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MINHAS PÉROLAS

Por que a perfeição também cobre as realizações erradas?O errado perfeito é verdadeiro,e a mentira é uma verdade imperfeita.
Claudeci Ferreira de Andrade

quarta-feira, 16 de março de 2011

O MASOQUISMO IMPOSTO (As pessoas também se acostumam com coisas ruins)




CRÔNICA

O MASOQUISMO IMPOSTO (As pessoas também se acostumam com coisas ruins)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Hoje foi um daqueles dias em que o silêncio grita.

Já comentei em outras crônicas que nunca deixo a escola sem carregar uma sensação de consciência pesada. Como se não tivesse cumprido meu dever. Como se os contratempos tivessem desfeito os bons propósitos do meu dia. Acordo cedo, visto minha camisa de guerreiro cotidiano e sigo para mais uma jornada entre lousas e olhares dispersos. Mas hoje… hoje havia algo diferente.

Ao chegar à escola, percebi que o ambiente não era o mesmo. Não por mudanças na mobília, mas pela ausência de ruído. A falta de farpas, broncas, murmúrios atravessados. Apenas uma das coordenadoras estava presente — e não a vi pelos corredores repetindo os mesmos termos de sua função, aqueles que nem vale a pena relatar aqui. Nenhum chamado no portão, nenhum recado sobre comportamentos inadequados, nenhuma reunião emergencial. Tudo estava… calmo demais.

Meus alunos apresentaram seus trabalhos em grupo com entusiasmo e uma criatividade surpreendente. Nenhum transtorno, nenhuma adversidade. Por conta de uma urgência, estudantes de outras turmas também vieram usar minha sala, e, mesmo assim, ninguém me acusou de boicotar as aulas dos colegas. Nenhuma confusão. Nenhuma ida à sala da direção.

Era o cenário ideal. Mas, ao invés de me alegrar, sentia-me estranho. Qualquer pessoa normal celebraria um dia assim, mas eu me descobria doente. Ainda insatisfeito. As armas de proteção que costumo empunhar — argumentos, defesas, justificativas — simplesmente não puderam ser usadas. Estava nu de armadura. Sem críticas, sem tensões, sem a necessidade de me defender. Seria essa a minha frustração?

Sim, eu estava infeliz. Busquei dentro de mim alguma razão que justificasse o desconforto, e encontrei um grande vazio. Faltavam repressões, acusações, críticas sem destino. Eu, que há tempos me habituei ao peso das justificativas, à vigilância constante, às culpas recicladas, agora me via flutuando num silêncio sem rosto.

Lembrei-me da ata trazida para eu assinar, referente à reunião de ontem da qual não participei. Tremi nas bases, esperando um relatório condenatório, talvez denúncias de pais. Mas não. Apenas tópicos triviais, burocráticos, inofensivos. Um alívio? Talvez. Mas, logo em seguida, firmou-se o vazio — ainda maior.

No recreio, saí da sala dos professores para conversar menos e evitar os pecados repetidos dos outros dias. Caminhei pelo pátio, esperando algum sinal dos alunos — uma provocação, um comentário, qualquer coisa que me arrancasse daquele marasmo interno. Mas, lá fora, não ouvi nada significativo. Apenas palavras vazias, sem intencionalidade aparente. Talvez estivessem ocupados demais sendo felizes para perceberem que eu estava em crise.

E então, me dei conta: sentia falta do que me machuca. Do embate. Do incômodo. Da resistência. Talvez, por defesa, tenha aprendido a me alimentar da tensão — e agora a ausência dela me parecia insuportável. Como quem sente falta do gosto amargo apenas porque esqueceu o que é o doce.

Acho que meu primeiro desconforto — aquele das críticas e acusações — era melhor do que este último, o do silêncio. Estou mais preparado para sofrer mal acompanhado do que para sofrer sozinho. Confesso, entre rubor e riso: talvez eu prefira a dor de ser acusado injustamente ao silêncio de não ser notado. Talvez, no fundo, a presença da crítica me faça sentir vivo.

Alguém já disse que as pessoas também se acostumam com coisas ruins. Não me julgue por tamanha radicalidade. Posso até me agradar do seu julgamento injusto por falta de opção. Ou julgue, se quiser. Há dias em que até um julgamento é melhor que a indiferença. Tudo ao meu redor funciona, sim — estou apenas reclamando da ausência dos maus-tratos do meio em que vivo.

Nossos avaliadores nem sempre compreendem o quanto as pessoas são preciosas demais para serem menosprezadas. Também não entendem que "se carrasco fosse herói não usava capuz". Só queria que soubessem: há professores que se ferem tentando ensinar, e que sangram quando ninguém mais se importa. E que, por trás de cada silêncio — até o mais brando — pode haver uma história gritando por dentro.

Se cheguei onde cheguei, e como cheguei, foi investimento de Deus — não porque o caminho foi gentil. E hoje, por ironia, o que me feriu foi exatamente o oposto da dor: o alívio.


Olá! Com base na crônica apresentada, elaborei 5 questões discursivas simples, focadas nas ideias centrais e com uma perspectiva sociológica:


1. Adaptação ao Ambiente: Explique, com base no texto, como o ambiente escolar descrito parece ter moldado as expectativas e reações emocionais do narrador, levando-o a estranhar um dia anormalmente calmo e sem conflitos.

2. Necessidade de Reconhecimento: O narrador afirma preferir ser "acusado injustamente" ao "silêncio de não ser notado". O que essa preferência pode nos dizer sobre a importância do reconhecimento social (mesmo que negativo) e o impacto da indiferença no ambiente de trabalho descrito?

3. Relação Indivíduo-Instituição: De que maneira a crônica descreve a relação entre o professor (indivíduo) e a escola (instituição)? Como o ambiente de "vigilância constante" e "críticas", mencionado implicitamente como o normal, parece afetar a forma como ele vivencia seu trabalho diário?

4. Normalização do Conflito: O texto sugere que o narrador se "acostumou com coisas ruins" e aprendeu a "se alimentar da tensão". Como a rotina de conflitos e estresse em um ambiente social (como o escolar) pode levar à normalização dessas condições, a ponto de a paz gerar desconforto?

5. Invisibilidade Profissional: No final, o narrador menciona professores que "sangram quando ninguém mais se importa" e a falta de compreensão dos "avaliadores". Como esse sentimento de invisibilidade e falta de reconhecimento se conecta com a angústia sentida pelo narrador no dia silencioso?

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