"Se você tem uma missão Deus escreve na vocação"— Luiz Gasparetto

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MINHAS PÉROLAS

domingo, 28 de dezembro de 2008

O OUTRO LADO DO PORTFÓLIO AVALIATIVO ("Você é o que é seu portfólio. Uma verdade irônica que nos faz questionar o valor do reconhecimento." - Cifa)




Crônica


O OUTRO LADO DO PORTFÓLIO AVALIATIVO (Você é o que é seu portfólio!?)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Já não me lembro ao certo quando foi que me disseram que, para ser um bom professor, era preciso ter um portfólio. Não um simples arquivo de lembranças, mas um verdadeiro compêndio da existência profissional. Como se nossa história de sala de aula, nossos erros e acertos, nossas noites mal dormidas preparando aulas e corrigindo provas pudessem ser condensadas em páginas encadernadas e bem diagramadas.

Aceitei o desafio, como tantos outros professores antes de mim. Passei dias mergulhado em gavetas, revirando papéis, resgatando registros amarelados pelo tempo. Juntei fotografias, recortes de jornal, certificados e planos de aula que, de tão remotos, me transportaram a um passado que eu nem lembrava ser meu. Cada papel encontrado era uma pequena arqueologia da própria docência.

Quando finalmente entreguei o portfólio à comissão avaliadora, senti um misto de orgulho e estranheza. Ali estava eu, entre capas plásticas e divisórias coloridas, resumido em documentos que deveriam atestar minha competência. A ironia se apresentou logo depois, no interrogatório informal de um colega curioso:

"Deve ter deixado muita coisa de lado para fazer esse portfólio, hein? Abandonou a família, os amigos, desenterrou defuntos e tudo mais! Valeu a pena tanto sacrifício para algo tão ridículo?"

Meditei um momento antes de responder, deixando que o silêncio incomodasse por um instante. Então, com sinceridade, disse:

"É curioso como sempre me perguntam sobre o que deixei de fazer para cumprir as exigências da escola. Jamais alguém pergunta sobre os benefícios que obtive. Na verdade, deixei de fazer muito pouco, comparado ao que conquistei. Nas páginas abarrotadas de informações, maquiadas ou não, encontra-se tudo que uma comissão pode desejar ver. Não apenas podem avaliar minha trajetória, mas também fornecer orientações para que eu possa alcançar novos objetivos."

O portfólio tornara-se não apenas um repositório de experiências, mas o manancial de revelações sobre nossa prática. Dele fluía luz, esperança, capricho, esforço e, paradoxalmente, certo conforto. Era como se tivesse se transformado em uma verdade quase absoluta: você é o que é seu portfólio.

E assim seguimos, empilhando papéis, organizando memórias e torcendo para que o futuro, ao menos no relatório final, nos devolva o que gastamos nele: tempo, dedicação e um tanto de fé em um sistema que parece querer nos reduzir a um amontoado de documentos bem apresentados.

O portfólio é uma espécie de Curriculum Vitae expandido, e pedi-lo como requisito para contratar é bastante coerente. Mas para nós, já empregados, eis a verdadeira questão: até que ponto essa compilação de papéis pode realmente refletir a essência de nossa prática docente?

1. Qual a principal contradição apontada no texto entre a necessidade de um portfólio para professores e a dificuldade de resumir a complexidade da experiência docente em documentos?

2. De que forma o texto descreve o processo de criação de um portfólio como uma "arqueologia da própria docência", e qual o significado dessa metáfora?

3. Qual a crítica central do colega da professora em relação ao portfólio, e como a resposta da professora revela uma visão irônica sobre a situação?

4. Além do reconhecimento profissional, que outros significados e simbolismos são atribuídos ao portfólio ao longo do texto?

5. Qual a principal reflexão proposta no final do texto sobre a utilidade do portfólio para professores já empregados, e que tipo de questionamentos essa reflexão suscita?

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quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

EDUCAÇÃO EM CRISE (A ausência dos pais faz aumentar consideravelmente os casos de indisciplina no ambiente escolar.)



EDUCAÇÃO EM CRISE
Por Gedeon Campos

                Os gráficos até podem dizer o contrário, mas a realidade da educação, na prática, não é nada boa. Não é de agora que a formação educacional por aqui vive a cargo exclusivamente das escolas que funcionam com parcos recursos. A família gradativamente vai saindo de cena, afinal, a maioria dos pais vem se limitando à singular responsabilidade de matricular as crianças menores, ainda assim por temer repressão do estado e por causa das ajudas assistenciais do tipo Bolsa Escola, PETI e outras tantas, por sua vez, atreladas à matrícula e à freqüência do aluno. Isso terá agravantes, porque a ausência dos pais faz aumentar consideravelmente os casos de indisciplina no ambiente escolar.
                Mas, se por um lado a formação educacional esbarra na indisposição dos pais em colaborar para a educação dos filhos, por outro, não dispomos de um projeto de educação que seja programa exclusivo do Estado. Por essa razão, o sistema sofre mutações constantes. A falta de propostas consistentes faz o sistema curvar-se diante da (má) vontade política e das organizações que ditam como deve ser a educação brasileira, introduzindo programas absurdos que tendem a desonerar o Estado, dando respostas quantitativas por meio da eliminação de etapas e da aceleração indiscriminada de alunos. O resultado da banalização desses programas é uma coisa insossa, já que o professor normalmente se Vê obrigado a ensinar o que ele não acredita que deve ensinar, limitando-se a disseminar crenças que possam ser consideradas úteis pelo sistema e a jogar para fora do ambiente escolar um sem tanto de homens que, embora “formados”, mal conseguem ler e desenhar o próprio nome. E o pior de tudo é que o professor converte-se, cédula por célula, num servidor cortês passando a executar as ordens de homens que não têm a sua cultura, aliás, de gente que não dispõe da menor experiência com o ofício e que leva o assunto “Educação” na base da propaganda. Talvez seja por isso que os profissionais vivam em constante depressão, já que o princípio geral da educação, como o qual muitos sonharam ao sair da academia, que era o de levar a criança a ler e a escrever contribuindo para sua experiência de mundo, mostra-se completamente distorcido. E o professor, agora um desconhecido a si mesmo, surpreende-se, inculcando a insensatez e o entusiasmo coletivo.
                E, por fim, como se não bastasse, resta um outro agravante relacionado à produção midiática. A indústria cultural brasileira vem se limitando à produção de bordões que são reproduzidos em cadeia de rádio e TV. Essa talvez seja a razão da gente não mais se assustar ao ouvir ou ver um professor no meio de alunos, na hora do recreio, dançando ao som de ritmos do tipo “só as cachorras, as preparadas” e assim por diante, já que a onda do memento parece ser contemporizar, ser light. Mesmo que, para isso, a gente venda nossa disposição de divulgar opiniões e prefira trazer essas besteiras para o contexto escolar. Afinal, está muito dissipada da nossa memória a imagem daquele professor que, em outros tempos, incomodava - ninguém se lembra que Sócrates foi condenado à morte e Platão, trancafiado, em decorrência daquilo que ensinavam – uma vez que o professor de agora não consegue ir além do burocrata que é, envolvido com diários e programas que se apóiam em números e controle das informações contidas nos conteúdos programáticos.
                (FARO, Circulação de idéias, ano I, edição nº 4, maio de 2006).

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

O ENSINO FUNDAMENTAL NAS ESCOLAS PÚBLICAS (Professores amedrontados, humilhados, tentam agradar alunos malcriados.)

Crônica 

O ENSINO FUNDAMENTAL NAS ESCOLAS PÚBLICAS (Professores amedrontados, humilhados, tentam agradar alunos malcriados.)

Por Bariani Ortencio


                Não há aprendizagem sem disciplina nem disciplina sem autoridade. A escola é o canteiro onde nascem as boas e as más sementes. Quem perdoa as pessoas são os castigos. Sem punição não pode haver disciplina e obediência: Educação sem amor; fofa.
                Faço palestras em escolas públicas e particulares, e fico pesaroso em ver a situação da maioria, as públicas, não os colégios militares, que são exemplares, estou denunciando, porém, não censurando quem quer que seja: as denúncias pela imprensa mostram que  o mal está generalizado em todo o País: “48.000 crianças em escolas goianas são analfabetas. 87% estão na rede pública. Faltam 250 mil professores na rede pública, mas e o salário?
                O projeto do cidadão está na escola e, no lar, o ambiente afetivo da criança, onde aprende educação, e como a educação vem de casa, uma parcela de culpa  é dos pais. Permitem a criança no computador pela noite a dentro e o professor acordando o aluno debruçado na carteira. Uns falando ao celular e outros assistindo aulas com o aparelho de som aos ouvidos, alguns prometendo, com palavrões, pegar o professor fora da escola.
                Professores amedrontados, humilhados, tentam agradar alunos malcriados. Pais omissos, diretores e coordenadores sem pulso forte e professores fazendo B.O na polícia. Colocam o filho na escola “pra professora dar um jeito”, achando que o professor (maioria professoras) é obrigado a domar a fera mal educada. E vai por aí, alunos drogados, sem uniformes, alguns vestidos até com deboche. O pior é não ter reprovação, não haver exigência de porcentagem de freqüência: “Lá na escola não pode repetir de ano. Então eu vou passando... João, 16 anos, com graves dificuldades para ler, escrever e fazer contas simples, mas cursa a nona série. Nesse sistema onde números são mais importantes que o ensino, alguém já parou para pensar no futuro destes jovens?” (O POPULAR, 18.8.2008).
                “De todos os assuntos de interesse da sociedade brasileira, o mais urgente é, sem dúvida, o problema da educação básica, primária ou fundamental... Os péssimos resultados colhidos estão aí, constatados e divulgados por organismos nacionais e internacionais especializados em avaliação escolar: os alunos brasileiros do ensino fundamental estão entre os piores do mundo, em matemática, língua portuguesa e ciências. Piores do que nós há somente dois ou três insignificantes países do Caribe e da África... E a escola fundamental continua de mal a pior, com seus concluintes incapazes de redigir um simples bilhete e mal sabendo as quatro operações...” (Lena Castelo Branco – DM, 30.9.2008).

                Nos colégios dirigidos por militares graduados (ambos os sexos) predominam a disciplina e a eficiência. Todos os alunos são uniformizados e se levantam quando o professor entra na sala de aula. No final da palestra a maioria faz perguntas interessantes.

                “A terceira edição do Prêmio Ciências no Ensino Médio, do MEC, premiou duas escolas goianas da rede estadual: uma foi o Colégio da Policia Militar Hugo de Carvalho Ramos, de Goiânia.” (DM, 6.6.2008).

                Não é da nossa intenção ensinar o Pai Nosso ao vigário a ninguém, mas apenas um palpite que julgamos feliz: para todos os males há remédios, e o remédio eficaz, o “santo remédio” para o mal da Educação em nosso País, o caminho certo para colocar a escola pública nos trilhos, é, além da reprovação, o modelo da Escola Militar. Assim teremos aprendizagem com disciplina e disciplina com autoridade. Macktub!
( O POPULAR, Crônicas e Outras histórias, 19.12.2008).
Claudeko
Publicado no Recanto das Letras em 16/01/2011
Código do texto: T2732919

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sábado, 20 de dezembro de 2008

SOU MAIS UMA 'PEDRA NO CAMINHO'! Ainda que fôssemos surdos e mudos como uma pedra, a nossa própria passividade seria uma forma de ação." — Jean-Paul Sartre)



CRÔNICA

SOU MAIS UMA 'PEDRA NO CAMINHO'! Ainda que fôssemos surdos e mudos como uma pedra, a nossa própria passividade seria uma forma de ação." — Jean-Paul Sartre)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Recordo-me de uma tarde na universidade, quando a poesia de Carlos Drummond de Andrade se desnudou diante dos meus olhos. "No meio do caminho tinha uma pedra...", recitava o professor, e a sala inteira parecia suspender a respiração. A simplicidade, a repetição quase obsessiva, e aquele "tinha uma pedra" em vez do formal "havia uma pedra" foram, à época, um escândalo para a imprensa — um grito de liberdade em meio às convenções. Naquele dia, a pedra de Drummond fincou-se não apenas no caminho poético, mas também no meu pensamento, tornando-se metáfora dos dilemas da vida — e, curiosamente, da educação.

O tempo passou, e a vida, com sua sabedoria peculiar, me apresentou muitas pedras e muitos caminhos. Aprendi que, de fato, a maioria dos pensadores aconselha o equilíbrio, o "meio do caminho". E, em geral, sigo esses conselhos. No entanto, há situações — e a educação é uma delas — em que o professor não pode se dar ao luxo de permanecer no centro, parado, impunemente. Há momentos em que estar “em cima do muro” ou “no meio da estrada” é, na verdade, assumir uma postura equivocada.

Certa vez, fui advertido por estar dirigindo minha moto exatamente sobre a faixa central da estrada. O guarda apenas reforçou o que eu já sabia: o DNER gasta milhares de reais por ano para pintar aquela linha — não para que os motoristas trafeguem sobre ela, mas para que saibam onde está o centro e, assim, mantenham-se do lado certo, longe do perigo.

E foi então que a metáfora da pedra de Drummond e a linha da estrada se fundiram no meu pensamento. Assim como nas rodovias, também na educação há uma linha de demarcação clara entre o que é prática coerente e o que é desvio. Professores realmente comprometidos reconhecem essa linha e a preservam com clareza. Recusam-se a aderir a modismos pedagógicos superficiais, sem, no entanto, cair no tradicionalismo inflexível. Nessa busca por equilíbrio e coerência, muitos acabam sendo vistos como pedras no meio do caminho — obstáculos para aqueles que preferem o conforto da indefinição.

Quantas vezes já me vi paralisado, sem saber que direção tomar? As injustiças e os favorecimentos no sistema educacional são tantos! E os alunos, principais vítimas, permanecem ali, diante da “pedra”, sem voz para se posicionar diante das mudanças moldadas por homens de escritório que, sob o pretexto de inovação, tornam-se, eles também, obstáculos ao progresso.

A questão é clara: ou os mestres se posicionam firmemente a favor do que é certo e comprovado, ou a pedra drummondiana seguirá representando metodologias que não apontam caminho algum. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) e os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) são explícitos — não há margem para improvisações irresponsáveis. Não podemos ceder. A comunidade escolar tem o direito de saber o que esperar de nós, professores. Em nossas ações e palavras, não pode haver qualquer traço de incerteza.

Em sala de aula, as "pedras" nem sempre são visíveis, mas sentimos seu peso diariamente: a obrigatoriedade de aprovar alunos que mal frequentam as aulas, a pressão por avaliações “inclusivas” que esvaziam o rigor do conteúdo, ou os projetos pedagógicos impostos de cima para baixo, por gestores que nunca pisaram em um pátio escolar. São situações concretas que desorientam o educador e o empurram para a passividade. Diante disso, é preciso mais do que crítica — é urgente propor. Criar espaços de escuta entre professores, revisar práticas avaliativas com o coletivo docente e exigir formação continuada com sentido pedagógico são passos possíveis para transformar o que hoje paralisa. Afinal, resistir também é construir.

Hoje, ao refletir sobre tantos anos em sala de aula, percebo que a “pedra no meio do caminho” é, na verdade, um convite constante à reflexão e ao posicionamento. Não podemos nos permitir a tibieza diante dos desafios. A educação exige coragem para seguir por caminhos firmes, mesmo que isso signifique confrontar o conformismo. É nossa responsabilidade manter livre a estrada do conhecimento, para que nossos alunos avancem sem desvios, sem ambiguidades.

Que sejamos faróis, e não pedras.

O texto que acabamos de ler nos faz pensar sobre escolhas, posicionamento e o papel da educação na nossa sociedade. A metáfora da "pedra no meio do caminho" de Drummond é perfeita para refletirmos sobre dilemas sociais. Vamos lá, peguem seus cadernos e respondam a estas questões de Sociologia!

1 - O texto aborda a ideia de que, na educação, o professor não pode ficar "em cima do muro" ou "no meio da estrada". Considerando o papel social dos educadores, explique por que o posicionamento claro é fundamental para a formação dos alunos e para a construção de uma sociedade mais justa.

2 - A crônica compara a linha divisória de uma estrada com a "linha de demarcação entre a má e a boa educação". Discuta como as normas sociais e os valores éticos servem como "linhas" que orientam o comportamento humano nas diferentes esferas da vida, incluindo o ambiente escolar.

3 - O autor menciona que "homens de escritório" moldam mudanças na educação que podem se tornar "pedras" para os alunos. De que forma o texto critica a burocratização e a tomada de decisões centralizada na educação, e como isso pode afetar a prática pedagógica e o desenvolvimento dos estudantes?

4 - A LDBEN e os Parâmetros Curriculares são citados como guias para a educação, sem "lugar para compromisso com a 'lambança'". Explique o conceito de instituições sociais (como a LDBEN e o PCN) e como elas tentam organizar e regular as práticas educacionais para garantir a qualidade do ensino.

5 - A crônica finaliza com a frase: "Que sejamos faróis, e não pedras". Relacione essa afirmação com o papel do professor como um agente de mudança social. Como um educador pode atuar como "farol", orientando os alunos e a comunidade, em vez de se tornar um "pedra" que impede o progresso?

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sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

UM LÍDER PRUDENTE FAZ PRIMEIRO ("Toma para ti o conselho que dá aos outros." — Tales de Mileto)

CRÔNICA

UM LÍDER PRUDENTE FAZ PRIMEIRO ("Toma para ti o conselho que dá aos outros." — Tales de Mileto)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Prudêncio. Ainda me lembro dele, um gestor escolar que parecia carregar nos ombros não só a responsabilidade pela escola, mas o fervor de quem acreditava na força transformadora do conhecimento. Suas reuniões pedagógicas não eram encontros enfadonhos, repletos de informes burocráticos e resoluções apressadas. Não, com Prudêncio, cada reunião era um convite ao deslumbramento. Ele trazia consigo livros recém-descobertos, tratados que acabara de devorar, e fazia dessas leituras um convite para todos. Professores e funcionários saíam dessas conversas impregnados pelo entusiasmo de Prudêncio, que não apenas falava de educação, mas vivia para ela.

Houve um momento marcante em que um professor, desgastado por conflitos com um colega, viu Prudêncio intervir de forma surpreendente. Não houve advertências, ameaças de transferência ou redução de carga horária. Prudêncio, com sua serenidade habitual, sugeriu um livro. Não era uma solução comum, mas um mergulho na complexidade das relações humanas. Foi mais que um gesto; foi um exemplo de como a leitura pode ser um remédio para as feridas mais sutis. Essa abordagem sensível e intelectualmente rica deixava claro que Prudêncio via o saber como ponte, não como arma.

Mas o tempo passou, e essa sede de aprendizado parece ter se perdido. Hoje, vejo as “paradas pedagógicas” substituírem os cursos de capacitação de outrora, mas sem o mesmo brilho. O foco se deslocou para pautas burocráticas, enquanto o estímulo ao conhecimento foi relegado ao segundo plano. Há uma ausência gritante de debates significativos, de leituras compartilhadas, de trocas que possam realmente moldar o trabalho em sala de aula.

O cheiro de livro novo, aquele que Prudêncio tanto prezava, parece ter sido trocado por uma apatia coletiva. Mais do que nunca, sinto que os professores da escola pública precisam se reconectar com os livros, com o que há de mais novo e transformador em nossa profissão. Não se trata de acumular diplomas ou recorrer a fontes duvidosas; trata-se de buscar a sabedoria genuína, aquela que não só informa, mas transforma.

Recordo-me de uma frase lida em um dos livros que Prudêncio tanto recomendava: “É muito infeliz o líder de um povo pobre.” E essa pobreza, no contexto educacional, não se restringe à falta de recursos materiais; ela é uma pobreza de estímulo, de curiosidade, de envolvimento.

Acredito que é preciso mais do que lamentos; é preciso ação. Imagino o corpo docente se reunindo, não por obrigação, mas por paixão, para discutir livros, compartilhar experiências e buscar soluções. No lugar de conversas superficiais e informes de última hora, encontros produtivos, onde a educação ganhe o protagonismo que merece. Deixem o corriqueiro por conta das redes sociais.

Sonho com o retorno daquele entusiasmo que Prudêncio inspirava, um fervor que não dependia de discursos pomposos, mas de gestos simples e eficazes, como abrir um livro. Ele nos mostrava que só o conhecimento dá poder e que a sabedoria nasce na troca, no diálogo, na soma das experiências.

Se os desafios da educação recaem sobre os professores, que sejamos nós os agentes de nossa transformação. Que as palavras de Salomão ecoem em nossas práticas: “Na multidão dos conselhos há sabedoria.” E que, com o apoio de gestões visionárias como a de Prudêncio, possamos renovar o que a educação tem de mais essencial: a capacidade de despertar o melhor em cada um de nós.


Como um bom professor de sociologia do Ensino Médio, preparei 5 questões discursivas no formato de pergunta simples sobre os temas principais do texto:


1. Como o texto descreve a figura de Prudêncio e qual a importância de sua atuação para a comunidade escolar?

2. De que forma o texto contrapõe as práticas pedagógicas da época de Prudêncio com as observadas no presente?

3. Qual a crítica central do autor em relação à substituição dos cursos de capacitação pelas "paradas pedagógicas"?

4. Segundo o texto, qual a relação entre a falta de estímulo ao conhecimento e a "pobreza" no contexto educacional?

5. Que proposta o autor apresenta para a melhoria do ambiente escolar e o resgate do entusiasmo pelo aprendizado?

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QUANDO FRACO, FORTE ("Uma resposta branda aplaca a ira, palavra ferina atiça a cólera”. (Pv 15:1 BJ)



CRÕNICA



QUANDO FRACO, FORTE ("Se lhe tomarem a camisa, dê também a eles o casaco" — Jesus)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Era uma tarde de outono quando o sinal tocou, anunciando o fim de mais um dia letivo. Trinta anos de magistério pesavam sobre meus ombros, mas nada me preparara para a lição que estava prestes a aprender. Com a semana de avaliações se aproximando e a habitual tensão no ar, decidi elaborar uma prova diferente, algo que realmente desafiasse meus alunos - duas páginas repletas de questões objetivas, dignas de um vestibular.

O obstáculo surgiu quando constatei que a escola não tinha recursos para imprimir tantas cópias. Desenvolvi então uma solução: cobrar vinte e cinco centavos por prova, quando o custo real era de vinte. Os cinco centavos excedentes serviriam para cobrir aqueles que não pudessem pagar. Para estimular a participação, estabeleci uma condição: quem não pagasse teria que copiar a prova à mão, mesmo sabendo que isso seria impossível no tempo disponível.

A aplicação da prova mal começara quando uma aluna me abordou, educada, mas direta: "Professor, se quem não pagar vai ter que copiar a prova, eu só vou pagar vinte centavos." Sua voz soou firme, seus olhos brilhando com uma mistura de desafio e indignação. Engoli em seco, percebendo que minha estratégia havia se voltado contra mim.

No segundo ano "D", tentando melhorar o rendimento da turma, estabeleci que a prova seria feita em duplas - uma pequena mudança visando tornar o processo mais leve e colaborativo. Mas, como é característico do ambiente escolar, nada passa despercebido.

Dias depois, Janaína, do 2º C, me interpelou no corredor: "O senhor devolveu o dinheiro para as duplas do 2º D? Eles usaram menos provas!" Sua voz carregava uma acusação velada, como se eu fosse um criminoso prestes a ser desmascarado. Enquanto explicava que cada aluno recebera sua cópia para rascunho, uma reflexão me ocorria: por que se importavam tanto com algumas moedas que poderiam me sobrar, mas não se preocupavam com a possibilidade de eu ter prejuízo?

Naquela noite, recostado em minha poltrona gasta, recordei as palavras de um colega mais experiente: "É o espírito de cidadania que tanto pregamos", ele dissera com um sorriso irônico. Seria realmente isso? Ou estaríamos formando uma geração de fiscais implacáveis, prontos para apontar o dedo ao menor sinal de injustiça, real ou imaginária?

Em busca de conforto, abri minha velha Bíblia e li em voz baixa: "Se lhe baterem numa face, apresente a outra também". A sabedoria milenar parecia dialogar com minha situação contemporânea. Ser professor, compreendo agora, é vivenciar essas palavras diariamente. As críticas, as cobranças e os pequenos ataques disfarçados de justiça são, frequentemente, oportunidades de praticar o que ensinamos.

Com o passar dos dias, percebi que aqueles centavos devolvidos haviam transcendido a questão financeira, tornando-se símbolos de confiança e respeito mútuo entre professor e aluno. Cada moeda carregava o peso das expectativas, das frustrações e dos sonhos daqueles jovens.

Em retrospecto, entendo que a verdadeira lição não estava na prova elaborada, mas nas reações que ela provocou. Aprendi que o custo de nossas ações frequentemente ultrapassa o valor monetário, e que cada decisão que tomamos como educadores repercute na vida de nossos alunos de maneira imprevisíveis.

Educação, afinal, transcende o ensino de conteúdo. Trata-se de demonstrar, através de pequenas atitudes, como enfrentar as injustiças da vida. E se, por vezes, esses ensinamentos passam despercebidos pelos alunos, mantenho a convicção de que um dia, ao enfrentarem seus próprios dilemas, as lições que vivemos juntos ecoarão em suas memórias.

Enquanto isso, carrego minhas cicatrizes, tanto físicas quanto emocionais, reconhecendo-as como parte intrínseca de minha missão. Ao fechar a porta da sala de aula, levo comigo a certeza de que, mais do que provas ou notas, o que verdadeiramente importa são os laços que se formam e as lições que se perpetuam. Afinal, que outro ofício no mundo poderia me ensinar tanto quanto este?

Na semana seguinte, ao final da aula, Vinícius se aproximou e disse em tom quase cúmplice: “Professor, eu achei justo o que o senhor fez. Nem todo mundo tem vinte e cinco centavos sobrando.” Em seguida, foi a vez de Ana Luíza comentar, sorrindo: “Mas eu prefiro copiar a prova, viu? Quem sabe assim aprendo mais.” Foram falas simples, mas carregadas de significado. Nesses momentos, percebi que, apesar das tensões, há esperança. Há alunos atentos, sensíveis, capazes de entender que por trás de cada regra há também um educador tentando acertar. E quando a escuta se abre, o vínculo floresce — mesmo entre as cicatrizes.

E você, caro leitor, já refletiu sobre o verdadeiro preço de suas ações? Quantas moedas de confiança e respeito você tem acumulado ou perdido ao longo do caminho? Talvez seja hora de fazermos nossas próprias contas, não com centavos, mas com os valores que realmente importam.




Com base no texto apresentado, proponho as seguintes questões para uma discussão em sala de aula, explorando os temas da educação, ética e relações interpessoais:


1 - O texto apresenta um conflito entre a necessidade de recursos e a ética profissional. Como o professor poderia ter resolvido a situação de forma mais adequada?


2 - A atitude dos alunos, tanto na cobrança dos vinte e cinco centavos quanto na acusação de fraude, revela quais valores e expectativas em relação ao professor?


3 - O autor reflete sobre o papel do professor como modelo. Quais valores éticos e morais devem ser transmitidos aos alunos através do exemplo?


4 - O texto aborda a questão da confiança na relação professor-aluno. Como construir e manter essa confiança em um ambiente escolar?


5 - Qual o impacto das atitudes dos alunos na motivação e no bem-estar do professor? Como os professores podem lidar com situações de desrespeito e ingratidão?