parecia entediada e desinteressada, levantou a cabeça somente para me contradizer. Ela disse, com uma voz firme e desafiadora, que estupradores deviam morrer, e que quem os matava estava fazendo um favor à sociedade. Ela não quis ouvir nenhum argumento contrário, nem se importou com as outras opiniões da turma. Ela simplesmente impôs a sua visão, como se fosse a única verdade absoluta.

Nesse caso, fiquei sem reação. Não sabia como lidar com aquela situação. Se eu concordasse com ela, estaria indo contra os princípios da minha disciplina e da minha ética profissional. Se eu discordasse dela, estaria arriscando ser acusado de apoiar e defender estupradores. Naquele momento me senti encurralado, sem saída. Contudo, não tinha mais condições de continuar a minha aula, apenas me calei e sentei à mesa para dar visto nos cadernos.

Depois daquela situação, perguntei-me como uma aluna tão jovem e inteligente podia ter uma opinião tão radical e intolerante. Será que ela tinha alguma experiência traumática que a fez pensar assim? Será que ela tinha sido influenciada por alguma ideologia ou grupo extremista? Será que ela tinha consciência das consequências do seu pensamento?

Eu fiquei triste e preocupado, poderia ser só uma demonstração de aversão a minha pessoa. Nisso percebi que o meu papel de educador era muito mais difícil do que eu imaginava. Eu não podia simplesmente transmitir conhecimentos e conceitos. Eu tinha que formar cidadãos críticos e conscientes, capazes de dialogar e respeitar as diferenças. Eu tinha que mostrar aos meus alunos que a justiça não se faz com violência, mas com razão e direito. Espero que eles lembre disso na redação do Enem.

Espero, também, que um dia essa aluna possa mudar de opinião, ou pelo menos se abrir para ouvir outras perspectivas. E que ela possa entender que o justiçamento é uma forma de barbárie, que só gera mais ódio e vingança. Que entenda o valor da vida humana, em todas as suas formas e manifestações.

domingo, 17 de setembro de 2023

CRENTE SEM FANATISMO: DE CARNE E OSSO — Ensaio Teológico I(29) O conhecimento e o temor do Senhor: uma análise crítica

 


CRENTE SEM FANATISMO: DE CARNE E OSSO — Ensaio Teológico I(29) O conhecimento e o temor do Senhor: uma análise crítica

Por Claudeci Ferreira de Andrade

O conhecimento e o temor do Senhor são dois conceitos que aparecem frequentemente na Bíblia e na tradição cristã. Muitas vezes, eles são apresentados como virtudes que devem ser buscadas pelos fiéis, pois trazem benefícios espirituais e materiais. No entanto, é importante analisar esses conceitos de maneira crítica, considerando outros enfoques e perspectivas.

A compreensão do conhecimento não deve ser limitada apenas à visão religiosa. O conhecimento abrange uma ampla gama de áreas, incluindo ciência, artes e humanidades. Ignorar o conhecimento secular pode limitar o desenvolvimento humano e a compreensão do mundo ao nosso redor. A ciência e a educação são essenciais para avançar na sociedade e melhorar as condições de vida. Como disse Francis Bacon, um dos fundadores do método científico, "o conhecimento é em si mesmo um poder". Portanto, o conhecimento deve ser valorizado como um instrumento de transformação social e não como uma ameaça à fé.

Além disso, a noção de temor do Senhor pode ser interpretada de maneira mais ampla. O temor pode ser visto como respeito e admiração por forças maiores do universo, não necessariamente ligado a uma entidade divina específica. Essa reverência pode ser aplicada à natureza, à humanidade e a princípios éticos que promovam a harmonia e a cooperação. Como disse Albert Einstein, um dos maiores cientistas da história, "o mais belo sentimento que podemos experimentar é o mistério. É a fonte de toda arte e ciência verdadeiras". Consequentemente, o temor deve ser entendido como uma atitude de humildade e curiosidade diante do desconhecido e não como um sentimento de medo ou submissão.

Ao considerar as referências bíblicas, é importante lembrar que a Bíblia é uma obra interpretativa e sujeita a diferentes perspectivas. Enquanto algumas passagens podem sugerir consequências negativas para a rejeição da sabedoria divina, também é possível adotar uma abordagem mais inclusiva, que valorize o respeito mútuo e o entendimento. Como disse Paulo Freire, um dos maiores educadores brasileiros, "a educação, qualquer que seja ela, é sempre uma teoria do conhecimento posta em prática". Logo, a educação deve ser um espaço de diálogo e reflexão crítica sobre as diversas formas de conhecimento e crença.

Por conseguinte, é vital reconhecer a importância do conhecimento secular, bem como a diversidade de crenças e interpretações religiosas. Uma abordagem crítica e analítica permite explorar diversas perspectivas e promover um diálogo construtivo em busca de uma sociedade mais justa e inclusiva.