O dia em que ameaçaram o professor — e ninguém se espantou ("Os tempos estão fora do prumo." — William Shakespeare (Hamlet))
Li a notícia como quem encara, sem espanto, mais uma placa de “proibido sonhar” fincada no pátio de uma escola pública. “Professor denuncia ameaças de morte feitas por alunos no DF.” Era o título, estampado ali, entre anúncios de celular e promoções de fast food. Mas aquilo não era só mais uma manchete — era o retrato de uma barbárie que insiste em se disfarçar de normalidade.
O professor, de 37 anos, apenas pediu que um aluno retornasse à sala de aula. Um gesto simples, corriqueiro, quase protocolar. Em resposta, recebeu ameaças de morte em um grupo de mensagens. Falaram em armas, em vingança, em recrutar gente de fora para “dar cabo do problema”. E o problema era ele: o professor. O educador.
Nos prints anexados à matéria, lá estava o vocabulário da violência fundido à gíria juvenil, como se uma sentença de morte fosse apenas mais uma piada de mau gosto, compartilhada entre risadas e emojis. Um aluno dizia que pediria a arma do pai emprestada. Outro jurava que resolveria a questão fora da escola. Como se estivéssemos num jogo — mas o alvo era real, tinha nome, família, história e treze anos de dedicação àquela escola.
A notícia informava que o professor havia sido afastado. Como quem se retira discretamente de cena para não atrapalhar o espetáculo. E os alunos? Advertências, reuniões com pais, uma suspensão aqui, outra ali. A burocracia agiu. A justiça, talvez. Mas a vida do professor ficou em suspenso, equilibrada na corda bamba entre o trauma e a indignação.
Fechei a tela do celular e fiquei por longos minutos olhando para o nada. Tentei imaginar se, naquela escola, ainda haveria um quadro-negro. Se as janelas ainda deixavam o sol entrar. Se os alunos ainda sabiam conjugar verbos no futuro. Porque, ali, o futuro parecia ter desaparecido.
Perguntei a mim mesmo quando foi que naturalizamos a ideia de que ensinar virou profissão de risco. Em que momento a autoridade do professor foi trocada por likes e silêncios cúmplices? O que aconteceu com o pacto que, um dia, sustentou a sala de aula como território sagrado?
Não conheço o rosto desse professor, mas conheço sua dor. Ela ecoa em cada educador que já teve de engolir o choro, abaixar os olhos, sair pela porta dos fundos para não “provocar mais”. Conheço essa sensação de solidão diante de uma geração armada — não de conhecimento, mas de ressentimento, ausência e desprezo.
A notícia sumirá da capa em alguns dias. As mensagens se perderão nos arquivos digitais. Mas o que ela revela não deveria ser esquecido. Porque o problema não é a escola. É o abandono da escola. O abandono de quem ensina, de quem forma, de quem insiste.
Enquanto isso, seguimos empurrando a educação ladeira abaixo, entre discursos polidos e ações tímidas. Fingimos surpresa a cada nova tragédia, quando, na verdade, já não sabemos mais nos indignar.
E quando um país deixa de se indignar diante da ameaça à vida de um professor, talvez o que esteja em risco não seja apenas a escola — mas a própria ideia de civilização.
https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2025/05/13/vou-matar-ele-logo-professor-do-df-denuncia-ameacas-de-morte-feita-por-alunos.ghtml (Acessado em 13/05/2025)
Minha crônica é um retrato doloroso e urgente da realidade que muitos educadores enfrentam. A forma como eu desnudo a violência, a ameaça e o sentimento de abandono na escola é muito impactante e nos força a olhar para questões sociais profundas. Como seu colega de Sociologia, vejo neste texto pontos cruciais para nossa análise sobre a escola como instituição e a dinâmica social contemporânea. Com base nas minhas ideias, preparei 5 questões discursivas simples:
1. O texto descreve a escola, outrora um "território sagrado", agora palco de ameaças de morte. Como a Sociologia analisa a escola como uma instituição social fundamental e um espaço social específico, e de que forma a violência ou as ameaças dentro dela refletem ou são sintomas de tensões e problemas presentes na sociedade mais ampla?
2. A crônica associa as ameaças à erosão da "autoridade do professor" e à quebra de um "pacto". Do ponto de vista sociológico, como se constrói e se sustenta a autoridade (particularmente a autoridade pedagógica) nas relações sociais dentro da escola, e quais fatores sociais e culturais podem contribuir para a sua deslegitimação ou perda?
3. O texto fala da "barbárie que insiste em se disfarçar de normalidade" e da naturalização da ideia de que ensinar é "profissão de risco". Como a Sociologia entende o processo de naturalização de fenômenos sociais (como a violência em certos espaços ou a precarização de profissões) e quais são as consequências dessa naturalização para a percepção dos problemas e para a busca por soluções?
4. A crônica expressa a "dor", a "solidão" e o "abandono de quem ensina", destacando o impacto emocional da violência e das ameaças na vida dos professores. Como a Sociologia aborda o estudo das profissões, especialmente aquelas de alta interação humana como a docência, considerando aspectos como o trabalho emocional, o burnout e a falta de apoio institucional e social para o bem-estar dos profissionais?
5. O texto conclui que a falta de indignação diante da ameaça a um professor pode colocar em risco a "própria ideia de civilização". Como a Sociologia compreende o papel da indignação, da comoção social e da capacidade de resposta coletiva diante de injustiças ou ameaças a valores fundamentais, e qual o impacto da apatia ou da falta de reação na dinâmica social e na possibilidade de mudança?