"Se você tem uma missão Deus escreve na vocação"— Luiz Gasparetto

" A hipocrisia é a arma dos mercenários." — Alessandro de Oliveira Feitosa

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domingo, 10 de maio de 2009

A POLÍTICA EDUCACIONAL DO MEDO (Quem tem medo de quem?)



Crônica

A POLÍTICA EDUCACIONAL DO MEDO (Quem tem medo de quem?)

omingo, 10 de maio de 2009
Claudeci Ferreira de Andrade
         Ocorreu-me que naquela manhã, fui chamado para dar explicações sobre a nota baixa da aluna comportada. Só comportada? Parece-me que até era evangélica! Todavia, o que importa aqui é que ela reivindicava nota 10. Esquecera de mostrar-me a sua atividade em tempo hábil, mas não queria “fazer feio”. Então, a coordenadora joga diante de mim um caderno mal aparentado, ali tinha um pequeno texto com uma caligrafia horrível, porém entendi perfeitamente as acusações que continha aquela “bomba”: não queriam perseguição. E havia a expressa ameaça de chamar a impressa, falar com qualquer que seja, levar o assunto à Secretaria de Educação, com certeza, caso a filha não ficasse com dez no boletim. Era a sua mãe, dando-nos lições de “justiça”. E não faltou quem a apoiasse, uns por medo do “problema” se avolumar; outros para evidenciar que a escola morre de medo diante da comunidade. O professor tem tanto medo de expressar seu pensamento que parece não pensar!
         Meu erro foi querer manter minha palavra, não quebrar minhas próprias leis, pensando eu que estava sendo um educador exemplar e amoroso, sabendo que “a lei protege o amor; não o leva cativo” (Dick Winn). Mesmo depois da mágica sugestão da gestora escolar, que me pedia para passar outra atividade, alegando à aluna maior momento de reflexão e aprendizado; cuidando da minha reputação e da reputação da escola, perpetuando a cultura do medo de parecer “mal na fita” ou simplesmente clamando por tal justiça, é, até que gostei! Só a coordenadora se recusava, para também fazer valer a sua proposta inicial que era dar nota na atividade atrasada da aluna, já que fizera, sem mesmo respeitar as considerações medrosas do professor. Mas, também, outros alunos descompromissados com a decência e a ordem foram lá para pôr “lenha na fogueira”! O que a coordenadora não percebeu é que o caso já estava em uma estância maior, era uma sugestão da diretora. Um medo suplantava o outro.
         Dei à aluna em questão uma nova atividade: fazer um texto de tudo que tinha aprendido sobre o entusiasmo. Estava coerente com a disciplina de filosofia, afinal foi isso que tratei, também, em nossas aulas desse primeiro bimestre. Depois, ela me entregou um texto evasivo, daqueles que se faz só para ganhar nota! Viabilizei o seu dez o mais rápido possível, confirmando assim a política educacional do medo.
         A comunidade nos mete medo! Será que temos motivos para isso? Talvez, se compreendêssemos o Maquiavel: "Os homens têm menos escrúpulos em ofender quem se faz amar do que quem se faz temer, pois o amor é mantido por vínculos de gratidão que se rompem quando deixam de ser necessários, já que os homens são egoístas; mas o temor é mantido pelo medo do castigo, que nunca falha."! 
          Com o outro medo, o de coordenador pedagógico, que obriga o representante de classe encher o caderninho de relatório, "detonando" o professor, é que o professor afrouxa as regras sendo "amigo" dos alunos, talvez use essa amizade para sublimar a deficiência didática dele.
         Confirma-nos Patrícia Rech: "A política do medo advém do chamado "paternalismo educacional". Não é preciso ter uma bola de cristal para ver os rumos que a educação de nosso país seguem: péssimos índices de aprovação, péssimos desempenhos registrados pelo MEC e por aí vai. E a culpa é de quem? Sempre do professor. Resignamo-nos a aceitar o que os governantes acham melhor, sem ao menos ouvir o pensamento de quem de fato faz educação: os próprios educadores! Enquanto aderirmos à política do medo, nunca haveremos de encontrar meios para promover uma melhor qualidade de ensino. Tudo o que deveras interessa são dados estatísticos. Educação não dá voto." 
Claudeko
Publicado no Recanto das Letras em 22/06/2009
Código do texto: T1661432

Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons. Você pode copiar, distribuir, exibir, executar, desde que seja dado crédito ao autor original (Autoria de Claudeci Ferreira de Andrade,http://claudeko-claudeko.blogspot.com). Você não pode fazer uso comercial desta obra. Você não pode criar obras derivadas.
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sábado, 2 de maio de 2009

PARA O BOM ALUNO, IMPORTA A NOTA? (O saber é prazeroso, mas o aprender e doloroso!)




Crônica

PARA O BOM ALUNO, IMPORTA A NOTA? (O saber é prazeroso, mas o aprender e doloroso!)

Claudeci Ferreira de Andrade

          Seria difícil imaginar os processos educacionais sem a nota, não há nada na escola, para o aluno, que não tenha como incentivo uns “pontinhos” na média: é na gincana, na arrecadação de material de limpeza, na arrumação das cadeiras, na boa frequência, por trazer um prato típico nas feiras culturais, por trazer a mãe para reunião, por trazer o livro didático todos os dias, andar uniformizado, conservar a limpeza do prédio escolar. Enfim, tudo vale nota! A final, estou querendo compreender o poder do suborno na educação. Mas, já estou certo que pensar de outra forma é cavar o próprio fracasso com as mãos.
          Contudo, valorizar a nota mais que o aprendizado implica em alguns riscos muito reais. Considere, por exemplo, o que acontece quando a escola premia os alunos de notas elevadas com o direito de participar dos jogos da escola e deixa fora os que têm notas baixas. Haverá provavelmente duas séries distintas de sentimentos nada invejáveis: Os que têm notas baixas se sentirão fracos, sem direitos, lesados, como podem manter a cabeça erguida na presença dos que se divertem? Sentem-se embaraçados, acachapados e disfarçam com agressões ou apatia extrema. Seja por isso, talvez, que muitos não "descem" para quadra de esporte! Os que têm notas altas também correm o risco de certos sentimentos. Podem estar tão felizes que não importam mais os estudos, têm que dividir o tempo, de agora em diante usará de todos os subterfúgios, menos estudar para aprender, mas sim para adquirir notas, o que importa é nota. Sentem-se aliviados porque carregam uma boa máscara!
          Este relacionamento provoca algumas desavenças, intimidações e fuga. E até brigas, visto que eles muitas vezes não conseguem conter o espírito quente diante das “gozações”.
          Se estudando e aprendendo fosse a única forma de obter notas boas, eu o louvaria, mas não o é, então eu questiono. Por que não inventar algo para os abomináveis alunos de notas baixas, para que eles permaneçam na escola, torcendo pelos os bons na hora do lazer? Dê-lhes mais nota, talvez na próxima seleção eles sejam os artistas da ficção!
           Como ainda falar de uma escola inclusiva, se no seu bojo de metodologias esconde-se o princípio da provocação e da desigualdade? Diz um programa da UNESCO: “Foi em 1989, alguns meses antes da queda do muro de Berlim, durante o Congresso Internacional para a Paz na Mente dos Homens, em Yamassoukro (Costa do Marfim), que, pela primeira vez, a noção de uma cultura de Paz foi expressa”. Então, vale a pena darmos continuidade, derrubando as barreiras que nos impedem saudar a cultura da paz na escola! Lembrando que a não-violência não quer dizer paz!
         O saber é prazeroso, mas o aprender e doloroso! O cérebro do tolo dói e cansado procura atalhos.
Claudeko
Publicado no Recanto das Letras em 21/06/2009
Código do texto: T1659669

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domingo, 26 de abril de 2009

NAS TETAS DA VAQUINHA (É vergonhoso querer aparecer com o chapéu dos outros!)







                             

Crônica

NAS TETAS DA VAQUINHA (É muito fácil fazer graça com o chapeu dos outros.)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Aqui, estou eu, um observador silencioso no coração de uma escola, onde a vida pulsa em ritmo acelerado. A escola, um microcosmo da sociedade, é um lugar onde as pessoas se reúnem para aprender, ensinar e, frequentemente, para participar de um fenômeno curioso: a vaquinha.

A vaquinha é uma prática comum aqui. Para tudo, faz-se uma vaquinha: para celebrar aniversários, para comprar café, até mesmo para comprar papel sulfite. É uma maneira fácil de fazer caridade com o chapéu alheio. Mas, oh, como é difícil encarar o olhar de desapontamento do organizador quando, por algum motivo, você não contribui.

Lembro-me da última vez em que fui solicitado a participar de uma vaquinha. Era para a despedida da coordenadora substituta. Cinco reais era o pedido. Na semana seguinte, outra vaquinha, desta vez, para a recepção da coordenadora titular que voltava de licença. Usei a desculpa de sempre: "Não tenho dinheiro agora". No dia do evento, decidi não comer nada, estava constrangido, com a consciência pesada. Fiquei ainda mais desapontado quando vi, no final, as organizadoras enchendo suas sacolas com bolo para levar para casa. Benefício em dobro, pensei, por isso nunca faltará quem promova uma vaquinha!

Depois de muito esforço mental e reflexão, concluí que ninguém pode me forçar a demonstrar gratidão. A vaquinha me ensinou que ser grato é para quem pode, não para quem quer. E a espontaneidade? Quem merece gratidão não a exige e continua sendo amável, mesmo com os ingratos, porque a bondade não depende de condição.

Li que os funcionários da Escola Estadual Reverendo Jacques Orlando Caminha D'Ávila, no Jardim São Luís, na zona sul de São Paulo, estão fazendo vaquinha para garantir dinheiro extra aos servidores da escola que estão sem o bônus da Educação. As vaquinhas de lá parecem diferentes, mas... são uma espécie de "dízimo". Alguns preferem chamá-la de "boizinho", "bodezinho" ou algum outro apelido, mas o princípio é o mesmo: beneficiar os organizadores, forçar os colaboradores bajularem os superiores.

O que ainda não entendi é se, quando contribuo para a vaquinha, estou pagando por uma diversão forçada ou se estou pagando para trabalhar em nome da boa convivência! Que a tal vaquinha vá para o brejo e nos deixe em paz.

Sempre aparece um espertalhão para fazer graça com o chapéu dos outros! Vaquinha é isso, dividir a dor da consequência dos que transgrediram com quem não tem nada a ver. E se não contribuir, é tachado dos mais horríveis termos de bullying. Lembrando que Deus perdoa, mas não elimina a consequência. Que cada um pague o preço de seu pecado ou pague pela sua projeção! Eu odeio vaquinha, não quero ser trampolim para ninguém. Quando quero ajudar alguém necessitado, dou o que posso sem precisar de intermediário.

Os alunos sempre sabem por que foram dispensados mais cedo das aulas. Já pensaram se o mundo aprendesse o que a escola exemplifica! A escola, afinal, é um reflexo da sociedade ou a sociedade é um reflexo da escola? E, como tal, deve ser um lugar de aprendizado, não apenas acadêmico, mas também moral e ético. Que possamos aprender com nossos erros e buscar sempre a melhoria, não apenas para nós mesmos, mas para toda a comunidade escolar.

ALINHAMENTO CONSTRUTIVO

1. Vaquinha: Caridade ou Extorsão?

O texto apresenta a vaquinha como uma prática comum na escola, desde a celebração de aniversários até a compra de materiais escolares. Como a sociologia pode nos auxiliar a compreender os diferentes significados da vaquinha, considerando as relações de poder, a pressão social e a cultura da doação?

2. Gratidão Obrigatória ou Autêntica?

O autor questiona a ideia de gratidão obrigatória presente nas vaquinhas, afirmando que ser grato é uma escolha individual. Como a sociologia pode nos ajudar a analisar a relação entre gratidão, reciprocidade e obrigações sociais, considerando as diferentes normas e valores presentes na sociedade?

3. Vaquinha e a Desigualdade Social:

O autor menciona o caso da Escola Estadual Reverendo Jacques Orlando Caminha D'Ávila, onde funcionários fazem vaquinha para ajudar colegas que não receberam o bônus da Educação. Como a sociologia pode nos auxiliar a compreender a relação entre vaquinha, desigualdade social e a busca por soluções coletivas para problemas individuais?

4. Vaquinha e o Bullying:

O autor critica a pressão social para contribuir nas vaquinhas, com o risco de ser alvo de bullying. Como a sociologia pode nos ajudar a analisar o impacto da vaquinha na dinâmica social da escola, considerando as relações de poder, a exclusão e o cyberbullying?

5. A Escola como Reflexo da Sociedade:

O autor afirma que a escola é um reflexo da sociedade, com seus problemas e desafios. Como a sociologia pode nos auxiliar a pensar o papel da escola na formação de cidadãos conscientes, críticos e preparados para os desafios do mundo contemporâneo?

Bônus:

A Evolução da Cultura da Doação ao Longo da História:

Realize uma análise sociológica da evolução da cultura da doação ao longo da história. Como as mudanças sociais, as lutas por direitos, as diferentes correntes de pensamento e as descobertas científicas influenciaram as formas de doação e caridade em diferentes épocas e culturas? Quais os desafios e as oportunidades que a prática da doação enfrenta na sociedade contemporânea?

sábado, 18 de abril de 2009

Democracia Ilícita ( O Respeito aos outros basta!)



Crônica

DEMOCRACIA ILÍCITA ( O Respeito aos outros basta!)

sábado, 18 de abril de 2009
Claudeci Ferreira de Andrade

       Quarta-feira, o conselho de classe aconteceu, estava marcado, regozijei-me por não ser meu dia de trabalho. Sempre que posso, fujo desse momento antropofágico (ingestão do inimigo para apropriação de suas qualidades guerreiras). No qual, os representantes de turma estraçalham a moral, o profissional, até a honra do professor e o que mais lhe causar algum prazer. Os coordenadores que assistem, com uma falsa impassividade, anotam tudo, tudo talvez que eles gostariam de dizer aos seus professores, mas lhes faltava a coragem ou o bom senso não lhes permitia. Se “os canibais da reputação profissional”, no conselho, se voltassem para os coordenadores pedagógicos, já tinha acabado esse momento antropofágico! Ou não? Mas, o alvo rotineiro é falar mal de professor, dos colegas de classe e das instalações da escola, nunca vi nada diferente nesses muitos por anos de sacrifício ritualístico. É o momento da vingança sem motivo, e os que falam incentivam os que não têm nada a dizer. Não sei por que ainda existe a presença de aluno no conselho, sendo que os coordenadores podem fazer relatórios a todo instante, e alunos podem denunciar a todo instante: tacape fatal! Talvez, perdura ainda para descargo de consciência daqueles professores que contra-atacam vorazmente, justificando as tantas notas baixas em sua disciplina. Que não é meu caso!
      Todavia, houve até, entre os alunos, uma representante de classe, ainda insatisfeita porque eu não tinha ouvido o que falara de mim naquele conselho, então mostrou-se disposta a repetir a dose, interpelando-me nos corredores da escola na quinta-feira:
      — Professor, o senhor vai está presente no próximo conselho? – disse-me com todas as palavras e expressões que me traduziam muita “fome” de vingança.
      Eu gostaria muito de poder reproduzir nesta crônica as minhas íntimas sensações vividas nos últimos conselhos de classe de que participei, no quais os “críticos pedagógicos” (alunos) orientavam os seus professores a trabalharem “melhor” com eles, porém sou “incompetente” demais para tanto destroço.
      Numa ocasião dessas, ouvi o desabafo de uma colega:
      — "Os representantes de turma são os piores alunos da turma. Mas, também, são escolhidos por eles mesmos!"
      Concordo com minha colega, contudo o problema maior é a falta de mutualidade. Como teremos estímulos para continuar suportando todas as formas de indisciplina: falta de interesse nos estudos por tantos alunos descompromissados, violência física e verbal; ainda ministrar boas aulas?
      Os holocaustos eram oferecidos porque os fiéis permaneciam mal informados sobre Deus, e como resultado, agiam mal, Cristo os aboliu. Assim, faço minha as palavras de um comentário no blog da Glória Perez, falando sobre o Zeca da Novela Caminho das Índias, que educação é igual a futebol, todo mundo pensa que entende e quer dar opinião; aliás, na educação, não existe bastidores, quem sabe menos, sabe tudo. Eu penso que a verdadeira democracia educacional é o exercício do dever de respeitar a outrem. Dar voz para quem não a sabe usar sabiamente sempre foi um sério problema para Deus. 

Não era assim, mas agora, ir à escola significa ir para o esfaqueamento, quando não literal, metaforicamente, como antes: com palavras afiadas. Duvida, assiste a um conselho de classe. Onde alunos regulam professores.   

Claudeko
Publicado no Recanto das Letras em 19/06/2009
Código do texto: T1656709

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sábado, 11 de abril de 2009

CASO DE METONÍMIA ( Você não precisa ser "Zoilo")








Crônica

CASO DE METONÍMIA ( Você não precisa ser "Zoilo")

Claudeci Ferreira de Andrade


           Eu gostaria muito de saber qual a intenção daquele bicicleteiro, um “zoilo” como diria Raquel de Queiroz, ou melhor, um metediço, não é de ver que ele se atreveu a corrigir minha expressão supermetonímica, assim na cara! Tentou me impressionar com sua limitada competência linguística como bom aluno que ele pensava que era, ou apenas, quis espantar-me, o freguês que não simpatizou, com a expressão máxima de sua incompetência profissional, faltando-lhe a polidez minimamente necessária para um empresário de sucesso!?

          Vejam: passando próximo à praça criativa com o pneu traseiro da bicicleta murcho, resolvi entrar em sua oficina:

          — Remenda o meu pneu – dirigi-me a ele assim meio imperativo, pois tinha dinheiro suficiente para pagar o que pedisse.

          — Aqui não remendamos pneu, mas sim, câmara de ar – respondeu-me com ar de "professor" arrogante, mas estava com a roupa suja e as mãos meladas de graxa como um mecânico trabalhador.

          Agora só lamento por não ter explicado para ele que não estava errada minha frase, e nos 10 minutos em que eu assistia ao crítico inconsequente examinar a câmara em um balde d’água, construí, em silêncio, bons argumentos; revendo mentalmente os textos lidos recentemente: “Metonímia, ou a vingança do enganado” (Raquel de Queiroz), “As razões da metonímia em Vidas Secas” (Roberto Sarmento Lima). Constatando nenhum furo, apenas trocou a válvula, recebeu o dinheiro e virou-se. Por um instante, pensei que tivesse se arrependido da inconveniência, por fazer tão barato o serviço: um real.

          A metonímia consiste na substituição de um termo por outro, por existir entre eles uma relação de proximidade, de interdependência, de inclusão. Em minha frase: Remenda meu pneu, há uma sobreposição de metonímia, o dono é usado em lugar do objeto (o pneu é uma parte da bicicleta e não do condutor) e mais ainda, o continente é empregado em lugar do conteúdo (remenda-se a câmara e não o pneu). Portanto, a metonímia é bastante frequente na linguagem do cotidiano, é um recurso expressivo da língua, perfeitamente normal e artístico.

          Com este desagravo, espero preencher aquele vazio que deixei, ou melhor, quero com o mesmo pagar-lhe minha dívida linguística, como deve ser um professor que se preza. Pois só agora tive tempo de escrever aqueles argumentos que não pude dizer na hora, por gentileza. Até porque eu lera em algum lugar, não me lembro mais onde, que se o animal tiver sua perna presa em uma armadilha esmagadora, o domesticar está fora de questão, no mínimo até que o animal seja liberto e conduzido a algum grau de conforto.

          Preciso desse descargo de consciência  E vocês, não? Esta crônica vai lhes ser útil de alguma forma, é meu desejo.
Claudeko
Publicado no Recanto das Letras em 18/06/2009
Código do texto: T1654980

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sábado, 28 de março de 2009

QUALIDADE A QUALQUER PREÇO (Quantidade X Qualidade)


Crônica

QUALIDADE A QUALQUER PREÇO (Quantidade X Qualidade)


Claudeci ferreira de Andrade

          Muitos de nós suspeitamos um pouco da escola que se diz de qualidade, mas quando sabemos ou lemos das pretensões “a qualquer preço”, tais como as medidas para a diminuição da evasão escolar, progressão continuada (aprovação automática) e até oferecer vaga para quem quer que procure em qualquer época, descobrimos que há má-fé e mentira astuciosa em algum setor.

          Trabalho em uma sala de 8º ano, em uma escola municipal, com 50 alunos devidamente matriculados, na qual, no mínimo 45, todos os dias, comparecem; também, o lanche dá uma forcinha! Indisciplinada, sem controle, uma das piores que já conheci. Mas, nesta semana, já quase fechando o primeiro bimestre, deparei-me com um aluno novato, que o matricularam, exatamente naquele 8º ano superlotado. São 51, “uma boa ideia”, alunos agradecidos pela vaga na escola, falando bem, talvez, assim, assegurem a "qualidade"!

          De modo semelhante, o olhar unilateral quase se tornou uma prática corriqueira entre os burocratas da educação que visam somente quantidade. Entretanto, demasiadamente ludibriados por essa Imposição social, muitíssimo simplista, querem “tampar o sol com a peneira”. Eles querem salvar apenas sua pele e estão se apoiando em sua consciência cauterizada a fim de suster a garantia de seu sucesso como gestores populistas. Mas, com “a boa ideia” de primar pela quantidade sobre a qualidade, a evidência vem à tona e desaparece como a sombra na água. Este é o Ato de má-fé, a mentira astuciosa.

          É semelhante a uma brincadeira cruel. Tudo isso pode dar ao professor o direito de desconfiar da busca pela qualidade tão recomenda por retórica apenas. Se não for desilusão, será desespero. O que resta se as resoluções do conselho, que pretendem zelar pela a qualidade do ensino, são desrespeitadas?
          Suponho que o problema não está com as resoluções do conselho da educação, mas em nossa compreensão delas, talvez. Quando são enfatizados os interesses políticos egoístas, aí acontece um cegamento e consequentemente, essas barbaridades; falhamos! Então concluo que a luta maior é do professor que recebe o rótulo de “sem domínio de classe”, “sem conteúdo” e o sem tudo.
          São muitos os "Felipes" e as "Larissas" que se estragam pela exorbitante transigência de seus pais, que não se preocupam com a qualidade da educação para seus filhos (já que a escola faz pouco caso, os pais deveriam se preocupar). Nós professores queremos classes com 20 alunos para uma dedicação equilibrada, como se alunos não representassem dinheiro na escola (PDDE), isto é, quanto mais aluno mais verbas para a escola. Então, como equilibrar qualidade e quantidade? Sou um sem domínio de classe sim, pelas circunstâncias, mas também como provarei meu domínio de conteúdo? Eu só peço a quem domina meu direito, uma chance para sobreviver.
Claudeko
Publicado no Recanto das Letras em 15/06/2009
Código do texto: T1649899

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sábado, 21 de março de 2009

ALUNO, FILHO DE PROFESSORA (Filho de professora invade escola e mata 27 nos EUA)




Crônica

A EDUCAÇÃO COM CONSEQUÊNCIA (Filho de professora invade escola e mata 27 nos EUA)

Claudeci Ferreira de Andrade

          Uma mãe que também é professora, de cujo filho sou professor, disse-me a coordenadora que ela estava aterrorizada por medo de que eu pudesse estar marcando seu filho para a reprovação! Isso aconteceu pela terceira vez, pois ela mesma já tinha falado comigo. Na tal conversa, falei quem era seu filho na sala: um dos piores, em comportamento e aprendizagem. Eu não condeno essa mãe professora por alimentar tamanho medo. Apenas a compreendi ternamente e procurei ganhar melhor a sua confiança com a verdade.
          Estou aprendendo muito com esse filho de professora. Já tive outros filhos de professor como aluno. Mas, eu os tinha sempre como exemplos de aluno, apesar do fato de que evidentemente eles nunca foram bons exemplos, tratavam-me com o mesmo descaso que provavelmente tratavam seus pais, pelo o motivo que eles sempre misturam os papéis: o professor na pele de mãe e a mãe na pele de professor. Mesmo que esse aluno basicamente se preocupasse comigo e com os colegas, não deixou de se colocar como fofoqueiro, inventando tantas mentiras para denegrir minha imagem perante sua mãe; sentia grande necessidade de ter cuidado de si mesmo. Não confia em professor algum.
          Não obstante, agora estou coagido a ceder a seus caprichos, ele levanta a hora que quer, não posso impedi-lo de ir ao banheiro, conversa à vontade, perturbando o bom andamento da aula, pois não posso repreendê-lo. E estou obrigado pelas circunstâncias a facilitar para que tire notas boas, tenho medo que interprete minha atitude de bom professor como marcação; conte à sua mãe, e ela venha correndo pela quarta vez à escola, e dessa vez fale com a diretora.
          Que visão acanhada! Como me dissesse que não é capaz de acompanhar os outros com a mesma competência. Eu não poderia admitir por fim que seja destruído, mas sua mãe não me deixa trabalhar melhor.

          Eu sei que condenando esse aluno, não estaria resolvendo o seu problema. Isto jamais resolve os problemas de alguém. Assim, o melhor que posso fazer é deixá-lo tranquilo, não o prejudicarei mais do que já estar e que descubra ao longo de sua vida escolar que tem diferença entre professores. Não sou de marcar aluno, afinal, não chamo a atenção de aluno algum que não seja para demonstrar maior cuidado. E esses respondem geralmente como fez Ryan Lanza. "O policial disse que a mãe de Ryan Lanza, Nancy Lanza, trabalhava como professora na escola. Um atirador de 24 anos que matou 27 pessoas numa escola escola elementar Sandy Hook em Newtown." http://www.dgabc.com.br/News/5999387/eua-atirador-mata-pelo-menos-27-em-escola-primaria.aspx  (visto em 15/12/012).
          Agora estou condescendendo com esse aluno, por medo do que poderá acontecer à minha reputação e por se tratar de um filho de professora, perdi a confiança e o respeito dele. Sei que somente quando chegar a perceber que minha atitude anterior — antes de descobrir que ele é filho de professora — seria seu melhor caminho, totalmente adequado, vai lamentar, pois poderá ser tarde demais para que nossos temores finalmente sejam desfeitos. Poupe-me e não me torture com a pergunta mais desprovida de sabedoria e de boas intenções: Por que meu filho tirou esta nota?
          
Claudeko
Publicado no Recanto das Letras em 14/06/2009
Código do texto: T1648072


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