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MINHAS PÉROLAS

sexta-feira, 20 de junho de 2025

Avaliação Formativa: A Sala Julgadora ("Quando os mais velhos não ensinam, os mais novos não aprendem. Quando os mais novos não aprendem, a sabedoria morre." — Provérbio Africano)

 


Avaliação Formativa: A Sala Julgadora ("Quando os mais velhos não ensinam, os mais novos não aprendem. Quando os mais novos não aprendem, a sabedoria morre." — Provérbio Africano)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Houve um tempo em que o ofício de ensinar parecia uma fortaleza sólida, erguida sobre os alicerces do conhecimento e da autoridade conquistada com o tempo. Hoje, porém, essa estrutura parece ruir, tijolo por tijolo, sob o peso de um tempo que embaralha hierarquias e desfigura papéis. Eu, professor de Língua Portuguesa, dividindo meus dias entre os desafios do Ensino Médio e os primeiros passos dos sextos e sétimos anos do Fundamental, recebi uma notícia que me gelou a espinha: meus alunos — sim, aqueles que ainda tropeçam nas vírgulas e se perdem entre os “porquês” — seriam meus avaliadores.

No primeiro instante, um riso nervoso me escapou. Pensei em algo inocente, quase lúdico: “Você gosta do professor?”, “A aula dele é divertida?”. Mas a realidade, sempre mais amarga do que cômica, não tardou a mostrar sua face. Nada de perguntas leves. As mesmas crianças que ainda lutam para compreender um enunciado estariam encarregadas de avaliar meu “domínio do conhecimento”, minha capacidade de “contextualizar o conteúdo”, a “inovação” de minha metodologia e até minha “gestão de sala de aula”. A ironia caiu sobre mim como um raio: eu, com três décadas de experiência em sala, seria julgado por quem mal deu os primeiros passos na alfabetização da vida.

A cena me parecia absurda. Crianças e adolescentes, ainda imersos nas próprias descobertas e, sejamos francos, muitas vezes desafiadores quanto à disciplina, agora detinham o poder de medir o desempenho de quem os conduz. E pior: esse julgamento viria acompanhado de cobrança. “Sua didática não está boa.” “Sua metodologia não agrada.” “Eles não gostam de você.” O sistema, sem rosto e sem escuta, emitiria um parecer com base em opiniões de quem ainda busca compreender o mundo.

O desalento aumentou quando antevi o próximo passo: a avaliação das famílias. Não me surpreenderia se, em breve, o governo enviasse questionários aos lares, acrescentando mais uma camada de julgamento à profissão já tão desvalorizada. Após 32 anos de dedicação, ser avaliado por uma criança de 11 e ter de prestar contas disso é uma humilhação difícil de digerir.

E como se não bastasse, a tal “avaliação formativa” estendia-se também aos colegas. Sim, avaliaríamos uns aos outros. Mas como posso eu, Claudeko, professor de Português, julgar a prática de uma colega de Geografia cuja aula nunca assisti? Como avaliar sua contextualização, seu domínio, sua gestão de sala, se mal nos cumprimentamos nos corredores? Essa tarefa caberia aos coordenadores, pois é obrigação deles, que acompanham nossas aulas, conhecem nossos métodos, observam nossa lida cotidiana. Esperar que entre pares façamos esse tipo de julgamento é, no mínimo, um equívoco institucional.

Sinto, com um amargor difícil de nomear, que vivemos uma inversão. A experiência, que um dia foi trunfo, agora é vista com suspeita — quase um incômodo. O tempo da escola virou palco de um teatro dissonante, onde os atores não sabem mais quem são e o roteiro parece ter sido escrito por mãos inexperientes.

É o fim de uma era. E no crepúsculo dessa vocação que sempre me moveu, o que resta é a angústia de quem ainda acredita na educação, mesmo quando o mundo ao redor insiste em desfigurá-la.




Minha crônica expressa uma profunda frustração e desilusão com as transformações no sistema educacional, a desvalorização da experiência e a inversão de papéis e hierarquias na docência. Como seu professor de sociologia, preparei cinco questões discursivas e simples para aprofundar nas ideias tratadas em meu texto.


1 - A crônica descreve a escola como uma "fortaleza" que "parece ruir", com a autoridade do professor sendo questionada por avaliações dos próprios alunos. Do ponto de vista da Sociologia da Educação, como a reconfiguração das hierarquias e a crise da autoridade docente impactam o processo de ensino-aprendizagem e a dinâmica em sala de aula?


2 - O autor se sente humilhado por ser avaliado por crianças de 11 e 12 anos, que ele percebe como ainda em desenvolvimento de habilidades básicas de interpretação. Com base na Sociologia da Infância e da Adolescência, como a expectativa de que crianças e adolescentes avaliem o desempenho de seus professores pode ser vista como uma inversão de papéis, e quais os possíveis impactos dessa prática na relação pedagógica e na percepção do aluno sobre a escola?


3 - A crônica menciona a previsão de que as famílias também avaliarão os professores, somando-se à desvalorização da profissão. Sob a ótica da Sociologia das Profissões e do Trabalho, como a pressão por accountability (responsabilização) por parte de diferentes atores sociais (alunos, famílias, governo) afeta a autonomia profissional do educador e sua percepção de valor social?


4 - O texto critica a avaliação entre pares, questionando como avaliar um colega de outra área sem acompanhar seu trabalho diário. Do ponto de vista da Sociologia das Organizações e da Sociologia do Trabalho, discuta os desafios de modelos avaliativos que não consideram a complexidade das interações profissionais e a especificidade de cada área de conhecimento, especialmente em um ambiente como a escola.


5 - A crônica expressa um sentimento de que a "experiência, que um dia foi trunfo, agora é vista com suspeita — quase um incômodo". Com base na Sociologia das Gerações e do Conhecimento, como as rápidas mudanças sociais e tecnológicas podem levar à desvalorização do conhecimento acumulado e da experiência dos profissionais mais antigos, gerando um "teatro dissonante" na educação?

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