"Se você tem uma missão Deus escreve na vocação"— Luiz Gasparetto

" A hipocrisia é a arma dos mercenários." — Alessandro de Oliveira Feitosa

Pesquisar neste blog ou na Web

MINHAS PÉROLAS

quinta-feira, 29 de setembro de 2022

A Cegueira da Pandemia da Covid-19 ("A pior cegueira é a mental, que faz que com que não reconheçamos o que temos a frente." — José Saramago)

 


A Cegueira da Pandemia da Covid-19 ("A pior cegueira é a mental, que faz que com que não reconheçamos o que temos a frente." — José Saramago)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

A leitura de José Saramago — Ensaio Sobre a Cegueira — revelou-me um paralelo estarrecedor: a pandemia da cegueira no romance espelha a pandemia da Covid-19, servindo como uma poderosa metáfora para a cegueira mental e suas devastadoras consequências em nossa sociedade.

O distanciamento imposto pela crise sanitária concedeu-me tempo para observar o boom dos vendedores de curso online. Estes profissionais oferecem, de modo abundante, “todo conhecimento do mundo”, chegando ao paradoxo de ensinar a vender o próprio curso! Na angústia e no “buraco negro” da situação, floresceram os chamados metacursos, que, ironicamente, mais cegam a mente do que a iluminam. Embora muitos chamem isso de trabalho e ganhem fortunas — pois sempre há quem se deixe iludir —, a validade é questionável. Um diploma obtido por correspondência ou via plataformas digitais não credencia da mesma forma que os métodos presenciais, onde a contemplação do exemplo vivo gera valores e credibilidade insubstituíveis.

Não falo apenas de abstrações: multiplicaram-se treinamentos para “ficar rico em 7 dias”, fórmulas mágicas de marketing digital, gurus prometendo a vida dos sonhos em lives cuidadosamente editadas. É verdade que a educação online, quando bem conduzida e aliada à prática, pode democratizar o acesso e oferecer oportunidades reais de crescimento. No entanto, a enxurrada de falsos atalhos fez a balança pender para a ilusão. Entre o diploma que exige convivência, suor e exemplo, e o certificado que se compra com cliques, abre-se um abismo. E é exatamente nesse hiato que a metáfora da cegueira começa a revelar sua força: não se trata apenas de não enxergar, mas de confundir brilho com luz, quantidade com conhecimento.

É justamente neste ponto que a metáfora da cegueira atinge sua profundidade máxima. Saramago a descreve como uma “cegueira branca, promissora brancura do leite”, tão inútil quanto a “cegueira preta da noite, faltando conhecimento.” A brancura representa o excesso de informação fácil e superficial que nos deslumbra, uma claridade que encandeia, mas não revela. O conhecimento abundante e fácil da internet torna-se barato e, consequentemente, deficiente nos cursos a distância.

A pandemia do Coronavírus, ao estimular o uso da internet, expôs a ironia da modernidade: uma de suas sequelas mais agravadas é o colapso da memória, e a prática mais comum ainda é o simples selecionar, copiar e colar. A mente, como a máquina, necessita de exercício constante: “Toda máquina parada enferruja, e bateria inativa descarrega, seca e se colam as placas.”

Em essência, a recusa em ver de fato leva à perda dos olhos, à perda da capacidade crítica. O problema não é o que nos falta, mas o que escolhemos não processar.

Assim, ecoa a pergunta atemporal que nos confronta com nossa própria inércia:

“Por que foi que cegamos, Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão, Queres que te diga o que penso, Diz, Penso que não cegamos, penso que estamos cegos, Cegos que veem, Cegos que, vendo, não veem” SIC. (José Saramago).


-/-/-/-/-/-/-/-/-/--/-/-/-/-/-/-/-/-


Discutindo o texto tão potente que liga literatura, pandemia e sociedade. Como seu professor de Sociologia, vejo neste ensaio uma excelente oportunidade para analisarmos criticamente as transformações sociais recentes, especialmente a forma como o conhecimento é produzido, distribuído e consumido. Preparem-se para refletir sobre as ideias centrais do texto! Abaixo, listo 5 questões discursivas e simples que servirão para orientar nossa discussão e aprofundar a compreensão dos fenômenos sociais abordados.


1 - Metáfora e Crise Social: O texto utiliza a cegueira do romance de Saramago como uma metáfora para a cegueira mental na pandemia da Covid-19. Explique, com base no texto, o que significa essa "cegueira mental" e como a crise sanitária contribuiu para expô-la.

2 - Mercantilização do Conhecimento: O autor critica o "boom dos vendedores de curso online" e os "metacursos". De que forma essa proliferação de cursos, muitas vezes vazios, pode ser vista como um reflexo da mercantilização do conhecimento na sociedade contemporânea?

3 - Valorização do Método Presencial: O texto afirma que o método presencial, com a "contemplação do exemplo vivo", gera "valores e credibilidade insubstituíveis". Do ponto de vista sociológico, qual é a importância da interação social direta e da experiência prática (citadas no texto como "convivência, suor e exemplo") para a formação de um indivíduo crítico?

4 - Informação Abundante vs. Conhecimento Crítico: O ensaio compara a "cegueira branca" de Saramago — o "excesso de informação fácil e superficial" — com a deficiência dos cursos a distância. Explique a diferença sociológica e educacional entre ter acesso à informação (abundância) e possuir conhecimento crítico (capacidade de processar e discernir a informação).

5 - Passividade Intelectual e Tecnologia: O autor menciona que a prática de "selecionar, copiar e colar" e o "colapso da memória" são sequelas da modernidade tecnológica. Relacione a metáfora da "máquina parada que enferruja" com o perigo da passividade intelectual e a perda da capacidade crítica na Era Digital.

Comentários

Nenhum comentário: