EUFEMISMO: BURRO! ("Se eu fosse burro, não sofria tanto." — Raul Seixas)
Em dias como aquele, a sala de aula se transforma em um ringue de gladiadores, onde o professor, munido de sua melhor didática, luta contra a fúria adolescente. Naquela manhã de terça-feira, a lista de chamada da secretaria já prenunciava uma batalha árdua: nomes sem acento gráfico, um convite irresistível para uma aula prática sobre a importância da acentuação.
"Pamela", pronunciei a palavra como um desafio, uma isca para fisgar a atenção da turma. O olhar de desdém que recebi em troca foi apenas o aperitivo do que estava por vir. Um aluno, daqueles que se julgam donos da razão, disparou com a agressividade de um pitbull faminto: — "Professor de português que não sabe nem o nome dos alunos!".
Respirei fundo, tentando manter a calma. A arrogância juvenil me atingiu como um golpe baixo. "Burro", retruquei, com a ironia cortante de um Machado de Assis. A palavra ecoou pela sala, seguida por uma gargalhada geral. Meus "queridos" alunos, ávidos por validação, transformaram a correção gramatical em um espetáculo grotesco.
Minutos depois, a situação se agravou. Em uma tentativa de me ridicularizar, tentaram me forçar a colocar um acento circunflexo em "pera". A zombaria era tanta que me senti como um palhaço de circo, alvo de dardos envenenados.
Foi então que a ficha caiu. A acentuação gráfica era apenas a ponta do iceberg. O verdadeiro problema era a desconfiança na figura do professor, a falta de respeito e a ilusão de que os "conhecimentos prévios" dos alunos bastavam para dispensar a sabedoria do mestre.
Paulo Freire, com sua pedagogia do oprimido, veio-me à mente. Seria eu o oprimido da vez, refém da prepotência juvenil? A horizontalidade das relações em sala de aula havia se transformado em terra de ninguém, onde a hierarquia era vista como imposição e a humildade, como fraqueza.
Refleti sobre a árdua missão de ensinar em um ambiente hostil, onde a arrogância ergue muros intransponíveis ao aprendizado. A pergunta que me assombrava era: como construir pontes quando a outra parte só quer cavar trincheiras?
Talvez a resposta esteja em um acento que nenhuma gramática ensina: o da humildade. Não a humildade servil, mas aquela que nos permite reconhecer que o conhecimento é uma troca, um diálogo entre diferentes saberes.
E assim, entre acentos e desafetos, sigo na luta incansável da educação, buscando o tom certo para harmonizar a sinfonia complexa que é a sala de aula — mesmo que, vez ou outra, algumas notas desafinem.
1. Qual a principal contradição apresentada no texto entre a intenção do professor de usar a lista de chamada como oportunidade de ensino sobre acentuação e a reação dos alunos, que transforma a aula em um "ringue de gladiadores"?
2. De que forma a escolha de palavras como "desdém", "arrogância", "pitbull faminto" e "palhaço de circo" contribui para a construção de um tom irônico e crítico em relação ao comportamento dos alunos?
3. Qual o significado da metáfora do "iceberg" utilizada no texto para descrever a relação entre a questão da acentuação gráfica e o problema maior da desconfiança na figura do professor e da falta de respeito em sala de aula?
4. Como o texto estabelece um paralelo entre a pedagogia do oprimido de Paulo Freire e a experiência do professor em sala de aula, e que reflexões essa relação suscita sobre o papel da humildade no processo de ensino-aprendizagem?
5. Qual a principal mensagem que o texto busca transmitir ao concluir que a "humildade" é um "acento" fundamental, mas que não é ensinado pela gramática, e como essa reflexão final se conecta com a problemática apresentada ao longo da narrativa?
Em dias como aquele, a sala de aula se transforma em um ringue de gladiadores, onde o professor, munido de sua melhor didática, luta contra a fúria adolescente. Naquela manhã de terça-feira, a lista de chamada da secretaria já prenunciava uma batalha árdua: nomes sem acento gráfico, um convite irresistível para uma aula prática sobre a importância da acentuação.
"Pamela", pronunciei a palavra como um desafio, uma isca para fisgar a atenção da turma. O olhar de desdém que recebi em troca foi apenas o aperitivo do que estava por vir. Um aluno, daqueles que se julgam donos da razão, disparou com a agressividade de um pitbull faminto: — "Professor de português que não sabe nem o nome dos alunos!".
Respirei fundo, tentando manter a calma. A arrogância juvenil me atingiu como um golpe baixo. "Burro", retruquei, com a ironia cortante de um Machado de Assis. A palavra ecoou pela sala, seguida por uma gargalhada geral. Meus "queridos" alunos, ávidos por validação, transformaram a correção gramatical em um espetáculo grotesco.
Minutos depois, a situação se agravou. Em uma tentativa de me ridicularizar, tentaram me forçar a colocar um acento circunflexo em "pera". A zombaria era tanta que me senti como um palhaço de circo, alvo de dardos envenenados.
Foi então que a ficha caiu. A acentuação gráfica era apenas a ponta do iceberg. O verdadeiro problema era a desconfiança na figura do professor, a falta de respeito e a ilusão de que os "conhecimentos prévios" dos alunos bastavam para dispensar a sabedoria do mestre.
Paulo Freire, com sua pedagogia do oprimido, veio-me à mente. Seria eu o oprimido da vez, refém da prepotência juvenil? A horizontalidade das relações em sala de aula havia se transformado em terra de ninguém, onde a hierarquia era vista como imposição e a humildade, como fraqueza.
Refleti sobre a árdua missão de ensinar em um ambiente hostil, onde a arrogância ergue muros intransponíveis ao aprendizado. A pergunta que me assombrava era: como construir pontes quando a outra parte só quer cavar trincheiras?
Talvez a resposta esteja em um acento que nenhuma gramática ensina: o da humildade. Não a humildade servil, mas aquela que nos permite reconhecer que o conhecimento é uma troca, um diálogo entre diferentes saberes.
E assim, entre acentos e desafetos, sigo na luta incansável da educação, buscando o tom certo para harmonizar a sinfonia complexa que é a sala de aula — mesmo que, vez ou outra, algumas notas desafinem.
1. Qual a principal contradição apresentada no texto entre a intenção do professor de usar a lista de chamada como oportunidade de ensino sobre acentuação e a reação dos alunos, que transforma a aula em um "ringue de gladiadores"?
2. De que forma a escolha de palavras como "desdém", "arrogância", "pitbull faminto" e "palhaço de circo" contribui para a construção de um tom irônico e crítico em relação ao comportamento dos alunos?
3. Qual o significado da metáfora do "iceberg" utilizada no texto para descrever a relação entre a questão da acentuação gráfica e o problema maior da desconfiança na figura do professor e da falta de respeito em sala de aula?
4. Como o texto estabelece um paralelo entre a pedagogia do oprimido de Paulo Freire e a experiência do professor em sala de aula, e que reflexões essa relação suscita sobre o papel da humildade no processo de ensino-aprendizagem?
5. Qual a principal mensagem que o texto busca transmitir ao concluir que a "humildade" é um "acento" fundamental, mas que não é ensinado pela gramática, e como essa reflexão final se conecta com a problemática apresentada ao longo da narrativa?
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