"Se você tem uma missão Deus escreve na vocação"— Luiz Gasparetto

" A hipocrisia é a arma dos mercenários." — Alessandro de Oliveira Feitosa

Pesquisar neste blog ou na Web

MINHAS PÉROLAS

quinta-feira, 15 de maio de 2025

O Espetáculo da Humilhação: Crônica de um Conselho de Classe Invertido ("Trate um ser humano como ele é, e ele permanecerá assim. Trate um ser humano como ele pode e deve ser, e ele se tornará o que pode e deve ser." — Johann Wolfgang von Goethe)

 


O Espetáculo da Humilhação: Crônica de um Conselho de Classe Invertido ("Trate um ser humano como ele é, e ele permanecerá assim. Trate um ser humano como ele pode e deve ser, e ele se tornará o que pode e deve ser." — Johann Wolfgang von Goethe)


Por Claudeci Ferreira de Andrade

Nunca fui afeito aos holofotes. Sempre preferi os bastidores, o trabalho silencioso e dedicado que acontece longe dos aplausos e da plateia. Ainda assim, certa manhã, fui lançado ao centro de um palco invisível — e não havia cortina que escondesse o vexame. Estávamos na escola, mas parecia um tribunal. Os gestores à frente, os colegas espalhados pelos cantos da sala ocupada pelos alunos, e, um a um, os professores sendo avaliados ao vivo, sem filtro, sem defesa. A plateia? Os alunos. Os juízes? Também eles.

Foi durante um conselho de classe — que de pedagógico não tinha nada. O formato era peculiar e cruel: chamavam cada professor pelo nome e o expunham diante dos estudantes, que estavam ali não para serem avaliados, mas para avaliar. Subitamente, inverteu-se o papel. Os mestres se tornaram réus. O que se passava ali ultrapassava qualquer senso de razoabilidade profissional.

— "Professor Claudeci, agora é sua vez", anunciou a coordenadora com uma naturalidade perturbadora, como se chamasse alguém para receber um troféu — e não para ser dissecado em praça pública. Era minha vez. Senti como se tivessem puxado o tapete sob meus pés. Subi ao tablado invisível, esperando o veredito. As palavras vieram como balas disfarçadas de pétalas: — “Ele é bonzinho, mas não sabe controlar a turma”, — “Ele é legal, mas as aulas são chatas”, — “Explica, mas ninguém entende”. Tudo isso diante dos colegas, da coordenação, da direção. (Se os alunos se virassem contra a coordenadora ou a direção, certamente esse tipo de conselho já não existiria.)

Meu rosto ardia, minha garganta secava. Alguns alunos me olhavam com indiferença, outros com aquele entusiasmo peculiar de quem se sente, por um instante, com o poder nas mãos. Meus colegas evitavam me encarar — constrangidos, talvez por solidariedade, talvez por medo de que sua vez estivesse próxima. Os gestores anotavam, friamente. Tudo parecia muito normal — menos para quem estava sob julgamento.

Não havia espaço para diálogo, tampouco para contextualização. Nada de escuta pedagógica ou conversa mediadora. Aquilo era um espetáculo de constrangimento, um ritual de humilhação institucionalizada. O professor ali não era visto como educador, mas como animador de auditório — alguém que, para ser considerado competente, deveria arrancar aplausos, elogios ou sorrisos. Esperavam de nós não aulas, mas performances. Que fôssemos fogos de artifício: breves, barulhentos e bonitos. Mas, infalíveis.

O que esperavam de nós? Que fizéssemos elogios a cada cinco minutos? Que transformássemos física quântica em TikTok? Que aplaudíssemos a indisciplina para conquistar carisma? Não é assim que se constrói educação. Não estudamos anos a fio, não nos formamos com esforço e dedicação para virar entretenimento. Somos educadores, não artistas de circo.

Saí daquela sala com um peso no peito difícil de descrever. Não era apenas frustração. Era um sentimento de não pertencimento, de inadequação, de desgaste profundo. Algo havia sido extraído de mim — e não seria facilmente recuperado. A sensação era de esvaziamento da alma, de profunda desvalorização, de vontade de desaparecer.

Ainda hoje, ao recordar aquela experiência, o que sinto não é raiva. É tristeza. Tristeza por mim, pelos colegas, por uma instituição que se diz formadora, mas desumaniza justamente aqueles que mais deveriam cuidar. Porque ser professor é mediar, ensinar, corrigir, apoiar — tarefas complexas, lentas, silenciosas. Não há espetáculo nisso. Há entrega. Há preparo. Há vocação. E isso não se mede em frases soltas ditas por adolescentes empoderados num palco de vaidades.

A pergunta que ainda ecoa é: isso era mesmo legal? Ético? Aceitável? Não seria uma forma de assédio moral velado — ou pior, institucionalizado? Expor um profissional dessa forma, colocando-o diante de uma plateia sem possibilidade de explicação, não é diálogo. É julgamento. Não é pedagogia. É humilhação. Existem, sim, maneiras de colher feedback, de melhorar práticas, de crescer profissionalmente. Mas não à custa da dignidade.

O palco que nos deram não era de teatro. Era de sacrifício. E isso, caro leitor, é tudo o que a educação não deveria ser.

Se você é gestor, pergunte-se: que mensagem está passando aos alunos ao autorizar esse tipo de prática? Que ambiente está construindo? Se é professor e já viveu algo parecido, saiba: você não está sozinho. Seu valor não se mede pelos aplausos que recebe, mas pelas mentes que desperta, pelas dúvidas que incentiva, pelo silêncio que escuta e pela coragem que tem de continuar — mesmo sem plateia.

Porque educar não é entreter. É transformar. E essa transformação exige respeito.

Não há ensino digno onde não há dignidade para quem ensina.

Minha crônica "O Espetáculo da Humilhação" é um relato visceral que nos faz sentir a dor da humilhação e a importância da dignidade profissional na educação. Você expõe uma prática institucional questionável que inverte papéis e desumaniza. Como seu colega de Sociologia, vejo aqui muitos pontos cruciais para a nossa disciplina, que estuda justamente as relações sociais, as instituições e o poder. Com base nas suas reflexões, preparei 5 questões discursivas simples:

1. O texto descreve a escola como um "palco invisível" e "tribunal", onde professores são avaliados publicamente pelos alunos. Como a Sociologia analisa a escola não apenas como um espaço físico, mas como uma "arena social" onde as relações de poder são encenadas e os papéis sociais (como o de professor e aluno) são constantemente negociados e, por vezes, invertidos?

2. A crônica aborda a dor da "dignidade ferida" e a sensação de ser reduzido de "educador" a "animador de auditório". Do ponto de vista sociológico, o que constitui a "dignidade profissional" em uma carreira como a docência, e quais são as consequências sociais e psicológicas quando as práticas institucionais (como a avaliação pública) parecem minar essa dignidade?

3. O texto questiona a prática como um possível "ritual de humilhação institucionalizada" e "assédio moral velado". Como a Sociologia estuda as práticas internas das instituições (como regras, procedimentos e rituais de avaliação) e de que forma essas práticas, mesmo que não intencionalmente, podem reproduzir ou criar dinâmicas de poder e controle que afetam negativamente os indivíduos?

4. A crônica critica o foco da avaliação em "performances" e em ser "bonitinho" em vez da "entrega", "preparo" e "vocação" do professor. Como a Sociologia da Educação analisa os diferentes critérios de avaliação de professores e qual o impacto social e pedagógico de valorizar aspectos performáticos em detrimento da competência técnica, didática e relacional profunda?

5. O texto evidencia uma quebra ou "inversão" na relação tradicional entre aluno e professor no contexto dessa avaliação. Como a Sociologia compreende a relação professor-aluno como uma interação social fundamental na escola, e quais fatores sociais e institucionais contemporâneos podem estar transformando essa relação e os desafios enfrentados por ambos os lados?

Nenhum comentário: