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MINHAS PÉROLAS

⁠ENSINAR É VIVER ("Não adianta nada alguém ficar dando lições de moral, se esse mesmo alguém não vivencia aquilo que fala." — Fabrine Silva)
           Você só seria livre para escolher, se não houvesse nenhuma chance de arrepender-se do que decidiu. Livre-arbítrio não existe SEM AUTONOMIA. O satanás ensina QUE O HOMEM É LIVRE E LHE ESCONDE AS RÉDEAS DA LEI DA CAUSA E EFEITO. O Lúcifer tem sucesso porque já despertou nas pessoas o desejo de ser Deuses. E ele sabe que quando uma pessoa tem um conceito errado de algum aspecto da vida, todas as outras ideias desse indivíduo estão comprometidas. Essa pessoa precisa se justificar muitas vezes para continuar vivendo com alguma credibilidade. A incoerência o denuncia. O que ensina um professor fumante e alcoólatra nas entrelinhas de sua disciplina? Por que dizer: "faça o que digo e não faça o que faço". Se esta falsidade em si já é demais descredenciadora do fazer e dizer? Tanto é o conhecimento que motiva o comportamento, como é também o comportamento motivador do conhecimento; assim, os imbricados clamam por coerência. Somos definidos por ações e palavras. Por isso, aprende-se melhor pelo exemplo. A árvore boa dá bons frutos, e os frutos bons revelam a bondade da árvore. CiFA

Claudeci Ferreira de Andrade

terça-feira, 1 de abril de 2025

Pisando em Ovos ("Onde todos pensam da mesma forma, ninguém pensa muito." - Walter Lippmann)

 

Pisando em Ovos ("Onde todos pensam da mesma forma, ninguém pensa muito." - Walter Lippmann)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Aquele café da manhã na sala dos professores tinha um quê de velório antecipado. O aroma forte da bebida preenchia o ar, mas o silêncio denso só era quebrado pelo tilintar das colheres nas xícaras. Sentei-me na última fileira, observando meus colegas. Alviro Tenbrax, o professor de biologia, parecia um equilibrista prestes a iniciar seu número, folheando suas anotações com ansiedade palpável, o marca-texto vermelho dançando freneticamente sobre as páginas.


— "Tudo bem com o conteúdo?", - arrisquei, aproximando-me. Ele soltou uma risada amarga, sem humor algum. — "Estou aqui, cortando e colando a aula sobre reprodução humana. Semana passada, uma mãe me acusou de sexualizar as crianças. Sexualizando! Com o livro didático aprovado pelo próprio MEC, imagine só."


No corredor, cruzei com Seraphina Vellor, veterana da sociologia, com mais de duas décadas de sala de aula nas costas. As olheiras profundas emolduravam um semblante cansado enquanto ela equilibrava uma pilha de provas. — "E a aula sobre movimentos sociais?", - perguntei, tentando soar otimista. Ela suspirou pesadamente. — "Nem toquei no assunto. Três alunos já estavam com os celulares em riste, prontos para me gravar, acusando-me de doutrinação. Tive que improvisar algo mais... neutro." - As aspas que fez com os dedos no ar diziam tudo sobre sua opinião sobre essa tal neutralidade.


Durante o intervalo, testemunhei Kael Durnhart, nosso professor de filosofia, sendo chamado à coordenação. O motivo? Uma reclamação formal de uma família, alegando que suas discussões sobre diferentes perspectivas religiosas feriam sua fé. Kael Durnhart, sempre tão cuidadoso em abordar cada crença com respeito e imparcialidade, agora se via no banco dos réus por fazer justamente aquilo que a filosofia exige: questionar, refletir, provocar pensamento.


Na minha própria aula de português, devolver as redações corrigidas tornou-se um potencial campo de batalha. Uma aluna, ao ver as anotações sobre seus erros gramaticais, fechou o caderno com uma violência surpreendente. — "Meu pai é advogado", - sibilou, como quem anunciava o apocalipse. — "E ele disse que humilhar aluno é assédio moral." - Tentei explicar, com a paciência que me resta, que correções são parte intrínseca do aprendizado, não um ataque pessoal. Mas, suas palavras ecoaram em minha mente como um prenúncio sombrio.


Na reunião pedagógica do dia seguinte, logo pela manhã, a diretora, com um entusiasmo forçado, anunciou a novidade: — "No próximo semestre, nossa escola será de tempo integral!" - Olhei para os lados e vi apenas cansaço estampado nos rostos dos meus colegas. Nenhuma celebração, apenas o sussurro carregado de ironia de uma colega: — "Mais horas pisando em ovos."


É curioso como, gradualmente, nos transformamos em equilibristas de palavras, em vez de educadores apaixonados. Cada termo precisa ser meticulosamente pesado, cada conceito cuidadosamente filtrado, cada correção excessivamente adocicada. Desenvolvemos uma habilidade quase circense em desviar de minas terrestres invisíveis: sabemos instintivamente quais assuntos evitar, quais debates jamais iniciar, quais verdades jamais pronunciar em voz alta.


Ao final de mais um dia exaustivo, quando os corredores da escola já estavam desertos, encontrei um pequeno bilhete deixado sobre minha mesa. — "Obrigada por ter me ensinado a pensar criticamente. Decidi cursar Letras por sua causa." - Era a caligrafia de uma ex-aluna, formada no ano anterior. Guardei aquele pedaço de papel com um misto de cuidado e melancolia. Nele residia tanto o poder de saber que, apesar de tudo, ainda conseguimos alcançar algumas mentes jovens, quanto a fragilidade de perceber que essa mesma aluna estava prestes a ingressar em uma profissão cada vez mais cerceada e amordaçada.


Fechando a porta da sala, refleti sobre o paradoxo cruel da educação contemporânea: exige-se que formemos cidadãos completos, críticos e preparados para enfrentar a complexidade do mundo, mas nos tolhem a liberdade de apresentar essa mesma complexidade em sala de aula. Querem que ensinemos os jovens a voar, mas insistem em cortar nossas asas a cada tentativa de decolagem. Na escola de tempo integral que se avizinha, teremos mais horas para ensinar cada vez menos. Mais tempo juntos, com cada vez menos liberdade para sermos verdadeiramente educadores. Talvez o nosso maior desafio, como professores, não seja mais transmitir conhecimento, mas sim preservar a coragem de continuar tentando fazê-lo, mesmo quando cada passo em direção ao ensino ressoa como o frágil estalar de cascas de ovos sob nossos pés.



Como um bom professor de sociologia, preparei 5 questões discursivas simples, baseando-me nas ideias principais do texto apresentado, para estimular a reflexão sobre os aspectos sociais envolvidos na situação vivenciada pelos professores:



1. De que maneira o relato do professor ilustra as mudanças nas expectativas sociais em relação ao papel do educador na atualidade? (Esta questão visa explorar como a sociedade contemporânea percebe e exige o comportamento dos professores.)

2. O texto descreve um ambiente escolar onde o medo de represálias parece inibir a liberdade pedagógica. Como essa dinâmica afeta o processo de socialização dos alunos e a formação de cidadãos críticos? (Esta questão busca analisar o impacto do medo no desenvolvimento do pensamento crítico e na participação cívica dos estudantes.)

3. A menção a reações de pais e alunos, como acusações de sexualização, doutrinação e assédio moral, reflete um aumento da judicialização das relações escolares. Quais são as possíveis causas e consequências dessa tendência para a comunidade educativa? (Esta questão pretende estimular a reflexão sobre a crescente interferência legal nas questões escolares e seus efeitos.)

4. A decisão de implementar a escola de tempo integral é apresentada em um contexto de dificuldades e restrições para os professores. Sob uma perspectiva sociológica, como essa medida pode impactar a dinâmica das relações sociais dentro da escola e a qualidade do ensino? (Esta questão busca analisar as possíveis implicações sociais e pedagógicas da expansão da jornada escolar no cenário descrito.)

5. Ao final do texto, o professor reflete sobre o paradoxo de se exigir a formação de cidadãos críticos em um ambiente onde a liberdade de expressão é limitada. De que maneira essa contradição pode ser compreendida à luz das teorias sociológicas sobre educação e poder? (Esta questão visa incentivar a reflexão sobre as relações de poder e os obstáculos para a efetivação dos objetivos da educação na sociedade.)

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