"Se você tem uma missão Deus escreve na vocação"— Luiz Gasparetto

" A hipocrisia é a arma dos mercenários." — Alessandro de Oliveira Feitosa

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MINHAS PÉROLAS

terça-feira, 13 de maio de 2025

O dia em que ameaçaram o professor — e ninguém se espantou ("Os tempos estão fora do prumo." — William Shakespeare (Hamlet))

 



O dia em que ameaçaram o professor — e ninguém se espantou ("Os tempos estão fora do prumo." — William Shakespeare (Hamlet))

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Li a notícia como quem encara, sem espanto, mais uma placa de “proibido sonhar” fincada no pátio de uma escola pública. “Professor denuncia ameaças de morte feitas por alunos no DF.” Era o título, estampado ali, entre anúncios de celular e promoções de fast food. Mas aquilo não era só mais uma manchete — era o retrato de uma barbárie que insiste em se disfarçar de normalidade.

O professor, de 37 anos, apenas pediu que um aluno retornasse à sala de aula. Um gesto simples, corriqueiro, quase protocolar. Em resposta, recebeu ameaças de morte em um grupo de mensagens. Falaram em armas, em vingança, em recrutar gente de fora para “dar cabo do problema”. E o problema era ele: o professor. O educador.

Nos prints anexados à matéria, lá estava o vocabulário da violência fundido à gíria juvenil, como se uma sentença de morte fosse apenas mais uma piada de mau gosto, compartilhada entre risadas e emojis. Um aluno dizia que pediria a arma do pai emprestada. Outro jurava que resolveria a questão fora da escola. Como se estivéssemos num jogo — mas o alvo era real, tinha nome, família, história e treze anos de dedicação àquela escola.

A notícia informava que o professor havia sido afastado. Como quem se retira discretamente de cena para não atrapalhar o espetáculo. E os alunos? Advertências, reuniões com pais, uma suspensão aqui, outra ali. A burocracia agiu. A justiça, talvez. Mas a vida do professor ficou em suspenso, equilibrada na corda bamba entre o trauma e a indignação.

Fechei a tela do celular e fiquei por longos minutos olhando para o nada. Tentei imaginar se, naquela escola, ainda haveria um quadro-negro. Se as janelas ainda deixavam o sol entrar. Se os alunos ainda sabiam conjugar verbos no futuro. Porque, ali, o futuro parecia ter desaparecido.

Perguntei a mim mesmo quando foi que naturalizamos a ideia de que ensinar virou profissão de risco. Em que momento a autoridade do professor foi trocada por likes e silêncios cúmplices? O que aconteceu com o pacto que, um dia, sustentou a sala de aula como território sagrado?

Não conheço o rosto desse professor, mas conheço sua dor. Ela ecoa em cada educador que já teve de engolir o choro, abaixar os olhos, sair pela porta dos fundos para não “provocar mais”. Conheço essa sensação de solidão diante de uma geração armada — não de conhecimento, mas de ressentimento, ausência e desprezo.

A notícia sumirá da capa em alguns dias. As mensagens se perderão nos arquivos digitais. Mas o que ela revela não deveria ser esquecido. Porque o problema não é a escola. É o abandono da escola. O abandono de quem ensina, de quem forma, de quem insiste.

Enquanto isso, seguimos empurrando a educação ladeira abaixo, entre discursos polidos e ações tímidas. Fingimos surpresa a cada nova tragédia, quando, na verdade, já não sabemos mais nos indignar.

E quando um país deixa de se indignar diante da ameaça à vida de um professor, talvez o que esteja em risco não seja apenas a escola — mas a própria ideia de civilização.


https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2025/05/13/vou-matar-ele-logo-professor-do-df-denuncia-ameacas-de-morte-feita-por-alunos.ghtml (Acessado em 13/05/2025)



Minha crônica é um retrato doloroso e urgente da realidade que muitos educadores enfrentam. A forma como eu desnudo a violência, a ameaça e o sentimento de abandono na escola é muito impactante e nos força a olhar para questões sociais profundas. Como seu colega de Sociologia, vejo neste texto pontos cruciais para nossa análise sobre a escola como instituição e a dinâmica social contemporânea. Com base nas minhas ideias, preparei 5 questões discursivas simples:


1. O texto descreve a escola, outrora um "território sagrado", agora palco de ameaças de morte. Como a Sociologia analisa a escola como uma instituição social fundamental e um espaço social específico, e de que forma a violência ou as ameaças dentro dela refletem ou são sintomas de tensões e problemas presentes na sociedade mais ampla?

2. A crônica associa as ameaças à erosão da "autoridade do professor" e à quebra de um "pacto". Do ponto de vista sociológico, como se constrói e se sustenta a autoridade (particularmente a autoridade pedagógica) nas relações sociais dentro da escola, e quais fatores sociais e culturais podem contribuir para a sua deslegitimação ou perda?

3. O texto fala da "barbárie que insiste em se disfarçar de normalidade" e da naturalização da ideia de que ensinar é "profissão de risco". Como a Sociologia entende o processo de naturalização de fenômenos sociais (como a violência em certos espaços ou a precarização de profissões) e quais são as consequências dessa naturalização para a percepção dos problemas e para a busca por soluções?

4. A crônica expressa a "dor", a "solidão" e o "abandono de quem ensina", destacando o impacto emocional da violência e das ameaças na vida dos professores. Como a Sociologia aborda o estudo das profissões, especialmente aquelas de alta interação humana como a docência, considerando aspectos como o trabalho emocional, o burnout e a falta de apoio institucional e social para o bem-estar dos profissionais?

5. O texto conclui que a falta de indignação diante da ameaça a um professor pode colocar em risco a "própria ideia de civilização". Como a Sociologia compreende o papel da indignação, da comoção social e da capacidade de resposta coletiva diante de injustiças ou ameaças a valores fundamentais, e qual o impacto da apatia ou da falta de reação na dinâmica social e na possibilidade de mudança?

domingo, 11 de maio de 2025

As Ursas Comem o Lixo na Calçada ("Deus não se deixa escarnecer." — Gálatas 6:7)

 

As Ursas Comem o Lixo na Calçada ("Deus não se deixa escarnecer." — Gálatas 6:7)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Ontem, enquanto folheava um velho livro empoeirado na estante de casa, deparei-me com aquela passagem sobre Eliseu — você sabe, aquela em que os jovens zombam de sua calvície e acabam devorados por ursos. Sempre me incomodou a aparente desproporção entre a ofensa e o castigo. Por que um homem de Deus reagiria com tamanha severidade a uma provocação tão juvenil? Essa inquietação me acompanhou durante todo o dia, como uma pedra no sapato que não conseguimos remover.

Saí para caminhar, como faço todas as tardes, tentando organizar os pensamentos. Ignorei o céu — particularmente cinzento, com nuvens pesadas que ameaçavam desabar a qualquer momento —, pois minha atenção se prendeu ao lixo que a vizinha insiste em colocar na minha calçada. Pensei em Eliseu, percorrendo a estrada de Jericó a Betel, sob o sol causticante da Judeia. Quantos passos terá dado em silêncio antes da interrupção abrupta? "Ô seu careca, fora daqui!" — ecoava em minha mente a zombaria daqueles rapazes. Relacionei o episódio à Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998), que prevê punições para quem causa poluição, desassossego ou atenta contra a saúde. Imagino o olhar do profeta — não de ódio, talvez, mas de uma tristeza profunda ao perceber que enfrentava, não apenas uma ofensa pessoal, mas o escárnio ao sagrado que ele representava. E eu? Não represento nada?

Na pequena praça do bairro, observei um grupo de adolescentes com seus celulares, alheios ao mundo ao redor. Quantos deles, pensei, também zombam do que não compreendem? Não com gritos de "careca", mas com memes e comentários ácidos nas redes sociais. A irreverência juvenil transposta para os tempos modernos — sem a punição imediata das ursas, mas talvez com consequências igualmente devastadoras a longo prazo.

"Submetam-se a Deus. Resistam ao Diabo, e ele fugirá de vocês." Esta frase me veio à mente enquanto observava uma mãe tentando controlar o filho pequeno, que se recusava a sair do balanço. Há uma sabedoria antiga nesse paradoxo: a submissão como caminho para a verdadeira resistência. Aceitamos limites em uma esfera para podermos ser indomáveis em outra.

Continuei meu percurso até o pequeno Lago Boa Vista, onde um senhor alimentava patos com pedaços de pão. Lembrei-me então de outra passagem: "Não tenhais medo do povo daquela terra, pois os devoraremos como um bocado de pão." Há algo de perturbador e, ao mesmo tempo, reconfortante nessa confiança absoluta. O medo paralisa; a fé mobiliza. Os israelitas temiam gigantes, mas foram prometidos a devorar seus inimigos "como um bocado de pão" — metáfora poderosa sobre como a perspectiva transforma montanhas em migalhas.

A chuva começou a cair — fina, mas persistente. Abri uma sacola plástica que encontrei na calçada de alguém e me abriguei sob uma árvore. Foi ali, protegido da chuva, que refleti sobre proteção e aliança. "Não temos aliados eternos, nem inimigos perpétuos. Nossos interesses são eternos e perpétuos, e é nosso dever segui-los..." A frase, atribuída a Lord Palmerston sobre política internacional, encontra ressonância surpreendente no contexto espiritual que estou vivendo agora. As alianças humanas são circunstanciais, mas os princípios permanecem.

No caminho de volta para casa, já completamente molhado, apesar do saco plástico sobre a cabeça, percebi que a história de Eliseu não é sobre vingança, mas sobre consequências. Os jovens zombadores não foram punidos por ferirem uma vaidade, mas por desrespeitarem o que era sagrado. Como diz o texto antigo: "Não erreis: Deus não se deixa escarnecer; porque tudo o que o homem semear, isso também ceifará." Quem semeia lixo na calçada dos outros e nas ruas da cidade colherá o quê?

Cheguei em casa encharcado e pensativo. Enquanto trocava as roupas molhadas, entendi, por fim, que não se trata de temer ursos saindo do mato, mas de compreender que nossas escolhas geram consequências — às vezes imediatas, às vezes demoradas, mas sempre inevitáveis. Talvez seja essa a verdadeira linha que une as passagens aparentemente desconexas aqui: a certeza de que existe uma ordem nas coisas, que podemos ignorar por algum tempo, mas nunca indefinidamente. Assim me confortei.

Agora, sentado à janela da varanda, vendo a chuva intensificar-se lá fora, penso em quantas vezes fui como aqueles jovens, zombando do que não entendia, e quantas outras fui como os israelitas temerosos, enxergando gigantes onde havia apenas homens. Em tempos de desumanização extrema, em que as pessoas se sentem animais, alegra-nos a certeza que assim como não temos aliados eternos, também os nossos inimigos não são perpétuos, talvez precisemos resgatar a sabedoria do equilíbrio: submeter-nos ao que é maior que nós, resistir ao que nos diminui e seguir nosso caminho sem medo — atentos às ursas, e confiantes na proteção que nos acompanha.

Afinal, todos somos, de alguma forma, carecas caminhando por estradas poeirentas — vulneráveis às zombarias, aos desrespeitos alheios e às feras escondidas no mato, que não devem dormir. A diferença está apenas em saber a quem nos submetemos e contra o que resistimos. E, mesmo que o mundo trate tudo como piada, a colheita virá — e será proporcional à semente lançada. Não ando com Deus por medo dos ursos — ando com Deus porque o mundo está cheio de rapazes zombeteiros que esqueceram o que significa respeitar. E, se hoje me chamam de careca, amanhã podem cuspir no altar. É só questão de tempo.

O que me sustenta não é a promessa de que os maus serão punidos, mas a esperança de que os bons persistam. Porque Deus não se deixa escarnecer. E, mesmo que o mundo trate tudo como piada, a colheita virá — e será proporcional à semente lançada. Quem planta lixo colhe lixo.




Aqui estão as questões:


1. A crônica parte da história de Eliseu e a punição severa pela zombaria, contrastando-a com formas contemporâneas de desrespeito (redes sociais, poluição). Como a Sociologia analisa a relação entre normas sociais, desvio (como a zombaria e o desrespeito) e as diferentes formas de sanção social (históricas e atuais) utilizadas para manter a ordem?

2. O texto questiona a reação à ofensa a Eliseu, um representante do sagrado, e reflete sobre o respeito no mundo atual. Do ponto de vista sociológico, como se constrói e se mantém a autoridade (religiosa, moral, institucional) em diferentes sociedades, e quais fatores podem levar à sua erosão e ao aumento do desrespeito?

3. A crônica traz a ideia de que "Deus não se deixa escarnecer" e que "tudo o que o homem semear, isso também ceifará", ligando ações a consequências inevitáveis. Como a Sociologia aborda a relação entre a agência individual (as escolhas e ações das pessoas) e as estruturas sociais mais amplas que moldam os resultados e as consequências dessas ações na vida coletiva?

4. O texto contrapõe a sabedoria da submissão (a Deus) e resistência (ao Diabo) com a ideia política de seguir apenas os "interesses eternos e perpétuos". Como a Sociologia analisa a tensão entre os princípios morais/religiosos que regem o comportamento individual e coletivo e o pragmatismo baseado em interesses materiais ou políticos na condução das relações sociais e institucionais?

5. A crônica reflete sobre a polarização atual e a divisão entre "aliados eternos e inimigos perpétuos". Como a Sociologia estuda a formação de grupos e identidades sociais, a construção da ideia de "nós" contra "eles", e as consequências sociais e para o convívio em uma sociedade marcada pela polarização extrema?

Anália, as Chaves e os Muros ("O pior que se pode fazer pelos pobres é considerá-los hóspedes em vez de companheiros de luta." — Paulo Freire)

 


Anália, as Chaves e os Muros ("O pior que se pode fazer pelos pobres é considerá-los hóspedes em vez de companheiros de luta." — Paulo Freire)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Foi numa tarde abafada de sábado, entre livros espalhados e anotações soltas pelo chão da sala, que me deparei — pela enésima vez — com o nome de Anália Franco. Não era a primeira vez que a estudava, mas algo naquela releitura despertou uma inquietação nova. A narrativa gloriosa de seus feitos já me era conhecida: a mulher incansável, a educadora de gestos largos, a protetora das crianças pobres e das mulheres abandonadas. Mas, dessa vez, algo rangeu entre as linhas — como se, por detrás dos muros que ela ergueu, ainda houvesse portas trancadas.

Fui me aproximando da figura de Anália como quem visita um casarão antigo: com reverência, mas também com curiosidade. Passei a investigar o que havia por trás das paredes pintadas com as cores do heroísmo. Seus projetos, é verdade, foram numerosos: escolas, creches, asilos, oficinas para mulheres — uma rede de acolhimento em um Brasil ainda marcado pela escravidão recém-abolida. Mas havia ali um padrão, uma costura silenciosa unindo todos os seus esforços: a lógica da salvação, não da libertação.

Era como se ela, na pressa de acudir os caídos, esquecesse de perguntar por que tantos tombavam. As crianças negras e miseráveis que ela abraçava recebiam abrigo, sim — mas era um abrigo que ensinava a calar, a rezar, a obedecer. Sua pedagogia não convidava à rebeldia, tampouco à crítica. Era, antes, um verniz de virtude sobre uma realidade injusta, como se o mundo pudesse ser curado com boas maneiras e oração.

Com o tempo, percebi uma contradição dolorosa em seu legado. Por um lado, foi gigante para seu tempo. Por outro, era prisioneira do mesmo tempo que tentou redimir. Educava para moldar, não para emancipar. Instruía para adaptar, não para transformar. Era como se entregasse chaves, mas deixasse os muros de pé.

Lembrei-me, então, de uma fala de Paulo Freire, que me acompanha como um sussurro nos corredores da docência: “Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser opressor.” E tudo fez sentido. Anália, com toda a sua abnegação, sonhava com um mundo melhor — mas esse mundo ainda era hierárquico, cristão, moralista. Ela queria colocar os pobres em ordem, não virar a mesa da desigualdade.

Compreendi, enfim, que a beleza de seu gesto já não podia mais ser cantada sem ressalvas. Precisamos, nós, os herdeiros dessa história, revisitar com olhos abertos aquilo que antes era apenas veneração. Porque, se é justo lembrar seus méritos, é urgente reconhecer seus limites. E mais: é necessário aprender com eles.

Hoje, quando olho para meus próprios alunos — alguns famintos, outros descrentes, quase todos inquietos —, penso em Anália e me pergunto: de que adianta educar para o encaixe, se o mundo continua quebrado? Não basta amar as crianças se não odiamos o sistema que as marginaliza. Não adianta acolher, se não lutamos para que nunca mais precisem ser acolhidas.

O tempo de Anália passou, mas os dilemas ficaram. E talvez a verdadeira homenagem à sua memória seja essa: ousar ir além dela.



Minha crônica é uma peça riquíssima para a análise sociológica da educação e da história. A forma como você revisita o legado de Anália Franco, questionando a narrativa oficial e buscando entender as complexidades por trás dos muros erguidos, é fascinante. Como seu professor de Sociologia, vejo aqui excelentes pontos para reflexão. Com base nas minhas ideias, preparei 5 questões discursivas simples:


1. O texto descreve uma "releitura" crítica da história de Anália Franco, questionando a narrativa "gloriosa" e "inconteste". Como a Sociologia entende a construção das narrativas históricas sobre figuras e instituições, e por que é importante aplicar um olhar crítico a essas narrativas para compreender a sociedade do passado e do presente?

2. A crônica distingue a lógica da "salvação" e do "acolhimento" no trabalho de Anália Franco da ideia de "libertação" e "transformação estrutural". Do ponto de vista sociológico, qual a diferença entre abordagens assistencialistas que buscam mitigar problemas sociais e abordagens que visam a transformação das estruturas que geram desigualdade e injustiça?

3. O texto sugere que a pedagogia de Anália Franco "ensinava a calar, a rezar, a obedecer" e educava para o "encaixe", não para a "crítica" ou "rebeldia". Como a Sociologia analisa o papel da educação como um agente de socialização que pode tanto reproduzir as normas e valores da sociedade existente quanto promover a consciência crítica e a possibilidade de mudança social?

4. O narrador reflete sobre o que se perde quando a educação foca no "encaixe" em um "mundo que continua quebrado" e na necessidade de "odiar o sistema que marginaliza". Como a Sociologia compreende o papel do educador e da escola na formação de sujeitos que possam não apenas se adaptar à sociedade, mas também questioná-la e lutar por transformações?

5. A crônica convida a "ousar ir além" do legado de Anália Franco e a aprender com seus limites. Como a Sociologia aborda a análise crítica de instituições e práticas históricas (como as escolas e a pedagogia do passado) para entender como elas operaram em seus contextos e quais lições podem oferecer para a construção de uma educação mais justa e emancipadora no presente?

sábado, 10 de maio de 2025

A Mão Que Afaga, O Chicote Que Açoita ("O preço de qualquer coisa é a quantidade de vida que você troca por ela." — Henry David Thoreau)

 


A Mão Que Afaga, O Chicote Que Açoita ("O preço de qualquer coisa é a quantidade de vida que você troca por ela." — Henry David Thoreau)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Tenho pensado naquilo que se move em silêncio — nas avaliações que não aparecem em relatórios, pareceres ou formulários, mas que acontecem na relação entre quem detém o poder e quem dele depende. Penso no olhar do cavalo sobre o carroceiro. Imagino o que se passa sob o pelo quente: a pele coçando, as moscas zumbindo, o sol queimando a nuca. Mas o que realmente marca é o chicote. Ele assobia no ar antes de cortar a carne. Às vezes, o carroceiro tem a fala arrastada pela bebida, e a dor vem com fúria. Outras vezes, o golpe é seco, automático, fruto apenas do cansaço. Mas a dor está sempre ali.

"Conheço cada ondulação dessa estrada", pensa o cavalo, com a sabedoria muda de quem carrega o fardo. "Sei quando puxar com força e quando poupar energia. Eu te levo onde você precisa ir. Mereço mais que o medo. Mereço respeito." Essa é a avaliação do cavalo: um julgamento silencioso sobre justiça — o peso da carga em contraste com a forma como a mão que guia também pode ferir.

Dessa imagem, minha mente salta para outros espaços em que a dependência se entrelaça com a avaliação. Penso nas salas de aula. Ali, uma inversão silenciosa tem ocorrido. Os alunos — ou suas famílias — passaram de aprendizes a avaliadores do mestre. Em conselhos de classe, vídeos e redes sociais, professores são julgados não por seu esforço ou conteúdo, mas por falas isoladas, gestos mal interpretados ou, simplesmente, por ousarem confrontar comportamentos inadequados.

E assim, o que deveria ser um espaço de formação transforma-se em tribunal. O professor, que deveria guiar, torna-se o acusado — muitas vezes de forma anônima, sem defesa, condenado pelo tribunal da percepção. Como se um recorte de fala fosse suficiente para invalidar todo um projeto pedagógico. “Chamou de vagabundo”, “não ensina inglês”, “fala da vida pessoal”, “pergunta demais”. Mas será que, por trás dessas críticas, não há também uma negação do papel de quem ensina e uma recusa em assumir o esforço de quem aprende?

A escola, que deveria ser território de esforço e superação, torna-se refém de expectativas rasas e interesses distorcidos. E, quando isso se soma à ingerência de forças externas — sobretudo políticas —, o cenário se agrava. Lembro-me de um provérbio amargo, porém preciso: “a mão que afaga é a mesma que apedreja.”

Vejo essa máxima se cumprir quando instituições fundamentais — a escola, a família, a igreja — abandonam seus princípios em troca de favores, verbas ou influência. A política, com sua essência volúvel, infiltra-se nesses espaços com promessas de afago: um apoio aqui, uma nomeação ali. Mas cada concessão cobra um preço alto. Vende-se a autonomia. Perde-se a coerência. Troca-se o propósito pela conveniência.

A escola, que deveria ensinar a pensar, curva-se para doutrinar. A família, que deveria sustentar o caráter, negocia princípios em busca de aceitação. A igreja, que deveria elevar o espírito, transforma-se em palanque. É a alma sendo vendida aos poucos.

Nesse jogo de conveniências, a confiança desaparece. A mão que antes guiava com firmeza torna-se suspeita. O aluno já não vê o professor como exemplo, mas como ameaça. O fiel já não reconhece no pastor a palavra divina, mas o discurso eleitoral. O filho já não escuta os pais como bússola, mas como vozes corrompidas. E assim, o chicote da desilusão nos marca a todos.

Porque, quando a mão que deveria proteger se transforma em instrumento de interesse, a base da convivência se desfaz. A avaliação — silenciosa, persistente, implacável — revela que algo se quebrou. E talvez não haja mais como remendar.

Que aprendamos, enquanto é tempo, a preservar a integridade das instituições que formam o espírito humano. Que a escola não se perca no espetáculo. Que o professor não seja calado por boatos. Que a família não negocie o que é inegociável. Que a mão que guia não se torne a que açoita. E que a alma não se venda — nem por poder, nem por medo.



Minha crônica é uma reflexão poderosa e um convite a pensar sociologicamente sobre as relações de poder, a confiança nas instituições e os custos invisíveis das escolhas coletivas e individuais. Como seu professor de Sociologia, vejo nela muitos ganchos para discussões essenciais. Com base nas minhas ideias, preparei 5 questões discursivas simples:


1. O texto inicia com a imagem do cavalo avaliando o carroceiro e depois salta para alunos/famílias avaliando professores. Como a Sociologia analisa as dinâmicas de poder e as formas de avaliação (formais e informais) que ocorrem nas relações assimétricas dentro de diferentes instituições sociais, como a escola ou o local de trabalho?

2. A crônica critica a forma como instituições como escola, família e igreja se envolvem na política, perdendo autonomia e coerência. Como a Sociologia estuda o papel e as funções das instituições sociais na sociedade contemporânea e de que forma a interferência excessiva de forças externas, como a política, pode afetar sua capacidade de cumprir seus propósitos originais?

3. O texto usa o provérbio "a mão que afaga é a mesma que apedreja" para descrever a natureza da política e a experiência de instituições que buscam sua influência. Do ponto de vista sociológico, quais são os riscos e as consequências para a confiança pública e para a própria integridade de instituições não-políticas (como escolas ou igrejas) quando elas se tornam instrumentos de agendas políticas?

4. A crônica descreve a inversão de papéis na escola, onde alunos avaliam o mestre, e a erosão da autoridade do professor. Como a Sociologia compreende as mudanças nas relações de autoridade dentro das instituições de ensino e quais fatores sociais e culturais podem contribuir para essa reconfiguração e para a crise de confiança na figura do educador?

5. O texto conclui que vender a alma das instituições por influência política tem "juros morais altíssimos" e quebra a confiança. Como a Sociologia analisa o valor da integridade e da autonomia para a legitimidade e a coesão das instituições sociais, e quais as implicações para a sociedade quando a confiança nessas bases é abalada?

Uma Reflexão Sobre o Futuro da Formação Docente ("Não se trata de encher um balde, mas de acender uma fogueira." — William Butler Yeats)

 

Uma Reflexão Sobre o Futuro da Formação Docente ("Não se trata de encher um balde, mas de acender uma fogueira." — William Butler Yeats)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Foi numa manhã comum que me dei conta: ensinar já não é o que foi. E talvez, mais do que isso, formar quem ensina virou um jogo de interesses travestido de modernidade e inclusão. Enquanto tomava meu café e acompanhava as notícias, vi estampada a manchete sobre o novo marco regulatório da educação a distância. Confesso que não era a primeira vez que lia sobre o tema, mas, naquele dia, a palavra *semipresencial* me saltou aos olhos como quem grita para ser ouvida. “Agora vai”, pensei, meio descrente, meio esperançoso — como quem assiste a uma reforma que já viu começar tantas vezes sem nunca chegar ao fim.

Segundo a notícia, a proposta do governo era oficializar uma modalidade semipresencial para os cursos de licenciatura, mantendo os 50% de atividades obrigatoriamente presenciais, mas permitindo que parte delas ocorresse de forma síncrona — isto é, online e ao vivo. Uma mudança sutil, mas de implicações profundas. Um aceno ao progresso, talvez? Ou apenas mais uma forma de maquiar velhos problemas?

Lembrei, então, dos meus anos de faculdade: a lousa suja de giz, o cheiro de papel recém-impresso, o barulho das cadeiras sendo arrastadas ao final de cada aula. Havia um ritual ali. Lembrei dos debates acalorados nos corredores, das perguntas inesperadas, das respostas fora de hora, e dos professores que nos olhavam nos olhos — momentos que a frieza de uma tela jamais será capaz de oferecer. Recordei especialmente o Professor Carlos, com suas sobrancelhas expressivas e mãos inquietas, que transformava conceitos abstratos em lições vivas. Será que uma tela conseguiria capturar aquela essência?

Com o decreto prestes a ser anunciado, voltei a pensar no que realmente se aprende durante a formação docente. Caminhei até a janela e observei a escola do outro lado da rua. Crianças corriam pelo pátio; professores apartavam brigas, ensinavam regras, acolhiam choros. Quanto disso se aprende nos livros? Quanto se aprende com a presença de um mestre atento? E o que se perde quando essa vivência é substituída por experiências mediadas por telas?

O velho relógio na parede — herança dos meus tempos de aluno — parecia marcar não só as horas, mas a transição de uma era. Seu pêndulo oscilava como as opiniões sobre o tema: de um lado, empresários do setor educacional celebrando a flexibilidade; de outro, especialistas alertando para os riscos de uma formação superficial. Um colega, professor em uma universidade particular, me escreveu: "Você viu? O decreto está para sair. Vão reduzir os polos de 47 mil para 10 mil." Imaginei o impacto: polos sendo fechados, exigência de infraestrutura mínima, controle mais rígido. Um passo na direção certa, talvez — mas ainda insuficiente diante do desafio maior.

Os dados que vinham à tona eram contundentes: 77% dos estudantes de Pedagogia já estão matriculados em cursos a distância — são mais de 850 mil pessoas. Na Enfermagem, 41% estudam remotamente. Carreiras que exigem prática, empatia, convivência. Carreiras de gente para gente. A massificação do EAD nessas áreas acende um alerta que não pode ser ignorado.

A tarde avançava, e com ela, as reflexões. A frase de Priscila Cruz, do movimento Todos Pela Educação, ecoava em minha mente: "instituições fingem que ensinam, alunos fingem que aprendem." Uma provocação dura, mas necessária. O risco de um “pacto de mediocridade” se concretiza quando se prioriza o lucro ou a inclusão a qualquer custo — em detrimento da qualidade.

O decreto, no entanto, não saiu. Pela quarta vez, foi adiado. Nos bastidores, falava-se em receios políticos. O governo hesita, temendo impactos na imagem pública, como os enfrentados em outras áreas. A decisão, que deveria ser pedagógica, parece travada entre o desejo de agradar ao setor privado e o receio de desagradar ao eleitorado.

Voltei ao laptop. A tela ainda exibia a manchete. Pensei nos milhões que só conseguem estudar por meio do EAD. É fato: o ensino remoto ampliou o acesso, democratizou possibilidades. Mas pensei também nas crianças que dependem de bons professores — bem preparados, capazes de olhar, ouvir, adaptar, compreender. O acesso, por si só, não basta. É preciso garantir qualidade.

Ao anoitecer, sentei-me na varanda com uma xícara de chá. As luzes das casas acendiam-se, uma a uma. Cada janela guardava histórias de aprendizado. Quantas delas começaram com um professor atento? Quantas se perderam por falta de acompanhamento real?

Talvez o verdadeiro marco não esteja no decreto, mas na reflexão que ele nos impõe. Entre telas e salas de aula, entre algoritmos e afeto, entre cálculos políticos e compromissos pedagógicos, estamos definindo o futuro da formação docente. E, com ele, o futuro da nossa educação básica.

Fechei o laptop. Amanhã virá com novas manchetes, novas medidas, novos ajustes. Mas algumas verdades resistem ao tempo: ensinar e aprender são, acima de tudo, encontros. Que eles não desapareçam no brilho das telas.


https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2025/05/nova-regra-do-ead-vai-permitir-formacao-de-professores-com-aula-online-ao-vivo.shtml (Acessado em 10/05/2025)



Minha crônica é um texto essencial para quem pensa a educação hoje, misturando sua experiência pessoal com uma análise crítica das políticas públicas. Como seu professor de Sociologia, vejo aqui pontos importantíssimos sobre como a sociedade, a tecnologia e o mercado moldam a educação. Com base nas minhas reflexões, preparei 5 questões discursivas simples:


1. O texto descreve a tensão entre a busca por "democratizar o acesso" ao ensino superior via EAD e o risco de um "pacto de mediocridade" na formação de professores. Como a Sociologia analisa o desafio de equilibrar a expansão do acesso à educação com a garantia de qualidade, especialmente em um país marcado por desigualdades sociais?

2. A crônica aponta que a formação de professores e enfermeiros (carreiras de "gente para gente") está sendo influenciada por regras de EAD. Do ponto de vista sociológico, como a crescente mediação tecnológica na educação (via EAD) pode impactar as habilidades relacionais e práticas essenciais para profissões que envolvem contato direto e cuidado com outras pessoas?

3. O texto sugere que a definição das regras do EAD é um "jogo de interesses" e "cálculo político", com pressão de "empresários do setor educacional". Como a Sociologia entende a influência de interesses econômicos e políticos na formulação de políticas educacionais, e como esses interesses podem se chocar com as necessidades pedagógicas?

4. O narrador contrasta a experiência presencial de faculdade ("contato olho no olho", "debates acalorados") com a "frieza de uma tela". Como a Sociologia analisa as mudanças na interação social e na experiência de aprendizagem que ocorrem com a transição do ensino presencial para modalidades que utilizam mais tecnologia e distância?

5. A crônica reflete sobre o papel da escola e do professor para além da transmissão de conteúdo. Como a Sociologia estuda a evolução do papel social do professor e as competências necessárias (para além do conhecimento técnico) para atuar em um ambiente escolar complexo e em constante mudança?