"Se você tem uma missão Deus escreve na vocação"— Luiz Gasparetto

" A hipocrisia é a arma dos mercenários." — Alessandro de Oliveira Feitosa

Pesquisar neste blog ou na Web

sábado, 18 de abril de 2009

DEMOCRACIA ILÍCITA ("Educar não é encher um balde, mas acender um fogo." — William Butler Yeats)



Crônica

Os corredores da escola possuem um silêncio peculiar, quase ensurdecedor. É um silêncio que fala, que narra histórias que nenhum conselho de classe consegue traduzir. Naquele dia, mais uma vez, o ritual se repetia. Aliviado por não estar entre os convocados, observei à distância a liturgia dessa dança onde palavras cortam mais fundo que lâminas.

Já participei de conselhos de classe o suficiente para reconhecer seu caráter antropofágico. Entre representações discentes e os olhares falsamente impassíveis dos coordenadores, o que se vê é um espetáculo no qual os professores são banqueteados. Cada crítica parece alimentar um apetite insaciável, não pela construção, mas pela destruição. Uma professora ao meu lado, em uma dessas ocasiões, desabafou com um misto de sarcasmo e frustração:

— Os representantes de turma são sempre os piores alunos. E, claro, eleitos por seus próprios pares!

Essa definição, embora carregada de ironia, ecoa verdades que preferimos não dizer. No conselho, os papéis estão bem definidos: alunos no banco dos juízes, coordenadores como escribas, e professores no banco dos réus, à mercê de veredictos emocionais e implacáveis. Não importa o quão bem você desempenhe seu papel, o tribunal já tem sua sentença.

Foi após um desses momentos que uma aluna, representante de turma, me abordou no dia seguinte. Sua expressão era tão séria quanto provocativa:

— Professor, o senhor vai estar presente no próximo conselho?

Havia mais do que curiosidade em sua pergunta. Era um desafio, um convite velado para mais um duelo metafórico, onde palavras seriam as armas.

Os conselhos deveriam ser espaços de troca, não de confronto. No entanto, transformaram-se em arenas de vingança, lugares onde se fala mal de tudo e de todos: professores, colegas, instalações. Sempre me pergunto por que ainda se insiste na presença de alunos nesse processo, quando suas vozes já ecoam em tantas outras instâncias, desde denúncias informais até relatórios formais.

Longe dali, refleti sobre como nossa educação se assemelha a um campo de batalha, quando deveria ser um jardim. Jardins exigem paciência, cuidado e, acima de tudo, compreensão. Cada planta cresce à sua maneira, nem sempre como esperamos, mas todas merecem atenção. O problema maior, contudo, não está no aluno que critica nem no professor que justifica, mas na ausência de respeito mútuo.

Na educação, assim como no futebol, todos se sentem especialistas. Todos têm opiniões e querem dizer como deveria ser feito, como se ensinar fosse um ato simples e mecânico, ao alcance de qualquer um. Mas, diferente do futebol, onde o jogo acontece atrás de bastidores bem orquestrados, na educação tudo é exposto. Não há ensaios, apenas o improviso do dia a dia.

Dar voz é importante, mas usá-la sabiamente é ainda mais. Conceder espaço a quem apenas ecoa críticas vazias não fortalece a democracia educacional; fragiliza o ambiente que deveria ser de construção. Se os conselhos fossem verdadeiros encontros de diálogo, talvez não saíssemos deles com a sensação de termos sido esfaqueados — metafórica ou literalmente.

Assim seguimos: eu, professor; eles, alunos; todos, aprendizes. E, no silêncio eloquente dos corredores, guardo a esperança de que um dia essa dança dissonante possa se tornar harmonia. Afinal, a educação não é sobre vitórias individuais, mas sobre o encontro humano, onde imperfeições e desejos se cruzam para criar algo maior.

5 Questões Discursivas sobre o Texto

O texto descreve os conselhos de classe como um "espetáculo antropofágico". O que o autor quer dizer com essa comparação e como essa dinâmica impacta o ambiente escolar?

Qual a função dos representantes de turma nos conselhos de classe, segundo o texto? Essa função é positiva ou negativa para o processo educativo?

O autor critica a falta de respeito mútuo entre professores e alunos nos conselhos. Como essa falta de respeito influencia a relação entre ambos e a qualidade do ensino?

O texto sugere que a educação é frequentemente comparada a um jogo. Quais as implicações dessa comparação para a forma como entendemos o processo de ensino-aprendizagem?

Qual a importância do diálogo e da escuta ativa nos conselhos de classe para a construção de um ambiente escolar mais saudável e produtivo?


Um comentário:

Anônimo disse...

Bom dia, professor... Bom feriado!

Li, reli tuas crônicas, teu pensar, um pouco de "desabafo" e por que não, um grito incontido?

Senti dentro de mim esta mesma realidade me roendo e faz anos, nunca tive força para gritar, mas te felicito por oportunas palavras("canibais", "antropofágico", "tacape") que transcreve fielmente tal momento, de norte a sul deste país, na mais cruel realidade já vivida, onde professor já é sinonimo de tantas outraspalavras, e em apenas uma, resumistes a que falará por si só, a que no fará viver, "holocausto".



Sou naturalmente otimista mas, já imagino a educação restringida a "jaulas" vigiadas por PM's. Lastimavelmente.



Aaaaaaaahhh...(risos) O meu, também sempre fura o pneu... Terrível, hein?

Não desanima não, grite por mim que estou aqui, em fim de linha e já não tenho "voz".

O que me consola hoje, são os que já passaram por mim, e hoje os encontro ganhando o pão nosso, com o pouco que lhes transmiti.

E eu, continuo vivendo certa de que, vivo a beleza de ser uma eterna aprendiz, amém.





Beijos querido!


Profª Míriam Dniz - Garanhuns - PE