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sábado, 28 de março de 2009

A linha tênue entre quantidade e qualidade ("A educação exige os maiores cuidados, porque influi sobre toda a vida." — Sêneca)



A linha tênue entre quantidade e qualidade ("A educação exige os maiores cuidados, porque influi sobre toda a vida." — Sêneca)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Há dias em que ser professor é como comandar um barco à deriva, cercado por uma tempestade que não vem de fora, mas de dentro. Olhares inquietos, conversas incessantes e cadeiras que rangem em uma melodia descontrolada tornam o ambiente caótico. Trabalho com uma turma de 8º ano em uma escola municipal, onde a frequência quase perfeita — algo raro — deveria ser motivo de orgulho. São 50 alunos devidamente matriculados e, na maioria das vezes, 45 ou mais comparecem. Talvez seja o lanche que os atrai, ou quem sabe uma esperança silenciosa que só eles conseguem explicar.

Esta semana, no entanto, algo que já era desafiador tornou-se ainda mais complexo. Em meio ao caos habitual, um garoto novo foi apresentado à turma. Magro, carregava um caderno vazio e um sorriso que parecia implorar por acolhimento. "Mais um?", pensei, enquanto ouvia o breve discurso da secretaria sobre inclusão e oportunidades. Agora éramos 51. "Uma boa ideia", disseram. A inclusão, tão bela no papel, parecia, mais uma vez, apenas uma estratégia para inflar números — uma retórica vazia que esconde intenções menos nobres.

A lógica por trás dessa decisão é cruelmente simples: mais alunos significam mais verbas. Mas onde fica a qualidade? Com 51 adolescentes em uma sala, atender às necessidades individuais se torna uma missão impossível. Eles se perdem não apenas no barulho, mas também no abandono silencioso de suas potencialidades. Cada "Felipe" e cada "Larissa" que passa despercebido representa uma oportunidade perdida, uma história que poderia ter um final diferente.

Essa obsessão pela quantidade não é apenas fruto de má gestão; é reflexo de uma visão míope que permeia o sistema educacional. Medidas como progressão continuada e matrículas a qualquer tempo são propagandeadas como soluções para a evasão escolar, mas frequentemente resvalam na má-fé. É uma "mentira astuciosa", que tenta disfarçar o fracasso estrutural com números maquiados. Os burocratas da educação, cegos por interesses políticos ou pessoais, ignoram o essencial: educação é um investimento de longo prazo, não um jogo de estatísticas.

No final do dia, enquanto corrigia provas, refleti sobre o preço que os professores pagam. Somos rotulados de incompetentes, muitas vezes por coordenadores que nunca enfrentaram uma sala de aula, acusados de "sem domínio de classe" ou "sem conteúdo". Contudo, a verdade é que somos apenas peões em um jogo desigual. As resoluções e normas que prometem garantir a qualidade não chegam até nós, e os discursos vazios dos gestores se dissolvem diante da dura realidade cotidiana.

Desejamos turmas menores, com cerca de 20 alunos, para oferecer uma atenção mais equilibrada. Não é capricho; é porque compreendemos que a educação de qualidade exige tempo, dedicação e esforço. Em vez disso, enfrentamos uma realidade em que os alunos são tratados como cifras para as escolas, e não como indivíduos com sonhos e desafios únicos.

Enquanto guardava os papéis do dia, meus olhos pousaram no caderno vazio do aluno recém-chegado. A página em branco era mais que um objeto; parecia um espelho da nossa realidade. Entre a quantidade e a qualidade, a balança pende sempre para o lado do que pode ser contado, enquanto o que realmente importa é deixado para trás.

Ainda assim, algo em mim insiste em acreditar que podemos fazer diferente. A educação tem potencial para ser mais do que números e discursos vazios. Mas, para isso, é preciso coragem para olhar além das métricas e enfrentar os desafios reais. Talvez, então, a "boa ideia" de hoje não seja apenas mais uma mentira astuciosa, mas uma oportunidade genuína de mudança.

Com base no texto apresentado, elaborei 5 questões que exploram diferentes aspectos da experiência do professor e da dinâmica escolar:


O texto compara a sala de aula a um barco à deriva. Quais os elementos que contribuem para essa sensação de descontrole e como eles impactam o processo de ensino-aprendizagem?

Essa questão leva os alunos a refletir sobre os desafios enfrentados pelos professores e como as condições de trabalho podem afetar a qualidade do ensino.


A inclusão de novos alunos é apresentada como uma estratégia para aumentar o número de alunos matriculados. Quais as consequências dessa prática para a qualidade do ensino e para os alunos?

A questão busca que os alunos compreendam as implicações da busca por números em detrimento da qualidade do ensino e como isso pode afetar a aprendizagem dos estudantes.


O texto critica a visão utilitarista da educação, que prioriza a quantidade de alunos em vez da qualidade do ensino. Quais as consequências dessa visão para a sociedade como um todo?

Essa questão incentiva os alunos a refletirem sobre o papel da educação na sociedade e como a busca por resultados quantitativos pode prejudicar o desenvolvimento dos indivíduos.


O autor menciona que os professores são frequentemente responsabilizados pelos problemas do sistema educacional. De que forma os professores podem se organizar para reivindicar melhores condições de trabalho e uma educação de qualidade?

A questão leva os alunos a analisar o papel dos professores na luta por uma educação mais justa e igualitária e como eles podem se unir para defender seus direitos.


O texto conclui com uma nota de esperança, sugerindo que é possível transformar a educação. Quais as ações que podem ser tomadas para que a educação se torne mais humanizada e focada na qualidade do ensino?

Essa questão estimula os alunos a refletirem sobre as possíveis soluções para os problemas da educação e como cada um pode contribuir para a construção de uma escola melhor.


Um comentário:

Escrevendo na Pele disse...

E sobreviver nessa selva meu caro mestre, fica deveras difícil. Tratando-se de qualidade de ensino e respeito pelo próximo que pode ser eu, você e o outro, certo? Desisitir jamais, pois a luta continuará fervorosa! Bjs, e boa sorte no desbravamento das densas matas.