"Se você tem uma missão Deus escreve na vocação"— Luiz Gasparetto

" A hipocrisia é a arma dos mercenários." — Alessandro de Oliveira Feitosa

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MINHAS PÉROLAS

domingo, 9 de outubro de 2022

TAL DONO, TAL ANIMAL ("Uma casa sem bicho de estimação é apenas uma casa, com bicho de estimação, é um lar!" — Bruna V. Alencar)

 


TAL DONO, TAL ANIMAL ("Uma casa sem bicho de estimação é apenas uma casa, com bicho de estimação, é um lar!" — Bruna V. Alencar)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Em tempo de lockdown, as pessoas mascaradas, fazendo caminhada para não perder a mobilidade; ou melhor, elas saíam às ruas arrastadas pelo cachorro sem máscara. A regra da proteção não valia para eles também? Quando o cãozinho defeca para os transeuntes pisarem, sente-se o cheiro mesmo de longe — não teria coronavírus nessa umidade que carrega o odor? Deus reservou uma cepa do vírus comum para homens e bichos. Criaturas humanizadas e adoradas como deuses, elevados à condição de terapeutas de seus donos. É inútil qualquer esforço para combater doenças mil, se não formos isolados das demais espécies. Esses seres são cobaias nos laboratórios e, de vez em quando, compartilham seu sofrimento ao escapar do controle.

É justamente nesse ponto que se abre a ferida do futuro: ao ignorarmos a dor animal presente, cultivamos o germe da desgraça que virá. Os corpos torturados nos experimentos de hoje, silenciados em nome da ciência e da vaidade, retornarão amanhã como prenúncio de uma aliança macabra. Seremos obrigados a provar do mesmo cálice, unidos às criaturas não pela ternura, mas pelo contágio e pelo castigo. A fronteira entre humano e besta, tão orgulhosamente erguida, mostrará suas rachaduras.

E então a profecia se cumpre: a raiva viral surgirá não apenas como doença dos cães errantes, mas como metáfora viva do ódio que se alastra, incontrolável, entre corpos e almas. Primeiro virão os surtos isolados, depois as epidemias urbanas, até que os próprios donos, em pânico, se lancem contra seus animais para exterminá-los. A fúria do bicho, que sempre carregamos latente dentro de nós, encontrará um espelho aterrador na fúria dos homens. Nesse cenário, não restará escolha senão dividir as vacinas com eles, como quem reparte o último pedaço de pão em um cerco.

Uma praga maior virá sobre os cachorros sem dono, a saber: a raiva viral. Aí, os donos dos doentes se arremessarão às criaturas para exterminá-las. Mas existirá um método mais fácil: dividir as vacinas com eles; nesta hora, humano vira bicho, bicho vira humano. Unidos pelo sofrimento do fim do mundo.


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O texto que acabamos de ler, com sua crítica mordaz e suas reflexões sobre a pandemia e a relação humano-animal, é um excelente ponto de partida para nossa discussão em Sociologia. Ele nos força a olhar para as contradições do nosso tempo. Preparei 5 questões discursivas e simples, baseadas nas ideias do texto, para que possamos alinhar nosso entendimento sobre temas como normas sociais, humanização e ética. Responda às questões a seguir de forma concisa, utilizando seus próprios conhecimentos e as ideias apresentadas pelo autor.

1. Normas Sociais e Desvio no Lockdown

O autor observa a contradição de pessoas mascaradas fazendo caminhada "arrastadas pelo cachorro sem máscara", usando o animal como justificativa para sair de casa.

Pergunta: De um ponto de vista sociológico, como essa cena ilustra a tensão entre a norma social imposta (isolamento) e o desejo individual de mobilidade, e de que forma a figura do pet foi utilizada para negociar a fronteira do que era socialmente aceitável durante a crise?

2. A Construção Social da Relação Humano-Animal

O texto critica a visão de animais como "humanizados e adorados como deuses e terapeutas".

Pergunta: Explique o conceito sociológico de antropomorfização e como o autor sugere que essa prática, ao atribuir qualidades humanas exageradas aos animais, pode cegar a sociedade para os riscos biológicos e as realidades sanitárias (como as zoonoses) que nos unem biologicamente a eles.

3. Ética e Consequências do Sofrimento

O autor levanta o tema dos animais como "cobaias nos laboratórios" e sugere que o sofrimento deles pode "retornar" ao controle humano.

Pergunta: Discuta o dilema ético-social implícito no uso de animais em experimentos científicos. Como a visão do autor sobre o retorno do sofrimento animal (a ideia de que as doenças "escapam do controle") reflete uma crítica à arrogância humana em relação à natureza?

4. Pânico Social e Desagregação dos Laços

O texto profetiza que, em um cenário de surto de raiva, os próprios donos se lançarão para exterminar seus animais.

Pergunta: Como essa previsão extrema pode ser analisada em termos de comportamento coletivo e pânico social? De que maneira a ameaça à sobrevivência humana (o "fim do mundo") pode desmantelar rapidamente os laços afetivos e sociais que definem a relação entre humanos e pets?

5. Metáfora e Crítica à Condição Humana

A forte afirmação final de que "humano vira bicho, bicho vira humano" resume a crítica do autor.

Pergunta: Qual é o significado sociológico da inversão de papéis proposta por essa metáfora? De que forma essa fusão final pelo "sofrimento do fim do mundo" sugere a fragilidade das fronteiras culturais que a sociedade ergue para diferenciar o que é "humano" do que é "bestial"?

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terça-feira, 4 de outubro de 2022

O AMOR ANAL ("Você é o seu sexo. Todo o seu corpo é um órgão sexual, com exceção talvez das clavículas". — Luis Fernando Verissimo)

 


O AMOR ANAL ("Você é o seu sexo. Todo o seu corpo é um órgão sexual, com exceção talvez das clavículas". — Luis Fernando Verissimo)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Era uma tarde de domingo quando me vi imerso em reflexões sobre o mundo ao meu redor. Sentado em meu jardim, observava os pássaros voando livremente pelo céu azul e os lírios balançando suavemente com a brisa. Foi nesse momento que uma ideia inusitada me ocorreu: será que Deus não cuida mais e melhor dessas criaturas do que de nós, seres humanos?

Enquanto contemplava essa questão, não pude deixar de notar o contraste gritante entre a simplicidade da natureza e a complexidade da vida moderna. Os pássaros, em sua sabedoria instintiva, seguem as leis naturais sem questionamentos. Já nós, humanos, nos perdemos em um labirinto de escolhas e contradições. Lembrei-me então das notícias que vi pela manhã: aviões caindo, bombas explodindo em lugares distantes. A ironia não me escapou - enquanto os pássaros voam sem medo, nós criamos máquinas voadoras que às vezes nos traem.

E o que dizer da moda? Os lírios, em sua beleza natural, não precisam de artifícios para se destacar. Nós, por outro lado, nos rendemos aos caprichos da indústria da moda, usando jeans rasgados como símbolo de rebeldia ou modernidade. Pensei na chamada "Geração Z", tão conectada e aparentemente sábia. Será que o acesso à internet os torna realmente mais abençoados que as gerações anteriores? Ou seriam apenas zumbis digitais, seguindo cegamente as tendências ditadas pela mídia?

Meus pensamentos então tomaram um rumo mais sombrio. Refleti sobre como nossa sociedade parece estar desenvolvendo formas cada vez mais peculiares de expressão e até mesmo de adoração. O culto ao corpo, levado ao extremo, chega a glorificar partes anatômicas que antes eram tabu. Lembrei-me de notícias sobre tatuagens em lugares inimagináveis, exposições de arte controversas e até mesmo procedimentos médicos inusitados.

Um exemplo perturbador dessa tendência é o que alguns chamam de "culto ao ânus". O que antes era considerado um tabu, agora é exaltado como uma prática de liberdade. Não há amor sem sexo, dizem, e com isso, as pessoas exploram novas dimensões de prazer. No entanto, o que vemos é o extremo: uma adoração quase religiosa a uma parte do corpo antes ignorada. Tornou-se um órgão sexual de destaque; houve até quem fizesse tatuagens na região. Não podemos esquecer da polêmica exposição "EXPOCU" na França, em 2013, que fotografou o esfíncter anal de diversas formas.

Não pude deixar de pensar nas palavras do apóstolo Paulo aos Romanos, advertindo sobre os perigos de se entregar a paixões consideradas contra a natureza. Será que, em nossa busca por liberdade e autoexpressão, estamos nos afastando demais de nossa essência?

À medida que o sol se punha, percebi que a ciência, em sua busca incessante por conhecimento, parece estar explorando territórios cada vez mais inesperados. Mas será que todo conhecimento nos leva necessariamente à sabedoria? Enquanto as sombras se alongavam no jardim, concluí que talvez a verdadeira bênção não esteja na complexidade da vida moderna, mas na simplicidade que observamos na natureza.

Ao entrar em casa, deixei para trás o jardim, mas não as reflexões que ele me proporcionou. Os pássaros e os lírios, em sua obediência instintiva às leis naturais, parecem viver em uma harmonia que nós, humanos, muitas vezes perdemos de vista. Talvez seja hora de nós, seres tão "evoluídos", aprendermos um pouco mais com a simplicidade e a sabedoria silenciosa da natureza. Afinal, em meio a tantas mudanças e "progressos", não estaríamos nos afastando demasiadamente do que realmente importa?

Duas questões discursivas sobre o texto:

1. O texto contrasta a simplicidade da natureza com a complexidade e os excessos da sociedade moderna. Como a sociologia pode explicar essa busca incessante por novidades e experiências extremas, que muitas vezes levam à perda de valores tradicionais e à alienação?

Esta questão convida os alunos a refletir sobre as causas sociais e culturais que levam a sociedade a buscar constantemente novas formas de expressão e experiências, muitas vezes questionando os limites da moral e da ética.

2. O texto aborda a relação entre a ciência e a espiritualidade, questionando se o conhecimento científico pode nos levar à verdadeira sabedoria. Como a sociologia pode analisar o papel da ciência na sociedade moderna, considerando seus impactos positivos e negativos e sua relação com outras formas de conhecimento, como a religião e a filosofia?

Esta questão estimula os alunos a refletir sobre o papel da ciência na sociedade, questionando se a busca por conhecimento científico pode nos levar a uma compreensão mais profunda da condição humana ou se, ao contrário, pode nos alienar daquilo que nos torna verdadeiramente humanos.

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domingo, 2 de outubro de 2022

A REAL PROSPERIDADE DA IGREJA ("Nem toda mudança é crescimento; nem todo movimento é para a frente." — (Ellen Glasgow)

 


A REAL PROSPERIDADE DA IGREJA ("Nem toda mudança é crescimento; nem todo movimento é para a frente." — (Ellen Glasgow)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Antigamente, os crentes, quando ofendidos ou insatisfeitos, oravam e entregavam suas causas a Deus. Hoje, recorrem a denúncias, boletins de ocorrência, vinganças e até a altas indenizações. Será que o evangelho se tornou mais eficiente?

A chamada igreja social, em plena expansão, procura santificar o homem como se fosse o ideal absoluto, enquanto anuncia o fim dos tempos. Os de outrora, que oravam em silêncio, são vistos como ingênuos, quase bobos da história.

Esse amor que se desfaz parece necessário para que a justiça venha à tona. No carnaval, percebe-se uma fábrica de amor, beleza e prazer; não por acaso, certas vertentes evangélicas já se aproximam desse bloco festivo pela linguagem, pelas motivações e até pela forma de vender a fé. “O amor não busca os seus interesses” (1 Coríntios 13:5).

É justamente aí que a mundanização revela sua força: os atrativos superficiais — beleza, música, prazer, espetáculo — são incorporados pela própria igreja e reembalados em discurso religioso para manter fiéis. O que antes parecia típico de cultos pagãos agora se repete nos púlpitos: o mesmo apelo, a mesma sedução, o mesmo marketing. Ao desejar prosperar, o cristianismo acaba refém da moda.

Talvez a saída não esteja em condenar o presente, mas em redescobrir práticas esquecidas: a oração silenciosa, a partilha discreta, a vida comunitária que não depende de palcos ou holofotes. Enquanto alguns correm atrás de plateias e aplausos, resta a quem deseja resistir cultivar uma fé menos performática e mais enraizada — uma fé capaz de sobreviver sem se alimentar da estética do mundo. Nesse retorno ao essencial, a fé não seria mercadoria, mas refúgio.

O prazer sempre foi usado como chamariz. Fazer amor é praticar a relação sexual; por isso, os cultos pagãos o utilizavam para atrair fiéis. Não surpreende, portanto, que o cristianismo contemporâneo caminhe nesse mesmo compasso, copiando a cultura que deveria questionar.

O preço dessa “modernidade” é alto. Talvez a verdadeira eficiência do evangelho esteja justamente naquilo que hoje se despreza: a simplicidade, a humildade, a submissão silenciosa. Não é preciso esperar sete pragas para despertar — basta perceber que, na ânsia de se atualizar, a fé pode estar vendendo a própria alma ao mercado das ilusões.

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Como professor de Sociologia, fico animado em ver um texto que levanta questões tão importantes sobre como a religião se adapta (ou se rende) às pressões da nossa sociedade moderna. O que apresento aqui é um prato cheio para entendermos as transformações sociais e a relação entre o sagrado e o profano. Preparei cinco questões discursivas e diretas, baseadas nas ideias centrais do texto, para a gente debater e analisar esse fenômeno. Foquem nas mudanças de comportamento e nos valores que estão em jogo!


1 - Mudança de Comportamento e Judicialização da Fé:

O texto contrasta a atitude dos crentes de "antigamente" (que oravam e entregavam suas causas a Deus) com a dos crentes de "hoje" (que buscam denúncias, B.O. e indenizações). Com base na Sociologia, explique o que essa mudança de comportamento, que envolve a busca por recursos legais e financeiros, revela sobre a secularização da sociedade e a judicialização das relações interpessoais dentro do contexto religioso.

2 - A "Igreja Social" e a Crítica à Performance:

O autor critica a chamada "igreja social em expansão" e a maneira como ela busca santificar um "ser ideal" contemporâneo. Discuta a ideia de "fé performática" (fé voltada para o espetáculo e a audiência) e como ela se opõe ao ideal de "oração silenciosa" e "submissão discreta" proposto pelo texto. Qual é o papel do marketing e da aparência nessa nova configuração religiosa?

3 - Mundanização e o Uso de Atrativos Profanos:

O texto afirma que a mundanização seduz ao incorporar atrativos superficiais — beleza, prazer e espetáculo — nas práticas da igreja. Analise sociologicamente o porquê de as instituições religiosas utilizarem elementos antes considerados profanos (como o apelo visual e o entretenimento) como forma de atrair e manter fiéis na sociedade de consumo.

4 - A Fé como Mercadoria:

A parte final do texto sugere que a fé, na sua ânsia de se atualizar, corre o risco de se tornar "mercadoria". Relacione essa afirmação com a tese da racionalização ou da "desmagificação" (desencantamento) do mundo, discutida por autores como Max Weber. De que forma a busca por prosperidade e a adaptação à moda transformam a essência da religião em um produto a ser vendido?

5 - A Crítica à "Eficiência" e o Desprezo pela Simplicidade:

O autor questiona se o evangelho se tornou "mais eficiente" ao buscar resultados imediatos no plano terreno, mas conclui que a verdadeira eficiência estaria na simplicidade, humildade e submissão silenciosa. Em poucas palavras, contraste os valores utilitaristas e imediatistas da modernidade (que exigem resultados e "eficiência") com os valores tradicionais de muitas religiões (que valorizam a paciência, a renúncia e a espiritualidade interior).

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quinta-feira, 29 de setembro de 2022

A Cultura da Usurpação e o Custo do Gratuito ("O passado é um retardatário, serve apenas de distração, atrasando as conquistas que estão na linha de chegada desta corrida chamada vida." — Anderson Alves)

 


A Cultura da Usurpação e o Custo do Gratuito ("O passado é um retardatário, serve apenas de distração, atrasando as conquistas que estão na linha de chegada desta corrida chamada vida." — Anderson Alves)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

No velho normal, a escola pública tinha ar condicionado instalado nas salas. Ali, com 30 alunos divididos em opinião: liga ou desliga durante a aula. Os desforradores dos bens públicos, com espírito de compensação por entenderem que pagam imposto, ligam o aparelho no 12, mesmo que esteja fazendo frio. O professor, falando com dificuldade de respirar, sabe que ai dele se pedir para desligá-lo: atrairá o ódio e a repulsa de muitos dos alunos. E a aula ainda será perturbada pelos que não querem o ar condicionado; insultam-se entre si e, fazendo pressão, gritam para o professor mandar desligar, como se o controle eletrônico estivesse na mão dele, quando na verdade está na mão do usurpador da liderança: o representante de classe que toma um dos partidos em questão.

O professor, sufocado entre a fumaça invisível da indisciplina e o ar gelado que lhe corta o peito, já não encontra fôlego para ensinar. Carrega nos olhos a exaustão de quem luta todos os dias contra forças que não estão apenas na sala, mas na cultura do desrespeito. Ele respira curto, quase pedindo socorro, e percebe que cada palavra sua é disputada pelo barulho da desordem. Não é apenas o corpo que se curva diante do frio artificial, mas a alma que se inclina sob a certeza de que sua autoridade foi leiloada ao menor lance da vaidade estudantil.

Eis o retrato cruel: a sala de aula, que deveria ser espaço de aprendizado, transforma-se em arena onde o professor, vencido pela fadiga, deixa de ser mestre para tornar-se alvo. Se a educação tivesse a coragem de enfrentar seus próprios vícios — o comodismo, a falta de limites, a crença de que tudo é devido sem esforço — talvez o cansaço desse homem não fosse tão devastador. A verdadeira reforma não está em instalar máquinas ou distribuir benefícios, mas em cultivar disciplina, respeito e responsabilidade. Sem isso, qualquer recurso tecnológico será apenas um luxo inútil, uma ferramenta de discórdia em mãos imaturas.

Pois é, colocar os aparelhos de ar condicionado e não usar não tem sentido, né? E o que é mais importante? Assim como o limoeiro da calçada tem que suportar o peso do marmanjo viciado na alegria da gratuidade, tirando o limão ainda verde, mesmo que não o sirva, ele quer ser o primeiro beneficiado. E nem se importa com o cachorro daquela residência espumando de tanto latir, já que também nem se importa com os olhares de reprovação dos transeuntes daquela rua. Pessoas viciadas no gratuito não sabem votar no melhor candidato, elas estão à venda. Como lembrou o escritor Orson Scott Card, ao ironizar a natureza da escolha coletiva: “Se os porcos pudessem votar, o homem com o balde de comida seria eleito sempre, não importa quantos porcos ele já tenha abatido no recinto ao lado.” São esses "porcos" que nos dão a péssima liderança que temos. Uns atrasando os outros.


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O texto que acabamos de ler nos apresenta uma reflexão poderosa sobre as dinâmicas sociais dentro e fora da sala de aula. Ele levanta questões importantes sobre o uso de bens públicos, a autoridade do professor e a relação entre o comportamento individual e a qualidade da liderança política. Como bons sociólogos, vamos analisar as camadas mais profundas dessas observações. Preparem-se para responder as questões a seguir, utilizando os conceitos trabalhados em nossas aulas.


1. Bem Público e Conflito de Interesses:

O texto descreve alunos que ligam o ar-condicionado no grau máximo, justificando a atitude por "entenderem que pagam imposto". Como a Sociologia define o conceito de Bem Público? Explique como a atitude descrita no texto representa um conflito entre o interesse individual e o bem-estar coletivo dentro de um espaço social.

2. Autoridade e Desordem Social:

O professor, na sala de aula, tem sua autoridade desafiada e usurpada pelo representante de classe. Analise a crise da autoridade do professor sob a ótica da cultura do desrespeito mencionada no texto. Que impacto essa desordem tem sobre o papel da Instituição Escolar como agente de socialização e transmissão de valores?

3. A Cultura da Gratuidade e o Comportamento Cívico:

O texto traça um paralelo entre o uso irresponsável do ar-condicionado, o roubo do "limão ainda verde" e a incapacidade de "votar no melhor candidato". Utilizando o conceito de Comportamento Cívico e Responsabilidade Social, explique a crítica do autor: por que o "vício no gratuito" estaria ligado à péssima qualidade da liderança política?

4. O Professor como Vítima de Estruturas Sociais:

O professor é retratado como "sufocado" e com sua "alma inclinada" diante da desordem. O cansaço dele é atribuído não só à falta de disciplina dos alunos, mas a "forças que não estão apenas na sala, mas na cultura do desrespeito". Com base na sua leitura do texto, quais são as estruturas sociais mais amplas (como comodismo, falta de limites, etc.) que minam a sua atuação, transformando a sala de aula em uma "arena"?

5. Metáfora Política e Racionalidade da Escolha:

A citação de Orson Scott Card (“Se os porcos pudessem votar, o homem com o balde de comida seria eleito sempre...”) é usada como analogia para explicar a liderança que temos. Explique o que essa metáfora sugere sobre a Racionalidade da Escolha Política e o papel do benefício imediato e individual (o "balde de comida") no processo eleitoral, em detrimento do bem-estar social a longo prazo.

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A Cegueira da Pandemia da Covid-19 ("A pior cegueira é a mental, que faz que com que não reconheçamos o que temos a frente." — José Saramago)

 


A Cegueira da Pandemia da Covid-19 ("A pior cegueira é a mental, que faz que com que não reconheçamos o que temos a frente." — José Saramago)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

A leitura de José Saramago — Ensaio Sobre a Cegueira — revelou-me um paralelo estarrecedor: a pandemia da cegueira no romance espelha a pandemia da Covid-19, servindo como uma poderosa metáfora para a cegueira mental e suas devastadoras consequências em nossa sociedade.

O distanciamento imposto pela crise sanitária concedeu-me tempo para observar o boom dos vendedores de curso online. Estes profissionais oferecem, de modo abundante, “todo conhecimento do mundo”, chegando ao paradoxo de ensinar a vender o próprio curso! Na angústia e no “buraco negro” da situação, floresceram os chamados metacursos, que, ironicamente, mais cegam a mente do que a iluminam. Embora muitos chamem isso de trabalho e ganhem fortunas — pois sempre há quem se deixe iludir —, a validade é questionável. Um diploma obtido por correspondência ou via plataformas digitais não credencia da mesma forma que os métodos presenciais, onde a contemplação do exemplo vivo gera valores e credibilidade insubstituíveis.

Não falo apenas de abstrações: multiplicaram-se treinamentos para “ficar rico em 7 dias”, fórmulas mágicas de marketing digital, gurus prometendo a vida dos sonhos em lives cuidadosamente editadas. É verdade que a educação online, quando bem conduzida e aliada à prática, pode democratizar o acesso e oferecer oportunidades reais de crescimento. No entanto, a enxurrada de falsos atalhos fez a balança pender para a ilusão. Entre o diploma que exige convivência, suor e exemplo, e o certificado que se compra com cliques, abre-se um abismo. E é exatamente nesse hiato que a metáfora da cegueira começa a revelar sua força: não se trata apenas de não enxergar, mas de confundir brilho com luz, quantidade com conhecimento.

É justamente neste ponto que a metáfora da cegueira atinge sua profundidade máxima. Saramago a descreve como uma “cegueira branca, promissora brancura do leite”, tão inútil quanto a “cegueira preta da noite, faltando conhecimento.” A brancura representa o excesso de informação fácil e superficial que nos deslumbra, uma claridade que encandeia, mas não revela. O conhecimento abundante e fácil da internet torna-se barato e, consequentemente, deficiente nos cursos a distância.

A pandemia do Coronavírus, ao estimular o uso da internet, expôs a ironia da modernidade: uma de suas sequelas mais agravadas é o colapso da memória, e a prática mais comum ainda é o simples selecionar, copiar e colar. A mente, como a máquina, necessita de exercício constante: “Toda máquina parada enferruja, e bateria inativa descarrega, seca e se colam as placas.”

Em essência, a recusa em ver de fato leva à perda dos olhos, à perda da capacidade crítica. O problema não é o que nos falta, mas o que escolhemos não processar.

Assim, ecoa a pergunta atemporal que nos confronta com nossa própria inércia:

“Por que foi que cegamos, Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão, Queres que te diga o que penso, Diz, Penso que não cegamos, penso que estamos cegos, Cegos que veem, Cegos que, vendo, não veem” SIC. (José Saramago).


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Discutindo o texto tão potente que liga literatura, pandemia e sociedade. Como seu professor de Sociologia, vejo neste ensaio uma excelente oportunidade para analisarmos criticamente as transformações sociais recentes, especialmente a forma como o conhecimento é produzido, distribuído e consumido. Preparem-se para refletir sobre as ideias centrais do texto! Abaixo, listo 5 questões discursivas e simples que servirão para orientar nossa discussão e aprofundar a compreensão dos fenômenos sociais abordados.


1 - Metáfora e Crise Social: O texto utiliza a cegueira do romance de Saramago como uma metáfora para a cegueira mental na pandemia da Covid-19. Explique, com base no texto, o que significa essa "cegueira mental" e como a crise sanitária contribuiu para expô-la.

2 - Mercantilização do Conhecimento: O autor critica o "boom dos vendedores de curso online" e os "metacursos". De que forma essa proliferação de cursos, muitas vezes vazios, pode ser vista como um reflexo da mercantilização do conhecimento na sociedade contemporânea?

3 - Valorização do Método Presencial: O texto afirma que o método presencial, com a "contemplação do exemplo vivo", gera "valores e credibilidade insubstituíveis". Do ponto de vista sociológico, qual é a importância da interação social direta e da experiência prática (citadas no texto como "convivência, suor e exemplo") para a formação de um indivíduo crítico?

4 - Informação Abundante vs. Conhecimento Crítico: O ensaio compara a "cegueira branca" de Saramago — o "excesso de informação fácil e superficial" — com a deficiência dos cursos a distância. Explique a diferença sociológica e educacional entre ter acesso à informação (abundância) e possuir conhecimento crítico (capacidade de processar e discernir a informação).

5 - Passividade Intelectual e Tecnologia: O autor menciona que a prática de "selecionar, copiar e colar" e o "colapso da memória" são sequelas da modernidade tecnológica. Relacione a metáfora da "máquina parada que enferruja" com o perigo da passividade intelectual e a perda da capacidade crítica na Era Digital.

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segunda-feira, 26 de setembro de 2022

A Tirania da Burocracia e a Falência do Ensino ("Um bom exemplo é o melhor sermão." — (Benjamin Franklin)