A Verdadeira Construção da Autoestima ("Mar calmo nunca fez bom marinheiro." — Provérbio popular)
Naquela manhã comum, vi um garoto se olhar no espelho do banheiro da escola. Nenhuma vaidade saltava dali. Era como se, ao ajeitar a gola da camiseta, tentasse encontrar um pouco de ordem na bagunça que sentia por dentro. O gesto foi breve, mas permaneceu comigo o dia todo. Talvez porque, naquele simples movimento, estivesse condensada uma das maiores inquietações da adolescência: quem sou eu nesse mundo que me olha tanto, mas me vê tão pouco?
Para muitos, a escola se tornou um palco improvisado para a construção de identidades ainda em esboço. Os alunos chegam com figurinos emprestados, roteiros mal escritos e uma plateia mais distraída do que compreensiva. E nós, professores, seguimos ensaiando cenas de acolhimento, acreditando – ou fingindo crer – que bastam dinâmicas afetivas para salvar o que foi negligenciado fora dali.
Durante uma reunião pedagógica, a coordenadora anunciou, com entusiasmo, um novo projeto de fortalecimento da autoestima estudantil, repleto de rodas de conversa, murais de gratidão e meditações guiadas. Observei os rostos ao meu redor, tão esperançosos, e percebi o quanto nos agarramos a iniciativas simbólicas para enfrentar o que, no fundo, sabemos ser estrutural. Disse, meio contrariado, que a escola não pode ser o centro gravitacional da vida emocional dos alunos. Fui alvo de olhares reprovadores. Mas mantive o que disse.
A verdade é que, por mais que tentemos, a escola não consegue proteger os estudantes dos ventos que sopram de fora. E são ventos fortes. Famílias desajustadas, redes sociais implacáveis, padrões inalcançáveis de beleza, comparações cruéis, silêncios doídos. A autoestima, ao contrário do que dizem alguns cartazes coloridos nos corredores, não nasce de elogios fáceis. Ela floresce do enfrentamento – da conquista suada, da frustração elaborada, do orgulho que surge quando alguém percebe que superou a si mesmo.
Lembro de Julius, um aluno que escrevia contos maduros, muito além de sua idade. Vivendo entre dois lares em conflito, ele zombava de nossas tentativas de fazê-lo “falar sobre seus sentimentos”. Um dia, me disse com amargura: “Não preciso de outro adulto me dizendo que tudo vai melhorar. Preciso de alguém que reconheça que algumas coisas não melhoram – e, mesmo assim, a gente segue.”
A escola pode ser um ponto de apoio, um farol em meio à neblina, mas não um abrigo eterno. Se insistimos em ser o colo que embala todas as dores, em vez de o impulso que lança, acabamos por infantilizar os jovens e empobrecer a própria educação. Educar não é anestesiar, é preparar para o corte da vida.
Outro dia, observei dois alunos tímidos explicando seu projeto de ciências num evento do Ensino Médio. Começaram hesitantes, tropeçando nas palavras, mas, ao final, responderam perguntas com a segurança de quem enfrentou o medo e venceu. Ali estava a verdadeira construção da autoestima: não no tapinha nas costas, mas no suor das mãos que seguravam o microfone.
Émily, aluna do terceiro ano, trabalha nos fins de semana para comprar seus próprios livros. Ela não precisou de sessões de “valorização pessoal”. A força que carrega no olhar veio das escolhas difíceis que já precisou fazer.
Há uma cena que jamais esqueço. Uma professora, emocionada, dizia que certa aluna só encontrava amor dentro da escola. Fiquei calado. Não por indiferença, mas por saber que o afeto escolar, por mais sincero que fosse, não tem força para remendar vazios que nasceram em casa. A escola pode iluminar, sim, mas não substitui a luz que deveria vir do lar.
Hoje, vejo adolescentes se espremendo entre filtros digitais e expectativas desumanas. E lembro daquele menino no espelho. Talvez ele só quisesse saber se ainda era ele mesmo ali refletido. Por isso, minha missão como educador não é lapidar espelhos – é abrir janelas. Mostrar que há um mundo lá fora esperando por quem tem coragem de sair do esconderijo e viver de verdade.
Não, a autoestima não se molda entre quatro paredes. Ela começa quando alguém entende que não precisa ser perfeito para ser inteiro. E é isso que desejo ensinar: que a vida não será fácil, mas pode ser bela. Que não estaremos aqui para salvá-los, mas para caminhar ao lado. E que, mais importante do que oferecer abrigo, é ensinar a construir abrigo próprio.
Porque, no fim, não importa se o autorretrato está bonito. Importa que seja verdadeiro.
Minha crônica é um retrato muito sensível e sociologicamente perspicaz da experiência adolescente e do papel da escola nesse período. Ela nos faz questionar discursos simplistas e olhar para as complexas forças sociais que moldam a identidade e a autoestima dos jovens. Com base nas minhas reflexões, preparei 5 questões discursivas simples:
1. O texto começa com a imagem de um adolescente se olhando no espelho, buscando "ordem na bagunça que sentia por dentro" e questionando "quem sou eu nesse mundo?". Como a Sociologia entende o processo de construção da identidade durante a adolescência, considerando a influência das interações sociais, da autoimagem e das expectativas do grupo?
2. A crônica descreve a escola como um "palco improvisado" para a construção de identidades e discute o papel dos professores e projetos. Como a Sociologia da Educação analisa a escola como um espaço de socialização fundamental para os adolescentes, capaz de influenciar sua autoimagem e relações sociais, mas também sujeito a limitações?
3. O narrador menciona os "ventos fortes que sopram de fora", como "redes sociais implacáveis, padrões inalcançáveis de beleza" e "famílias desajustadas". De que forma as pressões sociais externas ao ambiente escolar, transmitidas pela mídia, família e pares, impactam a autoestima e o bem-estar emocional dos adolescentes na sociedade contemporânea?
4. O texto sugere que a verdadeira autoestima nasce do "enfrentamento" de desafios e não de "elogios fáceis". Como a Sociologia compreende a resiliência — a capacidade de lidar e superar adversidades — e qual o papel do apoio social (vindo de diferentes fontes, incluindo a escola) no desenvolvimento dessa capacidade nos jovens?
5. A crônica critica a ideia de que "bastam dinâmicas afetivas" na escola para resolver problemas complexos. Como a Sociologia analisa as abordagens que tendem a individualizar ou simplificar soluções para desafios sociais complexos que, muitas vezes, têm raízes em questões estruturais e sistêmicas?