Crônica
Cansados, mas não do que pensam ("O cansaço do corpo não é nada comparado ao cansaço da alma." - Clarice Lispector)
Março de 2025. O cansaço que outrora nos alcançava apenas em outubro, como prenúncio do esgotamento ao fim do ano letivo, já se instalara entre nós, professores, com a força inesperada de uma tempestade. A manhã outonal, com suas folhas em espiral descendente, anunciava mais um dia que, embora envolto na aparência da normalidade, carregava um peso incomum — um fardo que nem o café forte, tampouco a promessa de descanso dominical, conseguia aliviar.
Ao cruzar o limiar da sala dos professores, pairava no ar a notícia da aposentadoria precoce de Marcelina — densa como a fumaça de um incêndio mal contido. Seus olhos, antes vivos e vibrantes, agora refletiam uma opacidade triste, marca de anos de dedicação exaustiva. Ela era apenas mais um nome a engrossar a alarmante estatística de colegas que, mesmo diante da redução salarial, preferiam abandonar o campo de batalha da educação.
Na sala de aula, o cenário se repetia: um calor sufocante esmagava cinquenta alunos em um espaço cada vez mais reduzido. As janelas, escassas e mal cuidadas, ofereciam alívio irrisório. As carteiras, riscadas com a tinta da frustração silenciosa, contavam histórias que jamais seriam registradas nos boletins. E nós, ali, persistíamos — tentando semear conhecimento num solo ressecado, onde o caos silencioso já se tornara rotina.
É fundamental reafirmar: amamos ensinar. Essa é a força que nos move, a razão pela qual resistimos — apesar de tudo. A exaustão que nos consome não vem da sala de aula, da troca com os alunos, do brilho nos olhos ao descobrir um novo conceito. O desgaste nasce da burocracia sufocante, dos relatórios estéreis que consomem nosso tempo, das tarefas repetitivas que nos afastam do planejamento cuidadoso, da correção atenta, do olhar individualizado que cada estudante merece. Pagam-nos por oito aulas, mas cobram vinte. E não contabilizam o trabalho invisível que atravessa os muros da escola, invade nossos lares, ocupa nossos fins de semana.
Mais desolador que a sobrecarga é o abandono. A ausência gritante de reconhecimento. Já senti na pele a violência — física e verbal — dentro da sala. Já vi colegas desmoronarem em lágrimas após ameaças. E ainda ouvimos, como punhal, a acusação de sermos os únicos responsáveis pelo fracasso escolar, como se tivéssemos o poder de converter em milagre pedagógico a complexidade de um abandono social estruturado.
Inevitavelmente, surge a pergunta: "por que não mudar de profissão?" Talvez porque, se todos os que ainda acreditam cederem ao cansaço, o que restará? Somos nós, com anos de estudo e formação rigorosa, que ainda sustentamos a frágil estrutura da educação, agarrados a um fio obstinado de esperança. Como bem respondeu um colega, quando questionado por uma mãe: "Se todos os médicos desistissem de clinicar porque os hospitais estão sucateados, quem cuidaria dos doentes?"
A verdade incômoda é que não estamos exaustos de ensinar — estamos exauridos de tudo que nos impede de fazê-lo com dignidade. Cansamos de educar filhos que não receberam os alicerces mínimos, de preencher formulários que parecem sem propósito, de conviver com a violência que ronda nossas salas e, ainda assim, carregar a culpa por cada aprendizado não alcançado — como se estivéssemos à frente de uma equação que ignora todas as variáveis.
Enquanto a sociedade não compreender que valorizar a educação é, antes de tudo, valorizar quem educa, continuaremos assistindo ao êxodo silencioso de profissionais como Marcelina — que preferem a incerteza da aposentadoria precoce ao desgaste de permanecer num sistema que suga sua energia e destrói sua paixão.
E assim seguimos, resistindo em março com a mesma fadiga de outubro, tentando reacender, a cada manhã, a chama da vocação que teimam em apagar. Porque, no fundo, não estamos em lados opostos. Estamos todos imersos nesta complexa jornada chamada "educação" — mesmo que, por vezes, a solidão da trincheira nos faça duvidar se alguém realmente se importa com a nossa luta.
Como seu professor de sociologia, preparei 5 questões discursivas simples, baseando-me nas ideias principais do texto apresentado:
1. A crônica descreve a exaustão dos professores em março de 2025, comparando-a ao cansaço de outubro. Sob uma perspectiva sociológica, quais fatores estruturais e conjunturais do sistema educacional brasileiro podem contribuir para esse desgaste precoce dos profissionais da educação?
2. O autor menciona a sobrecarga de trabalho dos professores, que vai além das horas em sala de aula, incluindo burocracia e atividades não remuneradas. Como a sociologia do trabalho analisa a divisão do trabalho e as condições laborais na profissão de professor, e quais as possíveis consequências dessa sobrecarga para a saúde e a qualidade do ensino?
3. A narrativa aborda a falta de reconhecimento e o sentimento de abandono vivenciado pelos professores, além da injusta culpabilização pelo fracasso escolar. De que maneira a sociologia da educação pode explicar a posição social e o status da profissão docente na sociedade brasileira, e como essa percepção social impacta o trabalho e a motivação dos professores?
4. O texto alude a um ambiente escolar desafiador, com salas superlotadas e até mesmo relatos de violência. Como a sociologia pode analisar as dinâmicas sociais dentro da escola, considerando fatores como a infraestrutura, o número de alunos por turma e as relações de poder entre os diferentes atores (professores, alunos, gestão)?
5. Na conclusão, o autor apela para a necessidade de valorização da educação e dos professores pela sociedade. Qual a importância da valorização social da educação para o desenvolvimento de uma sociedade, segundo a sociologia? Que mecanismos sociais e políticos poderiam ser mobilizados para promover essa valorização?
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