A fiança é uma prática comum nas relações financeiras, que consiste em garantir o pagamento de uma dívida de outra pessoa, assumindo a responsabilidade em caso de inadimplência. A Bíblia, em várias passagens, adverte contra a fiança, considerando-a uma ação imprudente e perigosa, que pode levar à ruína financeira e à perda da amizade. Por exemplo, em Provérbios 11:16, lemos: "A mulher bondosa conquista o respeito; os homens cruéis só conquistam riquezas. Quem é bondoso faz bem a si mesmo; quem é cruel prejudica a si mesmo" (NVI). Essa passagem sugere que a bondade é mais valiosa do que as riquezas, e que quem se envolve em negócios cruéis, como a fiança, acaba se prejudicando.
No entanto, será que essa é a única forma de entender a fiança? Será que não há situações em que a fiança pode ser uma expressão de amizade e generosidade, e não de imprudência e crueldade? Neste ensaio, pretendo defender que a fiança, quando feita com sabedoria e discernimento, pode ser não apenas permitida, mas também caridosa e necessária, desde que sejam observados alguns critérios.
Em primeiro lugar, é preciso considerar o contexto atual e a importância das relações financeiras e de amizade na sociedade. Vivemos em um mundo globalizado e interdependente, onde as pessoas precisam de crédito para realizar seus projetos pessoais e profissionais. Muitas vezes, as instituições financeiras exigem garantias para conceder empréstimos, e nem sempre as pessoas dispõem de bens ou recursos suficientes para oferecê-las. Nesses casos, a fiança pode ser uma alternativa viável para facilitar o acesso ao crédito e possibilitar o desenvolvimento econômico e social.
Além disso, vivemos em um mundo marcado por desigualdades e injustiças, onde muitas pessoas sofrem com a pobreza, a exclusão e a opressão. Nesses casos, a fiança pode ser uma forma de solidariedade e compaixão, para ajudar alguém que está em situação de vulnerabilidade ou emergência financeira. Ajudar um amigo piedoso ou alguém em necessidade financeira é um ato de amizade e generosidade que pode fortalecer os laços e promover o bem-estar coletivo.
Em segundo lugar, é preciso considerar os critérios para fazer uma fiança com sabedoria e discernimento. Não se trata de garantir as dívidas de qualquer pessoa ou de qualquer forma, mas sim de avaliar cuidadosamente cada caso e cada situação. A Bíblia não condena a fiança absolutamente, mas sim relativamente, dependendo das circunstâncias e das consequências. Por exemplo, em Provérbios 17:18 lemos: "Quem dá garantia por alguém sem juízo está agindo sem pensar; quem se responsabiliza por dívidas alheias está arranjando problemas" (NVI). Essa passagem indica que há pessoas sem juízo, ou seja, sem prudência ou responsabilidade, que não merecem confiança ou crédito. Além disso, há dívidas alheias, ou seja, que não são necessárias ou justas, que não valem a pena assumir.
Portanto, antes de fazer uma fiança, é preciso considerar alguns aspectos: Quem é a pessoa que pede a fiança? Qual é o seu caráter? Qual é o seu histórico financeiro? Qual é o seu propósito? Qual é o valor da dívida? Qual é o prazo para o pagamento? Quais são os riscos envolvidos? Quais são as garantias oferecidas? Quais são as consequências possíveis? Essas perguntas podem ajudar a evitar decisões precipitadas e arriscadas, que podem levar a perdas financeiras e à ruptura da amizade. A pressa, o orgulho, o sentimento e o impulso são fatores que contribuem para a imprudência e a crueldade. Por isso, a ênfase deve ser na avaliação adequada e na ponderação dos riscos envolvidos, em vez de descartar a fiança como algo intrinsecamente ruim.
Em terceiro lugar, é preciso considerar o fundamento teológico e filosófico da fiança como expressão de amizade e generosidade. A Bíblia apresenta o próprio Jesus como o Fiador de Seu povo, garantindo a salvação eterna. Em Hebreus 7:22 lemos: "Por isso Jesus se tornou a garantia de uma aliança superior" (NVI). Essa passagem mostra que Jesus assumiu a dívida do pecado da humanidade, pagando-a com o seu sangue na cruz, e oferecendo a graça de Deus aos que creem nele. Essa é a maior prova de amor e amizade que alguém pode dar. Como disse Jesus em João 15:13: "Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida pelos seus amigos" (NVI).
Essa imagem de Jesus como Fiador ressalta a importância da confiança e do apoio mútuo, que podem ser aplicados não apenas na esfera religiosa, mas também na vida cotidiana. A fiança pode ser uma forma de imitar o amor de Cristo pelos outros, demonstrando fidelidade, lealdade e generosidade. A fiança pode ser também uma forma de praticar o mandamento do amor ao próximo, que resume toda a lei de Deus. Como disse Paulo em Romanos 13:8: "Não devam nada a ninguém, a não ser o amor de uns pelos outros, pois aquele que ama seu próximo tem cumprido a lei" (NVI).
Além da Bíblia, vários filósofos também reconheceram o valor da amizade e da generosidade nas relações humanas. Por exemplo, Aristóteles definiu a amizade como "uma única alma habitando em dois corpos", e afirmou que "a amizade é uma virtude ou implica virtude". Para ele, a amizade verdadeira é baseada na bondade e na reciprocidade, e visa o bem comum. Outro exemplo é Cícero, que escreveu um tratado sobre a amizade, onde declarou que "a amizade duplica as alegrias e divide as tristezas", e que "o amigo é a resposta aos teus desejos". Para ele, a amizade é um bem essencial para a vida humana, que requer confiança, benevolência e concordância.
Portanto, em vez de evitar a fiança a todo custo, é crucial abordá-la com discernimento e consideração, promovendo relações de confiança e amizade, enquanto se evita compromissos financeiros impulsivos e irresponsáveis. Dessa forma, a fiança pode ser uma ferramenta valiosa para apoiar os outros e fortalecer os laços entre as pessoas, desde que seja feita com sabedoria.