- Educação: reprovada’, um artigo de Lya Luft
- TEXTO PUBLICADO NA REVISTA VEJA DESTA SEMANA Lya Luft Há quem diga que sou otimista demais. Há quem diga que sou pessimista. Talvez eu tente apenas ser uma pessoa observadora habitante deste planeta, deste país. Uma colunista com temas repetidos, ah, sim, os que me impactam mais, os que me preocupam mais, às vezes os […]
- Por Augusto Nunes Atualizado em 31 jul 2020, 10h47 - Publicado em 13 set 2011, 19h32
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- Lya Luft
- Há quem diga que sou otimista demais. Há quem diga que sou pessimista. Talvez eu tente apenas ser uma pessoa observadora habitante deste planeta, deste país. Uma colunista com temas repetidos, ah, sim, os que me impactam mais, os que me preocupam mais, às vezes os que me encantam particularmente. Uma das grandes preocupações de qualquer ser pensante por aqui é a educação. Fala-se muito, grita-se muito, escreve-se, haja teorias e reclamações. Ação? Muito pouca, que eu perceba. Os males foram-se acumulando de tal jeito que é difícil reorganizar o caos.
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- Há coisa de trinta anos, eu ainda professora universitária, recebíamos as primeiras levas de alunos saídos de escolas enfraquecidas pelas providências negativas: tiraram um ano de estudo da meninada, tiraram latim, tiraram francês, foram tirando a seriedade, o trabalho: era a moda do “aprender brincando”. Nada de esforço, punição nem pensar, portanto recompensas perderam o sentido. Contaram-me recentemente que em muitas escolas não se deve mais falar em “reprovação, reprovado”, pois isso pode traumatizar o aluno, marcá-lo desfavoravelmente. Então, por que estudar, por que lutar, por que tentar?
- De todos os modos facilitamos a vida dos estudantes, deixando-os cada vez mais despreparados para a vida e o mercado de trabalho. Empresas reclamam da dificuldade de encontrar mão de obra qualificada, médicos e advogados quase não sabem escrever, alunos de universidades têm problemas para articular o pensamento, para argumentar, para escrever o que pensam. São, de certa forma, analfabetos. Aliás, o analfabetismo devasta este país. Não é alfabetizado quem sabe assinar o nome, mas quem o sabe assinar embaixo de um texto que leu e entendeu. Portanto, a porcentagem de alfabetizados é incrivelmente baixa.
- Agora sai na imprensa um relatório alarmante. Metade das crianças brasileiras na terceira série do elementar não sabe ler nem escrever. Não entende para o que serve a pontuação num texto. Não sabe ler horas e minutos num relógio, não sabe que centímetro é uma medida de comprimento. Quase a metade dos mais adiantados escreve mal, lê mal, quase 60% têm dificuldades graves com números. Grande contingente de jovens chega às universidades sem saber redigir um texto simples, pois não sabem pensar, muito menos expressar-se por escrito. Parafraseando um especialista, estamos produzindo estudantes analfabetos.
- Naturalmente, a boa ou razoável escolarização é muito maior em escolas particulares: professores menos mal pagos, instalações melhores, algum livro na biblioteca, crianças mais bem alimentadas e saudáveis – pois o estado não cumpre o seu papel de garantir a todo cidadão (especialmente a criança) a necessária condição de saúde, moradia e alimentação.
- Faxinar a miséria, louvável desejo da nossa presidenta, é essencial para nossa dignidade. Faxinar a ignorância – que é uma outra forma de miséria – exigiria que nos orçamentos da União e dos estados a educação, como a saúde, tivesse uma posição privilegiada. Não há dinheiro, dizem. Mas políticos aumentam seus salários de maneira vergonhosa, a coisa pública gasta nem se sabe direito onde, enquanto preparamos gerações de ignorantes, criados sem limites, nada lhes é exigido, devem aprender brincando. Não lhes impuseram a mais elementar disciplina, como se não soubéssemos que escola, família, a vida sobretudo, se constroem em parte de erro e acerto, e esforço. Mas, se não podemos reprovar os alunos, se não temos mesas e cadeiras confortáveis e teto sólido sobre nossa cabeça nas salas de aula, como exigir aplicação, esforço, disciplina e limites, para o natural crescimento de cada um?
- Cansei de falas grandiloquentes sobre educação, enquanto não se faz quase nada. Falar já gastou, já cansou, já desiludiu, já perdeu a graça. Precisamos de atos e fatos, orçamentos em que educação e saúde (para poder ir a escola, prestar atenção, estudar, render e crescer) tenham um peso considerável: fora isso, não haverá solução. A educação brasileira continuará, como agora, escandalosamente reprovada.
Foi num domingo qualquer — desses em que o corpo vaga por inércia e o espírito busca algum sentido entre vitrines luminosas — que me deparei com meu reflexo: partido, hesitante, entre manequins de juventude plástica e promoções gritantes. Ali, no vidro de uma loja de moda descolada, meu rosto pareceu mais pálido sob a luz artificial. Uma mecha grisalha saltava como uma bandeira de rendição silenciosa ao tempo que avança. Mas o que realmente me paralisou, naquele instante, não foi o que vi de mim — e sim de um outro.
Ele devia ter setenta anos, talvez mais. Usava uma calça rasgada no joelho, daquelas fabricadas para parecer rebeldia; tênis de sola grossa; camiseta estampada com o nome de uma banda da qual, suspeito, jamais ouvira uma música. No sorriso, um aparelho metálico reluzente. No cabelo, o preto azulado de uma tinta impaciente. E no olhar... um esforço. Um esforço quase infantil, doloroso, de permanecer onde a marcha do tempo já o havia retirado. Aquela imagem me atravessou como uma flecha, despertando um desconforto mudo.
Voltei para casa com aquela cena grudada na retina. Algo ali me inquietava profundamente — mas não era desprezo. Era uma tristeza silenciosa diante da tentativa de interromper a marcha natural do tempo com adereços e disfarces. Era como se a juventude ainda estivesse logo ali, numa prateleira acessível, bastando apenas alcançá-la com os objetos certos. Aquela cena se somou a outras que, confesso, me causam uma espécie de repulsa velada, uma abominação: um idoso que insiste em usar aparelho nos dentes, um homem com os cabelos brancos tingidos de um preto irreal, um comportamento de adolescente desajustado manifestado em plena sala de aula da EJA. São disfarces, pensei, que não combinam com a sabedoria que a idade deveria trazer — reforçam apenas os efeitos visíveis da corrosão de um modismo inadequado em um ser humano cuja personalidade parece flutuar, sem porto seguro na própria aceitação.
Na manhã seguinte, entre um gole de café e outro parágrafo sobre Fibonacci — sim, ele mesmo, o matemático que desvendou a beleza nas proporções perfeitas da natureza —, senti que tudo se encaixava de forma desconcertante. A natureza, com sua harmonia espontânea e seu ciclo inexorável, nunca precisou de retoques para ser bela. A beleza verdadeira, como sussurram os textos antigos e a matemática das formas, é a que se revela no estado natural, no equilíbrio das proporções, na conformidade com o que se é. No entanto, andamos criando outra matemática estranha para o corpo: a do disfarce, a da negação do tempo. E, nessa fórmula enviesada, a sinceridade parece ter sido substituída pelo artifício, o natural pelo artificial. A sensação é que, onde a beleza exterior se torna uma obsessão fabricada, a beleza interior e a saúde plena se esvaem.
Dias depois, entre as cadeiras enfileiradas de uma sala da EJA, reencontrei o oposto daquele senhor que vi na vitrine. Outro homem, talvez da mesma idade, mas de postura inteiramente distinta. Cabelos brancos assumidos com dignidade, olhar sereno, presença discreta e atenta. Participava da aula com interesse genuíno — sem piadas forçadas, sem tentativas de agradar quem ainda coleciona vinte e poucos anos. Em seus gestos, em seu silêncio, havia algo raro e luminoso: a dignidade tranquila de quem aceita o tempo.
Foi então que compreendi com clareza dolorosa. Não era o aparelho no sorriso do primeiro homem, nem a calça rasgada que me incomodavam em si. Era o vazio que tais objetos tentavam, em vão, preencher. Era a negação da própria história, das marcas conquistadas pelo tempo, em nome de um papel que já não lhe cabia mais. Quando foi que, enquanto sociedade, começamos a ter vergonha do tempo? Em que ponto da caminhada decidimos que a juventude era um prêmio a ser preservado a qualquer custo — e que a velhice, uma falha a ser escondida? O corpo muda, sim — e precisa mudar, seguindo seu curso natural. Mas a alma que se recusa a amadurecer junto com o corpo adoece num silêncio barulhento, que se manifesta em disfarces inadequados.
Conhecer-se — como ensinavam os antigos no templo de Apolo, como sussurram as filosofias ancestrais — é mais do que um exercício intelectual ou filosófico: é um pacto de aceitação profunda consigo mesmo. E aceitar-se plenamente, sem adornos artificiais que neguem o que se é em cada fase da vida, talvez seja o primeiro e mais fundamental passo para usufruir de saúde plena, de uma vida mais leve, mais autêntica, mais verdadeiramente feliz. Porque o tempo, compreendi, não é inimigo a ser combatido ou enganado. Ele é o grande escultor da existência. E cada ruga, cada fio branco, cada silêncio mais demorado é matéria-prima preciosa dessa obra de arte única que somos nós. Quem se reconhece no espelho, sem tentar apagar as marcas que a vida e o tempo traçaram, descobre uma beleza que não se compra em lojas, nem se mede em padrões externos — essa beleza só se sente e irradia de dentro para fora.
Hoje, ao olhar para meu próprio reflexo — e para a mecha grisalha que um dia me incomodou —, prometo a mim mesmo, com serenidade e convicção: quando meus cabelos forem todos brancos, não os tingirei. Não por orgulho ou por uma vaidade invertida, mas por respeito profundo à estrada percorrida, às experiências vividas que cada fio branco carrega em si. Quero que cada passo vivido tenha voz no meu rosto, no meu corpo, na minha postura diante do mundo. E se o espelho, no futuro, me mostrar um velho, que seja um velho feliz, um velho inteiro, um velho verdadeiro — que encontrou a beleza plena na aceitação de si mesmo. Que essa seja a verdadeira arte de envelhecer.
Minha crônica, "Espelhos Que Não Mentem", oferece um olhar sociológico muito rico sobre as pressões sociais relacionadas à beleza, ao envelhecimento e à autenticidade. Com base nas minhas reflexões, preparei 5 questões discursivas simples para aprofundarmos esses temas:
1. O texto contrasta diferentes "padrões de beleza" (Bíblico, Fibonacci/natureza, modismo atual) e critica a busca por parecer mais jovem. Como a Sociologia entende que os padrões de beleza são construções sociais e históricas, e de que forma esses padrões influenciam a maneira como as pessoas, em diferentes idades, percebem a si mesmas e aos outros?
2. O narrador observa idosos que buscam disfarçar os sinais da idade com roupas, tinturas de cabelo ou procedimentos. Sob a perspectiva da Sociologia do Envelhecimento, quais são as pressões sociais que levam indivíduos a tentar mascarar o envelhecimento na sociedade contemporânea e como isso se relaciona com a valorização da juventude?
3. A crônica distingue entre "disfarces que não combinam" e a "dignidade tranquila de quem aceita o tempo". Como a Sociologia analisa a busca por autenticidade e a performance social, e de que forma a aparência e o comportamento podem ser vistos como formas de apresentar uma identidade social?
4. O texto menciona a influência do "modismo inadequado" e a ideia de que a juventude parece estar "numa prateleira acessível". De que maneira a indústria da moda e do consumo contribui para a criação e manutenção de padrões de beleza e para a pressão por consumir produtos e serviços que prometem a aparência jovem?
5. O narrador conclui que "aceitar-se plenamente" é fundamental para a "saúde plena" e a felicidade. Como a Sociologia compreende a relação entre a autoaceitação, a identidade pessoal e as expectativas sociais, e por que a não conformidade com certos padrões pode ser um ato de resistência individual?






