
Crônicas
DISSIMULAR PARA VIVER BEM ("Discrição é saber dissimular o que não se pode remediar..." — Vítor Santos)
Nunca entendi muito bem por que, ao entrar na sala dos professores, me sentia como se adentrasse um teatro mal iluminado. Havia cortinas invisíveis entre as mesas, bastidores nos olhares e figurinos pendurados no tom de voz. Alguns vestiam a alegria como quem escolhe uma fantasia desconfortável — sorrindo com os lábios, mas não com os olhos.
Certa vez, um amigo, desses que a gente escuta com a alma, me disse: "Mais difícil que amar os inimigos é dividir o cafezinho com os colegas de trabalho." Achei exagero, à época. Hoje, penso que ele foi até gentil. Parece mais fácil obedecer à ordem de Jesus de amar nossos inimigos do que viver em harmonia no ambiente "profissional".
Tudo começou no meu primeiro ano naquela escola. Cheguei com a ingenuidade dos que acreditam em união espontânea entre pessoas com a mesma profissão. Imaginava conversas inspiradoras sobre educação, apoio mútuo nas dificuldades, trocas verdadeiras de experiências. O que encontrei, no entanto, foi um terreno minado por disputas silenciosas, silêncios gritantes e uma estranha necessidade de sorrir sempre — mesmo quando a vontade era apenas suspirar fundo e sair andando.
A causa dessa falta de cumplicidade entre os docentes está na exposição inevitável dos opositores. Quando somos maltratados por alguém externo ao nosso meio, tendemos a ser mais condescendentes — afinal, ele não conhece nossos assuntos e não representa nossa categoria. Porém, quando um membro da própria escola se recusa a seguir a orientação dominante, sentimo-nos traídos. Ele compartilha o mesmo ambiente e o mesmo rótulo, mas não comunga das mesmas ideias. E então, tememos que sua dissidência afete o que os outros pensam de nós.
Recordo um caso que ilustra bem essa dinâmica. Um homem levou um amigo para ensiná-lo a dirigir. Em um campo aberto, o principiante aprendeu rapidamente os fundamentos e sentia-se confiante. No entanto, ao enfrentar o trânsito movimentado, com o som das buzinas, os sinais e os pedestres, tudo se tornou demais para ele. Na primeira entrada lateral, desistiu e exclamou: "Teria sido fácil, se não fossem as outras pessoas!" O mesmo acontece em nosso meio "profissional" — o ideal seria fácil de alcançar, não fosse a complexidade das relações humanas.
Aprendi a desconfiar do entusiasmo excessivo de quem elogia demais. Descobri que, muitas vezes, quem te abraça na entrada pode te ferir pelas costas na saída. O convívio ali exigia muito mais do que boa vontade: era preciso equilíbrio, jogo de cintura e uma dose bem administrada de hipocrisia — daquelas que não fazem mal a ninguém, mas também não curam nada.
Lembro-me de um colega novato que, ao tentar ser sincero em uma reunião, foi cortado com um comentário risonho, porém gelado: "Aqui a gente fala com cuidado, senão sobra pra nós mesmos." Ele nunca mais se expressou com liberdade. Talvez tenha aprendido cedo demais a coreografia do lugar, percebendo que o fraco vence os inimigos fortes se ouvir cada palavra deles, vestir sua camisa e caminhar para onde eles vão. Quem melhor fingir ser um deles escapa com vida.
É curioso como o ambiente escolar, que deveria ser espaço de formação e verdade, transforma-se em palco de vaidades. E a gente, sem perceber, vai se moldando. Não para agradar, mas para não desagradar demais. Começamos a pesar as palavras, medir os gestos, disfarçar o cansaço. Colocamos uma máscara pela manhã e só a retiramos ao cruzar o portão da saída — isso quando não a levamos para casa.
Ao mesmo tempo em que zelamos pela uniformização como uma "panelinha", são justamente as pessoas ao nosso redor que nos atrapalham. E isso parece ser ainda mais grave no sistema educacional. Trabalhar as aparências, com o intuito de promover a harmonia, surge como solução. Aprender a respeitar os outros tanto quanto a nós mesmos — fingindo, quando necessário — faz parte do processo de crescimento "profissional", pois o testemunho do educador tem peso significativo.
Não estou dizendo que todos são falsos. Longe disso. Há quem resista, quem tente manter o brilho da autenticidade mesmo diante de tanta encenação. Mas esses, infelizmente, são raros — e, por isso mesmo, preciosos. Não devemos nos desesperar quando nossos colegas não vivem de acordo com nossos ideais. Com um amor abnegado pelo emprego conquistado, fingimos confiar neles, e eles também fingem confiar em nós.
No fundo, entendi que conviver é, em parte, a arte de suportar. E que a maturidade talvez resida em equilibrar a verdade que habita em nós com a cordialidade que o mundo exige. É um jogo delicado, onde o prêmio não é o aplauso, mas a própria consciência em paz. Até mesmo os inimigos, quando têm objetivos comuns, unem-se — e, como resultado, nasce a cumplicidade.
Como diria Dinamor: "Quem quiser vencer na vida deve fazer como os sábios: mesmo com a alma partida, ter um sorriso nos lábios." Se isso promove a harmonia nas relações, talvez seja necessário um pouco dessa hipocrisia social. Ou, como atribuído a Chico Xavier por Carlos A. Baccelli: "A verdade que fere é pior do que a mentira que consola."
Hoje, ao sair da escola, me pego pensando: quantas máscaras eu vesti hoje? E, mais importante: qual delas sou eu de verdade?
Questões Discursivas de Sociologia
Questão 1
O texto utiliza a metáfora do teatro para descrever as relações na sala dos professores. Comente como essa metáfora se relaciona com o conceito sociológico de "representação social" elaborado por Erving Goffman, e explique como os papéis sociais são desempenhados no ambiente escolar descrito.
Questão 2
O autor afirma: "Não estou dizendo que todos são falsos. Longe disso. Há quem resista, quem tente manter o brilho da autenticidade mesmo diante de tanta encenação." Discuta como a tensão entre autenticidade individual e conformidade social se manifesta nas instituições contemporâneas, usando o ambiente escolar como exemplo.
Questão 3
Analise a frase "Até mesmo os inimigos, quando têm objetivos comuns, unem-se — e, como resultado, nasce a cumplicidade" à luz da teoria sociológica dos grupos de interesse e da solidariedade mecânica e orgânica propostas por Émile Durkheim.
Questão 4
O texto menciona que "a causa dessa falta de cumplicidade entre os docentes está na exposição inevitável dos opositores". Relacione esta afirmação com os conceitos sociológicos de controle social e desvio, explicando como as instituições criam mecanismos para manter a conformidade de seus membros.
Questão 5
No final do texto, o autor questiona: "quantas máscaras eu vesti hoje? E, mais importante: qual delas sou eu de verdade?" Discuta como a construção da identidade individual se relaciona com os múltiplos papéis sociais que desempenhamos em diferentes contextos, considerando as teorias do interacionismo simbólico.
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