Na escola onde leciono, vez ou outra nasce uma estrela. Um brilho discreto, mas constante, que se destaca em meio ao breu da indiferença e da preguiça que, infelizmente, vem se tornando regra. Este ano, ela estava ali, sentada na terceira carteira da fileira do meio, com os olhos atentos e cadernos impecáveis. Inteligente, curiosa, disciplinada. Como não notar?
Pensei que poderia usar aquele talento a favor de todos. Talvez, se eu a elogiasse publicamente, os outros sentissem vontade de imitá-la — e assim se elevassem também. Comecei a fazer isso com naturalidade: destacava suas respostas bem elaboradas, exibia seus trabalhos, associava seu esforço a grandes exemplos de superação. Queria apenas inspirar. Ingenuidade minha.
O efeito foi o contrário. A turma, ao invés de se motivar, armou trincheiras. A inveja, que sempre se esconde nas sombras, se alastrou como mofo nos cantos de um porão esquecido. Os apelidos vieram: “puxa-saco”, “nerd”, “CDF”. E os risos abafados se tornaram zombarias abertas. A perseguição crescia, sutil, mas cruel. E não tardou para que os pais entrassem em cena. Uma mãe me procurou com ares de acusação, dizendo que sua filha estava se sentindo discriminada porque eu elogiava demais a colega. Sem saber se exigia justiça ou privilégio, exigiu que eu parasse.
Foi ali que compreendi o novo jogo: o mérito é perigoso. Ele desestabiliza a falsa harmonia onde todos fingem igualdade, mesmo sem esforço igual. E quem ousa reconhecer os merecedores vira ameaça. Acusaram-me de desprezar os demais, quando, na verdade, eu apenas apontei para um farol em meio à neblina. A recompensa pelo meu zelo foi o silêncio constrangido da coordenação e a clara mensagem: cale-se.
Enquanto isso, os bons pais — aqueles cujos filhos brilham pelo esforço — raramente aparecem. Talvez achem que tudo está bem. Mas os que vêm, com frequência, são os que buscam culpados para as falhas de seus filhos. A escola virou tribunal, e o professor, réu sem direito de defesa.
Recentemente, a aula foi interrompida por uma confusão absurda. Uma menina, do sexto ano, exibiu um vídeo íntimo, gravado em casa. Gargalhadas, provocações, gritaria. E lá estávamos nós, professores, tentando separar brigas, apaziguar ânimos, resolver o que nunca foi nossa atribuição. A coordenadora correu de um lado ao outro, buscando culpados, como se fosse possível resolver uma ferida social com advertências. Enquanto isso, o conteúdo previsto ficou para depois — ou para nunca.
Diante de tudo isso, muitos professores baixam o nível da aula. Querem sobreviver. Querem manter a paz. Preferem agradar a todos, ainda que sacrifiquem os bons alunos, que ficam à margem, desperdiçando tempo, revendo o que já dominam. E aquela minha aluna, a brilhante, de cabelos longos e olhar firme, fala agora em mudar de escola. Cansou de ser o alvo. A luz incomoda.
E eu me pergunto: o que será da educação pública sem os seus luzeiros?
Quem ficará para manter aceso o pouco que ainda nos resta?
A perseguição ao mérito tem efeitos devastadores sobre os estudantes talentosos. Quando o esforço é ridicularizado e a excelência se torna motivo de escárnio, os mais dedicados aprendem cedo a esconder seu brilho para sobreviver. Sentem-se deslocados, culpados por se destacarem, e acabam abafando seus dons em nome de uma aceitação superficial. Essa inversão de valores não apenas silencia talentos individuais, mas molda gerações inteiras a rejeitar a superação, trocando o desafio pelo conformismo. Aos poucos, aprender deixa de ser conquista e passa a ser castigo. E assim, o futuro se constrói sobre a areia movediça da mediocridade consentida.
Por isso, imploro — sim, imploro — aos bons pais: venham à escola. Defendam seus filhos, mas também nos apoiem. Encorajem os professores que se dedicam, que resistem. Não deixem que o silêncio dos bons seja cúmplice do barulho dos maus. Pois, como diz a sabedoria antiga: “Chega-te aos bons, serás um deles; chega-te aos maus, serás pior do que eles.”
https://www.bahianoticias.com.br/justica/noticia/58892-colegio-adventista-e-condenado-a-indenizar-aluna-em-r-12-mil-por-pratica-de-bulliyng.html (Acessado em 20/06/2025)
Minha crônica é um poderoso desabafo sobre os desafios da educação contemporânea, a inversão de valores e a desvalorização do mérito no ambiente escolar. Ela aborda a frustração de um professor que, ao tentar estimular a excelência, se depara com a intolerância, a inveja e a incompreensão, resultando na desmotivação dos alunos dedicados e no esgotamento dos educadores. Como seu professor de sociologia, preparei cinco questões discursivas simples, baseadas nas ideias principais de minha crônica, para aprofundar as discussões sobre esses temas.
1 - A crônica descreve como o elogio a uma aluna exemplar gerou inveja e perseguição por parte dos colegas. Do ponto de vista da Sociologia da Educação, como a cultura escolar e as dinâmicas de grupo podem influenciar a percepção do mérito e do esforço individual, e de que forma a rivalidade ou a pressão por conformidade podem inibir o desenvolvimento da excelência?
2 - O autor se depara com pais que acusam o professor de "discriminação" por elogiar alunos destacados, enquanto os pais de alunos exemplares permanecem ausentes. Com base na Sociologia da Família e da Escola, como as diferentes expectativas e papéis dos pais em relação à educação de seus filhos podem gerar conflitos com a prática pedagógica, e quais as implicações da ausência de apoio para os professores?
3 - O texto evidencia a perda da autonomia e autoridade do professor, que se vê obrigado a "calar-se" e a resolver problemas que extrapolam sua função acadêmica, como brigas e questões de comportamento. Sob a ótica da Sociologia das Profissões, como a sobrecarga de funções e a desvalorização do saber técnico-pedagógico podem levar ao esgotamento docente e à perda de foco na missão principal da escola?
4 - A crônica menciona que muitos professores "baixam o nível da aula" para "agradar a todos" e "manter a paz", sacrificando o aprendizado dos alunos mais dedicados. Utilizando conceitos da Sociologia do Currículo Oculto e da Sociologia Crítica da Educação, discuta como a busca por conformidade e a evitação de conflitos podem inadvertidamente prejudicar a qualidade do ensino e a motivação dos estudantes que buscam desafios intelectuais.
5 - O autor expressa a angústia sobre o que será da "educação pública sem os seus luzeiros", referindo-se aos alunos brilhantes que pensam em sair da escola por perseguição. Com base na Sociologia das Desigualdades Educacionais, analise como a falta de um ambiente que valorize o mérito e o esforço pode contribuir para a evasão de talentos do sistema público de ensino, impactando negativamente o futuro da sociedade.