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MINHAS PÉROLAS

Julga-se a cultura de um povo pelo comportamento das pessoas: indiana casa as mulheres com 9 anos e santifica o gado; brasileira santifica as mulheres e come o gado.
Claudeci Ferreira de Andrade

domingo, 18 de agosto de 2019

MAIS VANTAGENS AINDA ("A bondade excessiva confina com a fraqueza; a paciência ilimitada não é virtude, mas covardia disfarçada." — Khalil Gibran)

MAIS VANTAGENS AINDA ("A bondade excessiva confina com a fraqueza; a paciência ilimitada não é virtude, mas covardia disfarçada." — Khalil Gibran)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Cheguei à escola naquela tarde abafada de novembro, o sol castigando minhas costas. O ventilador do corredor girava preguiçosamente, como se compartilhasse do cansaço acumulado ao longo do ano letivo. Na sala da diretoria, um homem de mãos calejadas segurava o boletim do filho como quem segura uma sentença.

— "Reprovado de novo", murmurou, mais para si mesmo do que para os outros.

Eu estava ali por motivos burocráticos, mas a cena diante de mim capturou minha atenção. O homem, rosto marcado pelo sol e pelo trabalho, olhava para a diretora com uma mistura de decepção e resignação. — "Há três anos, vem repetindo a mesma série, mas ele não quer"! Desabafou, a voz embargada. — "Pode cortá-lo da escola. Para que ele ainda ocupa inutilmente essa vaga?" A diretora ajeitou os óculos, buscando tempo para formular uma resposta. Sabia que enfrentava mais do que um caso isolado; via-se diante de um dilema recorrente, onde os pais sob o peso do cansaço da rotina, já não confiam na escola como antes, e a esperança de um futuro melhor para os filhos se esvaiu. — "Ele é uma criança saudável, não é violento" — respondeu num tom conciliador. — "Deixe-o, não está causando dano algum!" O pai soltou uma risada seca, carregada de anos de desilusão. — "Sem dano? A senhora sabe quanto custa um aluno para o Estado? Cem dólares por dia! Ele ocupa uma vaga que poderia ser de outro que quer estudar de verdade. E o que ganha em troca? Um diploma vazio e a ilusão de que foi educado." Eu, encostado na parede amarelada da secretaria, fingi ler um cartaz sobre a importância da leitura, mas absorvia cada palavra daquele diálogo. Pensava nas estatísticas educacionais que transformam histórias humanas em números frios: meninos que não se encaixam, pais oscilando entre a rigidez e o abandono, um sistema que prega inclusão, mas opera com a lógica da produtividade. O calor na sala pareceu aumentar quando a diretora decidiu mudar de estratégia. — "Deixe-o ainda este ano" — sugeriu, inclinando-se sobre a mesa. — "Vamos conceder-lhe uma recuperação especial. Podemos inscrevê-lo no programa bolsa escola, garantir materiais, lanche... Se tiver boa frequência, a família recebe os benefícios." A menção aos incentivos financeiros transformou lentamente o semblante do pai. De repente, a permanência do filho na escola não era apenas sobre aprendizado, mas também sobre sobrevivência econômica. — "Poderíamos tentar mais uma vez" — concedeu, agora mais sereno. Naquele dia, saí da escola com mais perguntas do que respostas. Do ônibus lotado, observei o menino no pátio, um garoto magricela chutando pedrinhas sozinho enquanto os outros jogavam bola. Pensei em como nossa educação opera em um paradoxo cruel: concede chances infinitas aos alunos, enquanto o mundo real, aquele para o qual os preparamos, é implacável em seus cortes. No mercado de trabalho, uma falha, uma crise ou uma automação bastam para uma demissão. Mas na escola, mantemos um sistema de permanência a qualquer custo, que prioriza presença física sobre desenvolvimento real. Criamos uma bolha de misericórdia e favorecimentos, esquecendo que, um dia, essa bolha estourará. Anos depois, ainda me pergunto o que aconteceu com aquele garoto. Teria encontrado sentido nos estudos? Ou seria apenas mais um número nas estatísticas de inclusão que mascaram o abismo entre permanecer e participar? A misericórdia do nosso sistema educacional é, paradoxalmente, sua maior crueldade. Permitimos que jovens avancem pelos anos escolares sem encontrar propósito, sem desenvolver habilidades, acumulando frustrações que desaguarão em um mundo que não os poupará. Toda vez que passo por aquela escola, lembro com carinho do menino e do pai. Penso nas árvores que plantamos com tanto cuidado, confiando que cresceriam de maneira forte e saudável. A cada novo olhar, vejo nelas o potencial de florescer, mesmo sem pressa. Penso nos jardineiros que, apesar da impaciência, são guiados pela esperança de que o tempo trará os frutos esperados, e que, mesmo sem ver resultados imediatos, sua dedicação irá se transformar em algo belo e duradouro.
Entre o cuidado e a paciência, talvez estejamos, na verdade, descobrindo a melhor forma de nutrir nossas sementes humanas, com carinho e dedicação, para que floresçam com força e propósito.



Questões Discursivas Detalhadas sobre o Texto:


A Crônica da Reprovação: Uma Análise Multifacetada da Educação: O texto apresenta a história de um aluno repetidamente reprovado, revelando um sistema educacional que parece oscilar entre a "misericórdia" e a "crueldade". Discuta como essa dicotomia se manifesta na crônica, explorando os seguintes pontos:

A visão do pai sobre o filho e a escola: Que expectativas e frustrações o pai expressa? Como a escola responde a essas expectativas?

O papel da diretora: Qual a postura da diretora diante da situação? Ela representa a "misericórdia" ou a "crueldade" do sistema?

A lógica do sistema educacional: Como o sistema é descrito no texto? Ele prioriza o aprendizado e o desenvolvimento dos alunos ou outros fatores, como a presença física e os benefícios sociais?

O paradoxo da "misericórdia": De que forma a "misericórdia" do sistema educacional pode ser vista como uma "crueldade"? Que consequências essa lógica pode gerar para os alunos?

Ao final, reflita sobre o papel da escola na vida dos alunos. A escola deve ser um espaço de "chances infinitas" ou precisa preparar os alunos para a "implacabilidade" do mundo real? Qual o papel da família e da sociedade nesse processo?

O Abismo entre Permanecer e Participar: Uma Reflexão sobre a Inclusão: O texto menciona a diferença entre "permanecer" e "participar" na escola. Discuta essa distinção, explorando os seguintes aspectos:

O que significa "permanecer" na escola? Que exemplos do texto ilustram essa ideia?

O que significa "participar" da escola? Que elementos indicam a falta de participação do aluno na crônica?

Qual o impacto da falta de participação na vida dos alunos? Como essa situação pode afetar seu futuro?

Que medidas podem ser tomadas para garantir que os alunos não apenas "permaneçam" na escola, mas também "participem" ativamente do processo de aprendizado?

Ao final, reflita sobre o conceito de inclusão na escola. A inclusão se limita à presença física dos alunos ou envolve outros aspectos, como o desenvolvimento de suas habilidades, a participação em atividades e a construção de um projeto de vida?

Jardineiros Impacientes e Sementes Humanas: Uma Metáfora da Educação: A crônica utiliza a metáfora do "jardineiro impaciente" e das "sementes humanas" para ilustrar a relação entre pais, alunos e escola. Discuta essa metáfora, explorando os seguintes pontos:

Quem são os "jardineiros impacientes" na história? Qual sua visão sobre a educação dos filhos?

Quem são as "sementes humanas"? Que desafios elas enfrentam para "crescer retas"?

Qual o papel da escola nesse processo? A escola oferece o "cuidado" necessário para que as "sementes humanas" se desenvolvam?

Que tipo de "cuidado" seria necessário para garantir que as "sementes humanas" floresçam?

Ao final, reflita sobre a importância da paciência e da persistência no processo educativo. A metáfora do "jardineiro impaciente" nos convida a repensar nossas expectativas em relação aos alunos e a buscar formas mais eficazes de "cuidar" de seu desenvolvimento.

A Lógica da Produtividade na Educação: Uma Análise Crítica: O texto critica a lógica da produtividade que parece reger o sistema educacional. Discuta essa crítica, explorando os seguintes aspectos:

Como a lógica da produtividade se manifesta na crônica? Que exemplos ilustram essa ideia?

Quais os impactos da lógica da produtividade na vida dos alunos? Como essa lógica pode afetar sua autoestima e seu futuro?

Que valores deveriam nortear a educação? A produtividade deve ser o único objetivo ou a escola deve se preocupar com outros aspectos, como o desenvolvimento integral dos alunos?

Que medidas podem ser tomadas para superar a lógica da produtividade na educação? Como podemos construir um sistema educacional mais humano e justo?

Ao final, reflita sobre o papel da escola na formação de cidadãos críticos e conscientes. A escola deve ser um espaço de reprodução da lógica do mercado ou um espaço de transformação social?

O Paradoxo da Misericórdia e a Crueldade do Sistema Educacional: A crônica apresenta um paradoxo interessante: a "misericórdia" do sistema educacional, que concede "chances infinitas" aos alunos, pode ser vista como sua "maior crueldade". Discuta esse paradoxo, explorando os seguintes pontos:

De que forma a "misericórdia" do sistema educacional se manifesta na crônica? Que exemplos ilustram essa ideia?

Por que essa "misericórdia" pode ser vista como uma "crueldade"? Que consequências ela pode gerar para os alunos?

Que tipo de "misericórdia" seria mais adequado para os alunos? A escola deve oferecer "chances infinitas" ou precisa encontrar outras formas de "cuidar" de seus alunos?

Como podemos construir um sistema educacional que seja misericordioso sem ser cruel? Que valores e princípios devem nortear a ação da escola?

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