"Se você tem uma missão Deus escreve na vocação"— Luiz Gasparetto

" A hipocrisia é a arma dos mercenários." — Alessandro de Oliveira Feitosa

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segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

O DIVÓRCIO (Uma Metáfora Bucólica)

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CONTO

O DIVÓRCIO (Uma Metáfora Bucólica)

Por Claudeci Ferreira de Andrade



          Um canário na gaiola, amarelo limão, brilho aproximado ao loiro de um cabelo bem cuidado, não era um bom cantor, mas era lindo como nenhum outro, parecia saudável e feliz, porém existia uma dissonância no cantar; para mim, isso desbotava o objetivo principal. Mantê-lo preso para ornamentar enchia-me os olhos, contudo, faltava-me encher os ouvidos, também, com belas melodias. Por ser assim incompleto, desmotivava minha alma para tratá-lo bem, como se faria com o balançar de um coração agradecido. Era uma vida de pássaro engaiolado, mas não lhe faltava o principal: boa comida e água fresca. Na verdade, querendo ou não, de certa forma, o engaiolado era eu!
          Seu debater ali dentro, forçou-me ampliar o espaço à medida da vasta imensidão, abri a porta do viveiro e a deixei ir por lugares estranhos, digo estranhos para ela porque era apenas uma fêmea que nascera em uma gaiola apertadinha: sem quase nenhuma possibilidade de “vida”.
        Ela voltou! Parecia-me uma esposa arrependida que descobrira amar demais seu marido, mais experiente, frustrada, um pouco triste e abatida. Acolhi com alegria, como fez o pai com o seu filho pródigo. O espaçoso viveiro ainda estava de porta aberta, esperando-a, e eu ali pronto para fechá-la novamente.
          Foi assim da primeira vez. Quando a peguei, ensaiava seus primeiros trinados. Paguei caro, dei o que de melhor tinha: boa reputação, na esperança de obter o reconhecimento dos amigos por ser o dono do melhor cantor da redondeza, era de um bom porte: grande e esguio, prometia muito mais depois da muda. Eu queria me enganar! Pois, a maior evidência era sua delicadeza, era mesmo uma fêmea! E uma fêmea não tem muito valor para o criador que não pretende aumentar seu plantel, pelo menos sem planejamento. Foi um destino, uma força divina que nos casou naquele instante inicial. Tomei-a só para mim, num envolvimento de fé e esperança, ou de sorte, talvez, ou ainda só para gabarolagem de um comerciante que fizera o melhor negócio do mundo, acertando a única chance entre mil possibilidades de errar.
          Os dias passaram-se depressa, mas o suficiente para a grande comprovação: um pássaro vinha namorá-la, eu o vi, queriam nidificar. Por que só agora percebi? Ela piava muito, e continuava se debatendo num esforço descomunal, como uma mulher apaixonada que apesar de casada dedica-se ao amante. Quer falar-lhe três vezes ao dia, mas não liga para mim; respondia a dança do acasalamento, mas não para mim. Se fosse uma mulher de verdade, eu a xingaria  de adúltera. Todavia, depois de tudo, era apenas um “animalzinho” diante de um homem, seu dono por direitos legais. Ah! Sinto muito! Tentei interromper o curso da natureza. Com ameaças brutais, espantei o seu namorado, e ele sumiu. E a ela, depois disso, ofereci uma gaiola mais estreita, foi difícil para quem uma vez ganhara o mundo como as formigas que voam para a desova. Até parecia aluna de faculdade, alienada. Também, foi difícil para mim, já não me interessava mais o seu porte, o seu canto desbotado de fêmea, uma coisa só me interessava, acima de tudo, queria manter a posse, quem sabe, eliminar de vez da minha mente a sensação de prejuízo e traição. Lembrei-me de uma frase de outro criador e vendedor de sucesso: “prejuízo pouco é lucro”. Então, soltei-a novamente na tarde chuvosa do dia vinte nove de janeiro de dois mil e sete, o céu chorava por mim, pois meus olhos não tinham mais lágrimas, e ela se foi, fiquei olhando seu comportamento, pois o dia inteiro, ficou saltitando de galho em galho no limoeiro solitário do nosso quintal. No outro dia, achei seus restos mortais debaixo daquela árvore. Sucumbiu aos perigos da noite, regida pela lei do mais forte. A ração que sobrou, ainda guardo na geladeira da minha insensatez, os apetrechos do seu aposento agora acomodam a poeira da minha insensibilidade, tudo isso são lembranças que me fazem estraçalhado como a sua última imagem que conservo na memória. Portanto, o vazio que agora sinto torna-se o signo do meu egoísmo corrosivo.
          Eu não perdoaria nunca a quem fizesse tal coisa com minha namorada. Qual foi a fortuna daquele pássaro que escorracei, o qual não pôde levá-la consigo?! Perdoe-me ave misteriosa, objeto do destino; quem sabe, anjo salvador! Nem conheço sua procedência e nem sua prole, talvez o acasalamento de vocês fosse minha realização, concretude do meu sonho de ser um rico criador, dono de um grande plantel! Sejam felizes no além, sem precisarem se esconder dos meus olhos carnais.  "Amo a liberdade,  por isso as coisas que eu amo deixo-as livre. Se voltarem é porque as conquistei. Se não voltarem é porque nunca as tive." (Bob Marley).
Claudeko
Publicado no Recanto das Letras em 13/05/2009

Código do texto: T1591132



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A DEMOCRACIA NÃO EDUCA. ("Democracia é quando eu mando em você, ditadura é quando você manda em mim".— Millôr Fernandes)


CRÔNICA

       

A DEMOCRACIA NÃO EDUCA. ("Democracia é quando eu mando em você, ditadura é quando você manda em mim".— Millôr Fernandes)

Por Claudeci Ferreira de Andrade
          
Se a maioria dos pedagogos, dentro do sistema, recomenda, é legítimo. Se não há nenhum dano imediato na execução de seus projetos — avante!— não há nada de errado nisto! Se estiver escrito nos livros de Paulo Freire - é lei! Aliás, ele é o deus dos pedagogos populistas. E há quem diga que esse comportamento "modista" tem contribuído consideravelmente para formação das boas normas educacionais! Assim, resoluções vindas das instâncias maiores e regimentos escolares têm sido aceitos como normativos. E provavelmente, os códigos de conduta da comunidade autorizada estão retratados ali. O que a comunidade autorizada aceitar hoje é engolido pela maioria! Se ela aceita algo novo, isto torna-se-á normativo, mesmo que não caia na graça da grande maioria comum? Aliás, a escola pública tem sido como laboratório, cheia de cobaias para testar ideias vindas de fora.
          Exponho a tolerância e o liberalismo do momento que vivemos na escola pública e reconheço como sendo contribuinte, mas não vivendo tão conformadamente dentro das ordens de uma maioria dos pedagogos que gestionam segundo suas próprias concupiscências. Do outro lado, o alunado rende-se ao permissivismo de nosso tempo e adota uma conduta sem cobrança e de total indisciplina.
          É nosso privilégio, nosso elevado destino, sermos coerentes. O fato de uma maioria decidir determinados comportamentos pedagógicos, não os devia tornar legítimos, não só por isso. A maioria, por ser sempre vencedora, quase sempre está errada. Precisa-se que outra maioria, dos comuns, para questionar a maioria dos mandantes. Tudo na escola se resolve seguindo a opinião da maioria autorizada. Devemos ser "antidemocráticos" em detrimento do que já está funcionando. Proíbe-se o uso do boné na escola sem justificativa educacional só porque a maioria dos pedagogos (maioria autorizada) decidiu; não a maioria dos alunos. E quanto ao uso de bermudas, sandálias havaianas e camisetas que trazem ao ambiente escolar um clima de clube, a maioria se posicionou permissiva?  A maioria transferiu o aluno indisciplinado do segundo ano "C" para o segundo "D", e não levou em conta a opinião da sala que iria recebê-lo só porque tem menos alunos e nem, também, levou em conta o dito popular: “um tomate podre estraga uma centena”! Estabeleceu-se uma semana de provas e não calcularam as competências na construção de um horário especial! e virou confusão! Nesse caso, o professor perdeu a autonomia de decidir quando aplicar suas provas, e que prova essa supervalorizada se o professor deve apresentar no mínimo quatro notas para fazer a média bimestral, já  por recomendação anteriormente decidida pela maioria? E o aluno que precisou faltar um dia na semana de prova, perdeu três provas de uma só vez!?
          Cabeça fraca é quem segue a maioria para imoralidade. Não estou aqui escarnecendo da maioria pelo mero prazer de fazê-lo. Mas, porque estou aflito enquanto muitos estão seguindo os ventos por ser mais cômodo segui-los, mesmo que seja para o fracasso.
Claudeko
Publicado no Recanto das Letras em 12/05/2009
Código do texto: T1590213

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RECAIDAS ("O casamento é uma tragédia em dois atos: civil e religioso." (Barão de Itararé).)




CONTO

RECAÍDAS ("O casamento é uma tragédia em dois atos: civil e religioso." – Barão de Itararé).

Por Claudeci Ferreira de Andrade


Era uma vez um homem chamado Cornélio. Após a separação, ele esperava encontrar a felicidade na liberdade recém-descoberta. Afinal, o casamento não lhe havia proporcionado muitas oportunidades para a alegria. No entanto, a vida sem ela provou ser ainda mais difícil. A lembrança dela, nesse intervalo de tempo, trouxe-lhe uma crise existencial ainda maior. Com a sua lembrança, assisti à queda de um grande homem e ao início de sua decadência moral e social.

De um homem nobre, Cornélio tornou-se um dos mais degradados, banido do direito a um leito imaculado. Agora separado, começou o resgate. E da parte dela, só rebelião. A esposa pródiga foi reintegrada no favor de seu marido com várias exceções e tornou-se participante de seu lazer nos momentos de folga, visitando o pobre homem de vez em quando.

Mas, entre altos e baixos, bastava ela entrar naquele velho portão verde musgo, chamuscado pela ferrugem, para ele mesmo mergulhar nas lembranças comuns do passado. Sua casa se tornava o lugar mais sem beleza e desconfortável da terra. Sem Vanda, tudo estava muito desfigurado, com ela, a história só tinha conflito e o desfecho era sempre muito frustrante.

Na primeira fase, ele, Cornélio, que também era filho de Deus, sofria a desonra da traição confirmada. Porém, na segunda, a recaída, ele queria morar junto novamente, assim que soube que ela estava sem o namorado com quem condescendeu, por pouco tempo, com os desejos da carne. Queria total posse. Porém, já não era tão coitado, arranjou uma desculpa, de querer ter um filho. Depois teria uma amante, pois julguou ser assim a vingança ideal.

Vanda não o aceitou, pois ela mesma não tinha mais as trompas de Falópio, mas bastou pouco tempo para perceberem que a casa nunca deixou de estar em perigo! Se Vanda tivesse alcançado a vitória sobre a sua primeira tentação; alegria, felicidade e vida abundante teriam sido o seu quinhão. Todavia, Cornélio perdeu o domínio sobre meu casamento, mais uma vez! E também perdeu sobre si mesmo o respeito, opinando pelo suicídio à prestação.

Finalmente, desistiu da vida a dois, justificando sua repugnância ao casamento com o pensamento de Barão de Itararé: "O casamento é uma tragédia em dois atos: civil e religioso." E assim, aprendeu que a liberdade não é sinônimo de felicidade, e que a solidão pode ser tão opressiva quanto um casamento infeliz. A vida é uma jornada de altos e baixos, e cada escolha que fazemos tem suas consequências. No final, somos apenas viajantes em busca de significado e propósito, navegando pelas águas turbulentas da existência humana.

ALINHAMENTO CONSTRUTIVO

1. A Busca pela Felicidade Individual e a Complexidade das Relações:

O texto narra a história de Cornélio, que busca a felicidade na liberdade após a separação, mas se depara com a solidão e a decadência. Como a sociologia pode nos auxiliar a compreender a relação entre a busca pela felicidade individual, as expectativas em relação ao casamento e as complexidades das relações interpessoais?

2. Traição, Reconciliação e a Questão da Punição:

Cornélio sofre com a traição da esposa e busca a reconciliação, mas também deseja vingança. Como a sociologia pode nos ajudar a analisar as diferentes perspectivas sobre a traição, o perdão e a busca por justiça nas relações amorosas?

3. A Influência da Sociedade e dos Papéis de Gênero nas Relações:

O texto apresenta a visão de Cornélio sobre o casamento como uma "tragédia" e sua busca por "total posse" da esposa. Como a sociologia pode nos auxiliar a compreender a influência da sociedade e dos papéis de gênero nas expectativas em relação ao casamento e nas relações de poder entre homens e mulheres?

4. Liberdade, Solidão e a Busca por Significado na Vida:

Cornélio inicialmente busca a liberdade, mas depois se arrepende e se sente oprimido pela solidão. Como a sociologia pode nos ajudar a analisar a relação entre a liberdade individual, a solidão e a busca por significado na vida, considerando as diferentes etapas da vida e as necessidades humanas?

5. Amor, Relacionamentos e a Jornada da Vida:

O texto apresenta a vida como uma "jornada de altos e baixos" e as escolhas que fazemos como tendo consequências. Como a sociologia pode nos auxiliar a compreender a importância do amor, dos relacionamentos saudáveis e da construção de um sentido de propósito na vida, considerando as diferentes experiências e desafios que cada indivíduo enfrenta?

Bônus:

A Evolução do Conceito de Amor e Casamento ao Longo da História:

Realize uma análise sociológica da evolução do conceito de amor e casamento ao longo da história. Como as mudanças sociais, as lutas por direitos, as diferentes correntes de pensamento e as descobertas científicas influenciaram a visão sobre o amor, o casamento e as relações interpessoais em diferentes épocas e culturas? Quais os desafios e as oportunidades que a construção de relações mais saudáveis e justas apresenta na sociedade contemporânea?


CARTA DE UM (DES)NAMORADO (Meu primeiro dia dos namorados sem você, sem pizza e sem nada.)




CARTA

CARTA DE UM (DES)NAMORADO (Meu primeiro dia dos namorados sem você, sem pizza e sem nada.)

Carta de um (des )namorado
                                           Senador Canedo, 12 de junho de 2007.


À inesquecível Luz(i)esperança,

            Minha querida, outrora esposa enamorada, hoje tive um sonho de cachorro! No sonho, contava-me seu pai que "o cãozinho da casa só tinha olhos para uma pessoa: sua filhinha. Ele a seguia por toda parte. E havia amor mútuo entre eles. A família não podia levar o animal consigo para o novo apartamento, que acabara de comprar, e assim, deu-lho, à família de um parente próximo.  Um mês mais tarde, o cãozinho estava morto. Ele não mostrava nenhum sinal de enfermidade. O veterinário disse que ele morrera de quebrantamento de coração. Sentiu falta de sua amável dona".
            A verdade é que não existe resultado mais funesto do que um coração quebrantado, seja o coração de um animal, ou seja, de um ser humano. Ainda nesse sonho, ouvi de um Pastor evangélico, que me disse:
            — "Mais de uma vez, em minhas atividades missionárias, tenho ouvido a respeito de pessoas que perderam a vontade de viver, e pouco tempo depois estavam mortas, não por alguma enfermidade, mas por que o coração fora partido".
            Isso é uma tragédia; contudo, é quase de arrebentar o coração de quem passa o dia dos namorados no buraco negro da solidão. Poder-se-ia pensar que “quando Deus te desenhou Ele tava namorando”, mas ao lado, as hostes angelicais estivessem tristes quando previam um coração quebrantado e, normalmente assim, seria o meu.
            Agora lhe falo de cadeira cativa, sou o Cristo de sua cruz, clamando ao Pai por vida, porque as marcas ficaram em aberto, como os buracos de pregos que já não estão mais ali. Um cravo é uma coisa muito simples. Pode ser feito de ferro, de aço ou galvanizado. Pode ser também de madeira. Mas é muito importante! Lembra-nos da história de que por falta de um cravo, perdeu-se a ferradura, perdeu-se o cavalo, perdeu-se o cavaleiro, perdeu-se a batalha, até que finalmente todo o reino foi perdido, porque se perdera um cravo.
            Cravos, ou pregos, usam-se em construções. Eles mantêm firme a estrutura, unindo as partes componentes, e estas unidas permanecem enquanto os cravos ou pregos estiverem ali. Removam-se esses fixadores e a estrutura entra em colapso. Deus uniu os casais por meio de cravos. Não é difícil concluir que esses cravos sejam os atributos sentimentais. Eles iluminam-lhes os olhos, reacendem-lhes no coração, e a chama dá vontade de viver.
            Minha querida, ajude-me a reformar a estrutura de nosso relacionamento, restituindo-lhe os cravos necessários e, então, viva e permita-me a viver.


Feliz dia dos namorados do seu desnamorado.


Claudeci Ferreira de Andrade
Claudeko
Publicado no Recanto das Letras em 11/05/2009
Código do texto: T1588375

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LÚGUBRE ANIVERSÁRIO ("A melancolia é a melhor droga!" — Gabriel Hauck)




CRÔNICA

LÚGUBRE ANIVERSÁRIO ("A melancolia é a melhor droga!" — Gabriel Hauck)

segunda-feira, 8 de dezembro de 2009
Por Claudeci Ferreira de Andrade
       Odiei mais um aniversário em minha vida, desta vez, estava sentido o desconforto da hemorroidectomia aberta. em meio à dor e ao sofrimento; era dia seis de julho de 2007. Falo de meu ódio, mas não significa que não aceito as intempéries da vida. Recebo-as como uma boa ocasião para avaliar o que a vida está sendo para mim, e o que mereço dela.  Realmente eu estava aborrecido com a inexorável aproximação desta data comemorativa e lamentei o tempo que foge de meu alcance. Apesar de que o considero como um trampolim para novas aventuras; todavia, ainda tenho certo receio dele.
           Há alguns anos, li um pequeno recorte que dizia o seguinte: “A vida é um rebolo, e se desgasta um homem ou lhe dá polimento depende do material de que ele se compõe”. Quando ainda criança, eu aguardava ansiosamente a chegada de cada aniversário consecutivo. À medida que fui envelhecendo e que o tempo passa me dá uma ideia mais real de minhas atitudes para com a própria vida. Agora faço minhas as palavras de Jó: "Maldito seja o dia em que eu nasci! Maldita seja a noite em que eu vim ao mundo! (...) Que aquela noite, seja escura e fria! Tomara que ela não seja contada entre os dias do ano! Mas seja sempre fria e triste! Tomara que ninguém mais nasça naquela noite! Roguem pragas e maldições sobre ela as pessoas que conhecem palavras secretas e misteriosas para amaldiçoar. Que todas as estrelas se apaguem nessa noite! Tomara que ela espere a luz da manhã, mas o sol não apareça no horizonte! Maldita seja essa noite que não me impediu de nascer e me obrigou a passar por todo este sofrimento!”(Jó 3:2-10 BV). Obviamente, ele tinha motivo para falar dessa maneira, pois perdera todos os seus bens, os filhos, a saúde e, segundo parecia, também o amor e o cuidado da esposa. Em tudo isso, porém, tive meu dissabor espelhado, quando no momento em que mais precisei de ajuda para me confortar, contei apenas com a companhia da ex-esposa que me tratou meramente como ex, a cada movimento seu no sentido de cumprir o dever que não era mais seu, eu o recebia como um arranhão na feria da alma: cirurgia divina que ainda não cicatrizou. Assim como o movimento do bolo fecal, atendendo ao esforço de um organismo debilitado, em direção às feridas expostas de um reto traumatizado. É! Mas, difícil mesmo, é a primeira defecação após a cirurgia, depois  se acostuma!
          Porém, enquanto a tranquilidade e a alegria não me vêm, recebo a dor, o sofrimento e a solidão como atributos necessários para minha expressão poética.
          Pelo menos, na vida hipócrita, posso contar com os amigos.
          E outro vantagem, meu sofrimento ativa minha memória e cria pontos de restauração em meu sistema vital.
Claudeko
Publicado no Recanto das Letras em 10/05/2009
Código do texto: T1585693


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PSEUDOLIBERTAÇÃO ("É no conhecimento que existe uma chance de libertação." — Leandro Karnal)


CRÔNICA

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008    

PSEUDOLIBERTAÇÃO ("É no conhecimento que existe uma chance de libertação." — Leandro Karnal)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

         Ao entrar para o magistério, ensinaram-me que a educação faz a liberdade dos homens, quando terminei minha licenciatura ainda estava crendo nisso e fui para o trabalho no sistema educacional público como o libertador de milhares de escravos da ignorância. Hoje, com trinta anos de trabalho pela educação, descobri que a maioria que passa pelos bancos da escola só tem uma saída: tornar-se mão de obra barata no mercado de trabalho. Inclusive eu que pós-graduação!
         Os políticos, de modo geral, prometem muito, todos os candidatos a algum cargo público usam o discurso, dizendo que vão melhorar a educação pública. É um laço e um logro. A prometida liberdade prova-se ser escravidão, pois os que dela supostamente usufrui, ainda são intitulados "analfabetos funcionais".
         Assim, é, também, com a maioria dos professores e funcionários da educação, desleixada quanto a busca do conhecimento libertador e da consciência analítica, embora com formação acadêmica e diplomas em mãos, não tem o hábito da leitura. Os mesmos se preocupam tanto em ensinar que se esquecem de aprender e, no pouco tempo que lhes resta, dos três turnos de trabalho, procuram o caminho do escapismo e depois jogam culpa em todos; gostam de dizer que não ganham o suficiente para se esforçar tanto. Também, a maioria dos alunos é moralmente despreparada para cobrar conhecimento e sabedoria de quem lhe ensina!
         Assim sou escravo também: Tive um colega educador muito diferente, ele descobriu que o caminho da saída mais fácil era o caminho do não comprometimento, queria só lazer. Ele cedeu à ideia de que seria professor por metade, apenas na sala de aula, fora, seria uma pessoa comum, “um amigo de todos”, talvez, podendo até levar seus alunos para tomar uma “cervejota” – ninguém tem nada com isso, né!?.
         Arriscando seu profissionalismo com os alunos, preferiu entregar o seu rótulo, de vez. A despeito de suas precauções, porém, exatamente o que temia lhe sobreveio mais tarde. O comportamento desses "aluninhos preferidos" piorou em sala, eles não souberam divisar as coisas: tiraram-lhe as honras, apearam-no de sua boa reputação e, aguilhoado pelo remorso e o orgulho ferido, pôs termo à sua didática eficaz.
         Às vezes, supervalorizamos nossa vida com palavras expressivas: “isto não tem importância”, “posso fazer o que me aprouver”, “vou aonde quero com quem quero”, “essas pequenas coisa não são preocupação de ninguém”, "o professor também é filho de Deus" etc. tentando provar que um professor tem vida particular. Mas, não tem; alguém está sempre lhe cobrando conhecimento e postura de professor.
         Seria assim mesmo no mundo educacional? É claro que sim! Se “os lentes” escolherem qualquer caminho que não o do compromisso 24 horas e das virtudes sociais, fora e dentro da sala de aula, acharão a escravidão e produzirão carrascos acusadores.
Claudeko
Publicado no Recanto das Letras em 09/05/2009
Código do texto: T1584591

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ESTRATAGEMAS EDUCACIONAIS ("Ganham-se melhor as guerras pelo estratagema; mas ao povo governa-se melhor pela franqueza." — Textos Taoístas)



CRÔNICA


ESTRATAGEMAS EDUCACIONAIS ("Ganham-se melhor as guerras pelo estratagema; mas ao povo governa-se melhor pela franqueza." — Textos Taoístas)

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008
Por Claudeci Ferreira de Andrade
         O dicionário Aurélio define a palavra estratagema como ardil empregado na guerra para burlar ou confundir o inimigo. A história está repleta de incidentes dessa natureza: o cavalo de Tróia, por exemplo. Visto que o conflito entre o letramento e o analfabetismo é uma colisão de importante significado para a história, é interessante notar as técnicas e projetos de combate dos educadores renomados: Acelera Goiás, EJA, Alfalite, Vaga-lume, Mais-educação, pró-isso/pró-aquilo, Supletivos e atalhos mil. Eles levam os educandos a sempre buscarem o grau de escolarização maior, porém não é o Maomé que vai à montanha, mas a montanha é que vai ao Maomé! A maioria dos alunos sempre procura os atalhos, o lado mais suave, comprometendo a qualidade.  
        Quando Gideão teve de enfrentar 135.000 midianitas armados, Deus ordenou-lhe que convocasse um exército, mas o limitou a apenas em trezentos homens. “Loucura” – diria qualquer especialista em guerra. Quando os filisteus ameaçaram aniquilar os israelitas, Deus os desbaratou com um jovem recém-saído de um aprisco e que possuía apenas um cajado, uma funda e cinco pedras. — “Acha que sou algum cão?” – vociferou o gigante Golias. Esses eram, porém, estratagemas de Deus, usando-os para confundir e derrotar os inimigos.
         O prezado professor, desprovido de dotes artísticos e de beleza física, apenas estudou. Tem a impressão de que é uma das mais débeis criaturas de Deus? Coragem, amigo! Pois Deus pode usar-lhe mesmo assim. Será unicamente quando alimentar a sede pela conservação dos marcos antigos, e usar as armas que maneja bem e se humilhar diante de Deus, esses estratagemas o fará um profissional célebre. Quer seja no  "quinto do inferno" será vitorioso:  O novo só tem sentido se for um melhoramento do velho. Já que "não há nada novo debaixo do sol", pois "Nada se perde, tudo se transforma". Nunca deixarão de precisar de você. Apenas mantenha-se com seus estratagemas radicalizados nos bons tempos idos, quando o sistema educacional tinha respeito.
Claudeko
Publicado no Recanto das Letras em 08/05/2009
Código do texto: T1583436

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O PROFESSORADO DE GARGANTA PROFUNDA ("Mastiga, antes de engolir, o que tentam te enfiar goela abaixo." — Fabio Melo)




CRÔNICA

O PROFESSORADO DE GARGANTA PROFUNDA ("Mastiga, antes de engolir, o que tentam te enfiar goela abaixo." — Fabio Melo)

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Por Claudeci Ferreira de Andrade

         Os que creem que a saída para os problemas da educação é enfiar as supostas soluções de goela abaixo, também apoiam-se na ideia de que o exame videolaringoscopia bem feito seja o ideal para selecionar bons professores. Mas, a expressão “goela abaixo”, usada por todos os bem-humorados, abrange mais do que apenas a angústia de aceitar medidas unilaterais que não atendem as particularidades, significa engolir também desaforos dos alunos, pais e coordenadores por coisa que nem temos culpa. Um pouco antes da deglutição dessas coisas demais volumosas, a goela podia até ser virgem, por ter um estreitamento original, mas só até experimentar a orgia e a embriaguez do "faz-de-conta" do sistema educacional! E para escaparmos do sofrimento de engolir todas estas coisas que descem a seco, em nome da profissão, o remédio é relaxar que dói menos. 
            Nenhum funcionário do sistema educacional foi enganado quanto ao afrouxamento necessário em seus padrões morais para que seja aprovado no período probatório de seu magistério; portanto não é razoável supor, com base neste texto, que as coisas vão melhorar; a verdade é que o calibre da goela nunca mais voltará ao que era antes e perderá também a sensibilidade. Ah! Penso que a educação seria bem melhor, se nós professores tivéssemos mais cérebro que goela!
         É! E não seria necessário, quando acuados e castigados, pedirmos nosso remanejamento para a outra unidade escolar com a finalidade de escaparmos; em qualquer uma, teremos que fazer o tal portfólio de boa procedência. Como me disse um colega pró-labore: "...engolimos coisas estranhas de muitas pontas que não aceitam vaselina”. Então, o segredo é permanecer firme no propósito de que as coisas ruins acontecem só com os outros, nunca conosco: Com aquele companheiro que teve de passar a limpo todos seus cinco diários de classe, que já estavam prontos, para elevar a nota de vários alunos que podiam sujar as estatísticas da escola que estava com alto índice de reprovação; com o outro que inventou as notas de seus alunos para confeccionar diários que foram destruídos pelos os incendiários da escola.
         Ainda chegará a ocasião em que o Estado nos dará uma aposentadoria, mas não antes de nossa manifestação de uma série de problemas de saúde física e psicológica, inclusive a Síndrome de Burnout . Enquanto isso, só nos resta repetir a frase do personagem do Chico Anysio, o Professor Raimundo:
          — "Vai comendo Raimundo e o salário, oh"!
          Quando o experiente “São” Zagalo costumava dizer: — "Vocês têm que me engolir". Se estivesse se dirigindo só a professores, eu diria que ele não estava nos propondo uma tarefa difícil demais, e muito menos deveríamos nos ofender com o pressuposto, porque a “baleia que engoliu Jonas” era um animal sagrado e cumpridor das ordens de Deus! Não há razão para maiores preocupações, já que nossos superiores imediatos, estão de goela frouxa de engolir farpas que vêm de cima, como nós!
Claudeko
Publicado no Recanto das Letras em 07/05/2009
Código do texto: T1581409

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