"Se você tem uma missão Deus escreve na vocação"— Luiz Gasparetto

" A hipocrisia é a arma dos mercenários." — Alessandro de Oliveira Feitosa

Pesquisar neste blog ou na Web

MINHAS PÉROLAS

sábado, 10 de maio de 2025

A Mão Que Afaga, O Chicote Que Açoita ("O preço de qualquer coisa é a quantidade de vida que você troca por ela." — Henry David Thoreau)

 


A Mão Que Afaga, O Chicote Que Açoita ("O preço de qualquer coisa é a quantidade de vida que você troca por ela." — Henry David Thoreau)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Tenho pensado naquilo que se move em silêncio — nas avaliações que não aparecem em relatórios, pareceres ou formulários, mas que acontecem na relação entre quem detém o poder e quem dele depende. Penso no olhar do cavalo sobre o carroceiro. Imagino o que se passa sob o pelo quente: a pele coçando, as moscas zumbindo, o sol queimando a nuca. Mas o que realmente marca é o chicote. Ele assobia no ar antes de cortar a carne. Às vezes, o carroceiro tem a fala arrastada pela bebida, e a dor vem com fúria. Outras vezes, o golpe é seco, automático, fruto apenas do cansaço. Mas a dor está sempre ali.

"Conheço cada ondulação dessa estrada", pensa o cavalo, com a sabedoria muda de quem carrega o fardo. "Sei quando puxar com força e quando poupar energia. Eu te levo onde você precisa ir. Mereço mais que o medo. Mereço respeito." Essa é a avaliação do cavalo: um julgamento silencioso sobre justiça — o peso da carga em contraste com a forma como a mão que guia também pode ferir.

Dessa imagem, minha mente salta para outros espaços em que a dependência se entrelaça com a avaliação. Penso nas salas de aula. Ali, uma inversão silenciosa tem ocorrido. Os alunos — ou suas famílias — passaram de aprendizes a avaliadores do mestre. Em conselhos de classe, vídeos e redes sociais, professores são julgados não por seu esforço ou conteúdo, mas por falas isoladas, gestos mal interpretados ou, simplesmente, por ousarem confrontar comportamentos inadequados.

E assim, o que deveria ser um espaço de formação transforma-se em tribunal. O professor, que deveria guiar, torna-se o acusado — muitas vezes de forma anônima, sem defesa, condenado pelo tribunal da percepção. Como se um recorte de fala fosse suficiente para invalidar todo um projeto pedagógico. “Chamou de vagabundo”, “não ensina inglês”, “fala da vida pessoal”, “pergunta demais”. Mas será que, por trás dessas críticas, não há também uma negação do papel de quem ensina e uma recusa em assumir o esforço de quem aprende?

A escola, que deveria ser território de esforço e superação, torna-se refém de expectativas rasas e interesses distorcidos. E, quando isso se soma à ingerência de forças externas — sobretudo políticas —, o cenário se agrava. Lembro-me de um provérbio amargo, porém preciso: “a mão que afaga é a mesma que apedreja.”

Vejo essa máxima se cumprir quando instituições fundamentais — a escola, a família, a igreja — abandonam seus princípios em troca de favores, verbas ou influência. A política, com sua essência volúvel, infiltra-se nesses espaços com promessas de afago: um apoio aqui, uma nomeação ali. Mas cada concessão cobra um preço alto. Vende-se a autonomia. Perde-se a coerência. Troca-se o propósito pela conveniência.

A escola, que deveria ensinar a pensar, curva-se para doutrinar. A família, que deveria sustentar o caráter, negocia princípios em busca de aceitação. A igreja, que deveria elevar o espírito, transforma-se em palanque. É a alma sendo vendida aos poucos.

Nesse jogo de conveniências, a confiança desaparece. A mão que antes guiava com firmeza torna-se suspeita. O aluno já não vê o professor como exemplo, mas como ameaça. O fiel já não reconhece no pastor a palavra divina, mas o discurso eleitoral. O filho já não escuta os pais como bússola, mas como vozes corrompidas. E assim, o chicote da desilusão nos marca a todos.

Porque, quando a mão que deveria proteger se transforma em instrumento de interesse, a base da convivência se desfaz. A avaliação — silenciosa, persistente, implacável — revela que algo se quebrou. E talvez não haja mais como remendar.

Que aprendamos, enquanto é tempo, a preservar a integridade das instituições que formam o espírito humano. Que a escola não se perca no espetáculo. Que o professor não seja calado por boatos. Que a família não negocie o que é inegociável. Que a mão que guia não se torne a que açoita. E que a alma não se venda — nem por poder, nem por medo.



Minha crônica é uma reflexão poderosa e um convite a pensar sociologicamente sobre as relações de poder, a confiança nas instituições e os custos invisíveis das escolhas coletivas e individuais. Como seu professor de Sociologia, vejo nela muitos ganchos para discussões essenciais. Com base nas minhas ideias, preparei 5 questões discursivas simples:


1. O texto inicia com a imagem do cavalo avaliando o carroceiro e depois salta para alunos/famílias avaliando professores. Como a Sociologia analisa as dinâmicas de poder e as formas de avaliação (formais e informais) que ocorrem nas relações assimétricas dentro de diferentes instituições sociais, como a escola ou o local de trabalho?

2. A crônica critica a forma como instituições como escola, família e igreja se envolvem na política, perdendo autonomia e coerência. Como a Sociologia estuda o papel e as funções das instituições sociais na sociedade contemporânea e de que forma a interferência excessiva de forças externas, como a política, pode afetar sua capacidade de cumprir seus propósitos originais?

3. O texto usa o provérbio "a mão que afaga é a mesma que apedreja" para descrever a natureza da política e a experiência de instituições que buscam sua influência. Do ponto de vista sociológico, quais são os riscos e as consequências para a confiança pública e para a própria integridade de instituições não-políticas (como escolas ou igrejas) quando elas se tornam instrumentos de agendas políticas?

4. A crônica descreve a inversão de papéis na escola, onde alunos avaliam o mestre, e a erosão da autoridade do professor. Como a Sociologia compreende as mudanças nas relações de autoridade dentro das instituições de ensino e quais fatores sociais e culturais podem contribuir para essa reconfiguração e para a crise de confiança na figura do educador?

5. O texto conclui que vender a alma das instituições por influência política tem "juros morais altíssimos" e quebra a confiança. Como a Sociologia analisa o valor da integridade e da autonomia para a legitimidade e a coesão das instituições sociais, e quais as implicações para a sociedade quando a confiança nessas bases é abalada?

Uma Reflexão Sobre o Futuro da Formação Docente ("Não se trata de encher um balde, mas de acender uma fogueira." — William Butler Yeats)

 

Uma Reflexão Sobre o Futuro da Formação Docente ("Não se trata de encher um balde, mas de acender uma fogueira." — William Butler Yeats)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Foi numa manhã comum que me dei conta: ensinar já não é o que foi. E talvez, mais do que isso, formar quem ensina virou um jogo de interesses travestido de modernidade e inclusão. Enquanto tomava meu café e acompanhava as notícias, vi estampada a manchete sobre o novo marco regulatório da educação a distância. Confesso que não era a primeira vez que lia sobre o tema, mas, naquele dia, a palavra *semipresencial* me saltou aos olhos como quem grita para ser ouvida. “Agora vai”, pensei, meio descrente, meio esperançoso — como quem assiste a uma reforma que já viu começar tantas vezes sem nunca chegar ao fim.

Segundo a notícia, a proposta do governo era oficializar uma modalidade semipresencial para os cursos de licenciatura, mantendo os 50% de atividades obrigatoriamente presenciais, mas permitindo que parte delas ocorresse de forma síncrona — isto é, online e ao vivo. Uma mudança sutil, mas de implicações profundas. Um aceno ao progresso, talvez? Ou apenas mais uma forma de maquiar velhos problemas?

Lembrei, então, dos meus anos de faculdade: a lousa suja de giz, o cheiro de papel recém-impresso, o barulho das cadeiras sendo arrastadas ao final de cada aula. Havia um ritual ali. Lembrei dos debates acalorados nos corredores, das perguntas inesperadas, das respostas fora de hora, e dos professores que nos olhavam nos olhos — momentos que a frieza de uma tela jamais será capaz de oferecer. Recordei especialmente o Professor Carlos, com suas sobrancelhas expressivas e mãos inquietas, que transformava conceitos abstratos em lições vivas. Será que uma tela conseguiria capturar aquela essência?

Com o decreto prestes a ser anunciado, voltei a pensar no que realmente se aprende durante a formação docente. Caminhei até a janela e observei a escola do outro lado da rua. Crianças corriam pelo pátio; professores apartavam brigas, ensinavam regras, acolhiam choros. Quanto disso se aprende nos livros? Quanto se aprende com a presença de um mestre atento? E o que se perde quando essa vivência é substituída por experiências mediadas por telas?

O velho relógio na parede — herança dos meus tempos de aluno — parecia marcar não só as horas, mas a transição de uma era. Seu pêndulo oscilava como as opiniões sobre o tema: de um lado, empresários do setor educacional celebrando a flexibilidade; de outro, especialistas alertando para os riscos de uma formação superficial. Um colega, professor em uma universidade particular, me escreveu: "Você viu? O decreto está para sair. Vão reduzir os polos de 47 mil para 10 mil." Imaginei o impacto: polos sendo fechados, exigência de infraestrutura mínima, controle mais rígido. Um passo na direção certa, talvez — mas ainda insuficiente diante do desafio maior.

Os dados que vinham à tona eram contundentes: 77% dos estudantes de Pedagogia já estão matriculados em cursos a distância — são mais de 850 mil pessoas. Na Enfermagem, 41% estudam remotamente. Carreiras que exigem prática, empatia, convivência. Carreiras de gente para gente. A massificação do EAD nessas áreas acende um alerta que não pode ser ignorado.

A tarde avançava, e com ela, as reflexões. A frase de Priscila Cruz, do movimento Todos Pela Educação, ecoava em minha mente: "instituições fingem que ensinam, alunos fingem que aprendem." Uma provocação dura, mas necessária. O risco de um “pacto de mediocridade” se concretiza quando se prioriza o lucro ou a inclusão a qualquer custo — em detrimento da qualidade.

O decreto, no entanto, não saiu. Pela quarta vez, foi adiado. Nos bastidores, falava-se em receios políticos. O governo hesita, temendo impactos na imagem pública, como os enfrentados em outras áreas. A decisão, que deveria ser pedagógica, parece travada entre o desejo de agradar ao setor privado e o receio de desagradar ao eleitorado.

Voltei ao laptop. A tela ainda exibia a manchete. Pensei nos milhões que só conseguem estudar por meio do EAD. É fato: o ensino remoto ampliou o acesso, democratizou possibilidades. Mas pensei também nas crianças que dependem de bons professores — bem preparados, capazes de olhar, ouvir, adaptar, compreender. O acesso, por si só, não basta. É preciso garantir qualidade.

Ao anoitecer, sentei-me na varanda com uma xícara de chá. As luzes das casas acendiam-se, uma a uma. Cada janela guardava histórias de aprendizado. Quantas delas começaram com um professor atento? Quantas se perderam por falta de acompanhamento real?

Talvez o verdadeiro marco não esteja no decreto, mas na reflexão que ele nos impõe. Entre telas e salas de aula, entre algoritmos e afeto, entre cálculos políticos e compromissos pedagógicos, estamos definindo o futuro da formação docente. E, com ele, o futuro da nossa educação básica.

Fechei o laptop. Amanhã virá com novas manchetes, novas medidas, novos ajustes. Mas algumas verdades resistem ao tempo: ensinar e aprender são, acima de tudo, encontros. Que eles não desapareçam no brilho das telas.


https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2025/05/nova-regra-do-ead-vai-permitir-formacao-de-professores-com-aula-online-ao-vivo.shtml (Acessado em 10/05/2025)



Minha crônica é um texto essencial para quem pensa a educação hoje, misturando sua experiência pessoal com uma análise crítica das políticas públicas. Como seu professor de Sociologia, vejo aqui pontos importantíssimos sobre como a sociedade, a tecnologia e o mercado moldam a educação. Com base nas minhas reflexões, preparei 5 questões discursivas simples:


1. O texto descreve a tensão entre a busca por "democratizar o acesso" ao ensino superior via EAD e o risco de um "pacto de mediocridade" na formação de professores. Como a Sociologia analisa o desafio de equilibrar a expansão do acesso à educação com a garantia de qualidade, especialmente em um país marcado por desigualdades sociais?

2. A crônica aponta que a formação de professores e enfermeiros (carreiras de "gente para gente") está sendo influenciada por regras de EAD. Do ponto de vista sociológico, como a crescente mediação tecnológica na educação (via EAD) pode impactar as habilidades relacionais e práticas essenciais para profissões que envolvem contato direto e cuidado com outras pessoas?

3. O texto sugere que a definição das regras do EAD é um "jogo de interesses" e "cálculo político", com pressão de "empresários do setor educacional". Como a Sociologia entende a influência de interesses econômicos e políticos na formulação de políticas educacionais, e como esses interesses podem se chocar com as necessidades pedagógicas?

4. O narrador contrasta a experiência presencial de faculdade ("contato olho no olho", "debates acalorados") com a "frieza de uma tela". Como a Sociologia analisa as mudanças na interação social e na experiência de aprendizagem que ocorrem com a transição do ensino presencial para modalidades que utilizam mais tecnologia e distância?

5. A crônica reflete sobre o papel da escola e do professor para além da transmissão de conteúdo. Como a Sociologia estuda a evolução do papel social do professor e as competências necessárias (para além do conhecimento técnico) para atuar em um ambiente escolar complexo e em constante mudança?

sexta-feira, 9 de maio de 2025

Na Sala Onde Caem Professores ("... A banalidade do mal." — Hannah Arendt)

 



Na Sala Onde Caem Professores ("... A banalidade do mal." — Hannah Arendt)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Nos primeiros dias de maio de 2025, os portais de notícia de Minas Gerais estamparam manchetes que, embora chocantes, já não surpreendiam. Professores agredidos dentro da sala de aula. Outra vez. Em cidades vizinhas, com poucas horas de diferença, cenas semelhantes, dores idênticas.

A primeira ocorrência veio de Belo Horizonte, na região da Pampulha. Uma professora de Geografia, de 55 anos, foi empurrada por um aluno de 15 durante uma discussão sobre o uso do celular em sala. O gesto de repreensão, que outrora fazia parte da rotina pedagógica, agora é visto como provocação. O garoto a empurrou com força diante de todos. Gritou para os colegas: “Grava ela! Grava ela fazendo graça!” A educadora caiu ao chão. Riram. Filmaram. Viralizaram. No boletim de ocorrência, consta que o aluno tem diagnóstico de TDAH e transtorno opositor desafiador — mas, até então, a escola não havia sido oficialmente informada.

Dois dias depois, outra manchete: “Aluno ameaça matar professora dentro da escola, em Sabará.” Desta vez, a vítima foi uma supervisora pedagógica de 61 anos. Estava em sua sala, organizando papéis, quando foi surpreendida por um estudante de 16 anos, visivelmente alterado. Ele entrou sem bater, jogou sobre a mesa uma cartela de medicamentos e acusou: “A senhora falou com meu pai que eu uso droga.” Não esperou resposta. Avançou. Empurrou. Encurralou-a entre uma estante e a mesa e, apontando uma caneta para seu rosto, declarou: “Eu vim aqui pra te matar, e hoje eu vou te matar mesmo.”

A história quase teve um desfecho trágico. Um aluno, ao passar pelo corredor, ouviu os gritos e correu pedindo ajuda. Um professor que tentou intervir saiu com o braço ferido. A polícia foi chamada. O boletim foi registrado. Mas o que mais uma ocorrência pode significar num país onde ser professor se tornou sinônimo de vulnerabilidade?

Nas redes sociais, os comentários se dividiam entre o espanto e a resignação. “Mais um caso?”, perguntava um internauta. “Até quando?”, indagava outro. Mas, entre o choque e a indiferença, a pergunta mais dura permanecia: por que isso continua acontecendo?

Os relatos revelam mais do que episódios isolados de violência escolar. São sintomas de um colapso. A autoridade do professor vem sendo corroída há anos — não apenas pela indisciplina, mas por um sistema que, ao mesmo tempo em que exige paciência infinita dos educadores, falha em lhes garantir o mínimo de segurança. Espera-se que sejam psicólogos, conselheiros, guardiões e heróis — mas não se oferece nem proteção, nem respeito.

No caso da professora da Pampulha, o laudo médico registrou contusões e escoriações. No de Sabará, o trauma foi mais profundo que o físico. O medo ocupou o lugar da vocação. E, mesmo assim, ambas continuam. Continuam por compromisso, por teimosia — ou talvez por uma fé dolorosa de que ensinar ainda pode valer a pena.

As manchetes passarão. Os vídeos talvez continuem circulando até que outra polêmica ocupe os holofotes. Mas, nas salas onde caem professores, o chão permanecerá frio, duro e hostil. E quem ousar ensinar ali, aprenderá, antes de tudo, a sobreviver.




Minha crônica "Na Sala Onde Caem Professores" é um relato impactante que nos convida a uma reflexão profunda sobre a escola e a sociedade contemporânea. Como seu professor de Sociologia, vejo aqui muitos pontos cruciais para nossa análise. Com base nas minhas ideias, preparei 5 questões discursivas simples:


1. O texto descreve atos de violência de alunos contra professores em escolas. Como a Sociologia analisa os fatores sociais e institucionais que podem contribuir para a ocorrência de violência dentro do ambiente escolar?

2. A crônica sugere que a "autoridade do professor vem sendo corroída" e que os incidentes são "sintomas de um colapso". De que forma a Sociologia estuda a dinâmica da autoridade em instituições sociais como a escola e o que a fragilização dessa autoridade pode indicar sobre mudanças na sociedade?

3. O texto aponta que se espera que professores sejam "psicólogos, conselheiros, guardiões e heróis", mas não se oferece a eles "proteção, nem respeito". Como a Sociologia compreende as expectativas sociais sobre o papel do professor na sociedade atual e os desafios enfrentados pela profissão diante dessas expectativas e da realidade do ambiente de trabalho?

4. A crônica sugere que a violência na escola é um reflexo de problemas mais amplos da sociedade. Como a Sociologia analisa de que maneira as tensões, desigualdades e violências existentes na sociedade em geral podem se manifestar e impactar diretamente o cotidiano das instituições de ensino?

5. O texto menciona como as agressões foram filmadas e circularam nas redes sociais, gerando comentários diversos. Como a Sociologia da Mídia estuda o papel dos meios de comunicação e das redes sociais na representação e no debate público sobre a violência na escola e a imagem dos professores?

quinta-feira, 8 de maio de 2025

A Exaustão de Amar Demais ("Empatia sem limites é receita para exaustão." — Atribuído a profissionais de saúde mental)

 



Crônica


A Exaustão de Amar Demais ("Empatia sem limites é receita para exaustão." — Atribuído a profissionais de saúde mental)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Sinto o peso da profissão todos os dias. Não o dos livros na mochila, nem o da rotina que insiste em nos moer, mas o peso invisível e denso das vidas que cruzam a minha. Há trinta anos, testemunho o turbilhão que é a adolescência: as dificuldades que se escondem por trás dos sorrisos e das rebeldias, as histórias sussurradas que carregam o mundo nas costas. A cada olhar atento, a cada confidência, a cada dificuldade percebida em sala de aula, uma parte de mim se envolve, se preocupa, se doa. Acredito que ser professor é, em grande parte, estar ali — inteiro, disponível — para esse universo complexo. É essa conexão que, paradoxalmente, me nutre de sentido e, ao mesmo tempo, me esgota a alma.

Foi numa terça-feira qualquer, dessas em que o café esfria antes mesmo de darmos o primeiro gole, que me deparei com um estudo. Estava na sala dos professores, entre papéis amassados e olhares perdidos pelo cansaço. A pesquisa, sobre o mal-estar docente, trazia um alerta que me atingiu como um soco no estômago — daqueles que tiram o ar e fazem questionar tudo o que pensávamos saber sobre a nossa profissão. A conclusão, seca e direta como um diagnóstico, afirmava que os professores mais resilientes, aqueles que chegavam ao fim da carreira inteiros, menos afetados por adoecimentos psiquiátricos graves, eram justamente os que sabiam se afastar emocionalmente.

O estudo dizia que esses profissionais mantinham uma empatia limitada, uma compaixão dosada. Entendiam seu papel até certo ponto e, depois dali, conseguiam, metaforicamente, "virar as costas e ir embora", deixando o problema onde estava — sem levá-lo para casa, sem permitir que corroesse a alma. A pesquisa gritava uma verdade inconveniente, daquelas que não aparecem nas manchetes motivacionais: a sobrevivência na docência, muitas vezes, exige uma distância afetiva.

Como digerir uma verdade tão dura? Como conciliar essa conclusão com a imagem idealizada que a sociedade — e nós mesmos — construímos do professor: o ser onipresente, onicompreensivo, capaz de abraçar todas as dores e solucionar todos os dilemas? O estudo me colocava diante de um paradoxo cruel: seria a própria empatia, a compaixão que consideramos virtudes essenciais, o caminho para a doença na nossa profissão? Seria a capacidade de estabelecer limites rígidos, de não se afogar no mar de problemas que nos cerca, a verdadeira chave para a sobrevivência — mesmo que isso pareça ir contra a nossa natureza ou contra a expectativa de entrega total que nos é imposta?

Lembro do início da minha carreira, trinta anos atrás. Eu me jogava com tudo: sem filtros, sem limites. Chorava junto com os alunos, levava os problemas deles para casa, perdia o sono imaginando soluções para dificuldades muito além do meu alcance. Sentia-me na obrigação de ser santo, de carregar cada dor de aluno, cada conflito familiar, cada ausência afetiva, como se a minha mochila pedagógica também fosse emocional. O preço dessa entrega total era alto: eu me sentia esgotado, à beira do abismo.

Hoje, não mais. Aprendi, a duras penas, que, se eu não me colocar limites, ninguém o fará por mim. Aprendi que o professor que permanece são é aquele que constrói uma cerca em torno de si. Não para excluir — jamais para abandonar os alunos —, mas para não ser arrastado pela tempestade que, do lado de fora da sala de aula, não dá trégua. É a capacidade de abrir o guarda-chuva e seguir, mesmo com os pés molhados; é a consciência de que meu papel é ensinar, guiar, apoiar "dentro do meu escopo de trabalho". Problemas que transcendem isso — a fome em casa, a violência, as complexas questões psicológicas — são reais, urgentes, mas não podem se tornar inteiramente "meus" fardos, sob pena de adoecer e não conseguir mais ser útil — nem para mim, nem para eles.

Conseguir "virar as costas", nesse sentido, não é frieza; é um ato de autopreservação. É reconhecer que não sou um salvador universal, mas um profissional com um papel específico e, sim, com limites. O estudo dizia que, por mais difícil e contraintuitivo que pareça, esse é o profissional que paga um preço menor pela intensa carga emocional da docência. Quando o emocional se esgota, quando a cerca é derrubada, o corpo cobra em juros altos: crises de pânico, depressão, afastamentos sucessivos, olhares vazios que já não conseguem mais ler nem o próprio nome na lousa. Ensinar não deve custar a alma.

Esse estudo é um alerta gigante, um grito silencioso sobre o custo humano da nossa profissão. Ele nos obriga a encarar uma verdade incômoda: o modelo de professor que se entrega por completo, sem filtros, sem limites, está em risco constante de adoecimento grave. Não sei se a resposta é simplesmente "limitar a empatia" — isso parece contrariar a essência do cuidar, que também é parte do educar, e que se emociona genuinamente quando Mateus consegue sua primeira entrevista de emprego ou quando Luiza finalmente compreende um teorema. Mas sei que precisamos, com urgência, discutir as condições de trabalho, o apoio psicológico disponível nas escolas, a formação que nos ajude a construir limites saudáveis sem perder a conexão humana.

Ao final desta crônica, sinto a amargura de uma verdade difícil, mas necessária. O estudo não condena a empatia — revela o quão perigoso é exercê-la sem estrutura de apoio adequada e sem os limites necessários à sobrevivência emocional na arena escolar. O alerta é para a instituição, para a sociedade, para nós mesmos: a profissão docente está adoecendo, e talvez a forma como a idealizamos — exigindo entrega total e ilimitada — seja parte do problema. Precisamos de resiliência, sim, mas de uma resiliência que seja fruto de um sistema que apoia, que oferece recursos, e não de um isolamento emocional que, embora protetor, soa solitário. Que esse estudo, por mais duro que seja, nos leve a construir uma docência onde compaixão e saúde caminhem juntas, e não em rotas de colisão. Que sejamos luz, sim — faróis que guiam no caminho do saber —, mas não velas que queimam até desaparecer, deixando apenas o rastro de cera e um silêncio de exaustão.



Minha crônica "A Exaustão de Amar Demais" é um relato muito poderoso sobre os desafios emocionais da docência e nos oferece um excelente ponto de partida para discussões sociológicas sobre trabalho, saúde mental e instituições. Com base nas minhas reflexões, preparei 5 questões discursivas simples:


1. O texto descreve o "peso invisível e denso das vidas" dos alunos como parte da profissão docente. Como a Sociologia analisa o conceito de "trabalho emocional" em profissões que lidam diretamente com pessoas e suas dificuldades, e qual o impacto desse tipo de trabalho na saúde e no bem-estar dos profissionais, como os professores?

2. A crônica contrapõe a imagem idealizada do professor como um "santo" totalmente dedicado à conclusão de um estudo que aponta a necessidade de "limites" e "distância afetiva" para a sobrevivência na carreira. Como a Sociologia estuda a tensão entre as expectativas sociais sobre um profissional e a realidade prática do seu trabalho, especialmente em ocupações de cuidado?

3. O narrador fala sobre o adoecimento e o "esgotamento" (burnout) como consequências do excesso de entrega emocional sem limites. De que forma a Sociologia entende o burnout não apenas como um problema individual, mas como um fenômeno social e institucional relacionado às condições de trabalho, à organização das tarefas e à cultura da profissão?

4. O texto sugere que a capacidade de "virar as costas" metaforicamente para problemas que transcendem o escopo do professor é um ato de "autopreservação". Como a Sociologia analisa as estratégias que os indivíduos desenvolvem para gerenciar as demandas de seu trabalho e proteger sua saúde mental em ambientes profissionais desafiadores?

5. A crônica conclui apontando a necessidade urgente de "condições de trabalho", "apoio psicológico" e "formação para limites saudáveis" como soluções para o mal-estar docente. Como a Sociologia compreende o papel das instituições e das políticas de apoio na promoção da saúde e da sustentabilidade da carreira de profissionais em áreas de alta carga emocional?

segunda-feira, 5 de maio de 2025

A Verdadeira Construção da Autoestima ("Mar calmo nunca fez bom marinheiro." — Provérbio popular)

 







A Verdadeira Construção da Autoestima ("Mar calmo nunca fez bom marinheiro." — Provérbio popular)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Naquela manhã comum, vi um garoto se olhar no espelho do banheiro da escola. Nenhuma vaidade saltava dali. Era como se, ao ajeitar a gola da camiseta, tentasse encontrar um pouco de ordem na bagunça que sentia por dentro. O gesto foi breve, mas permaneceu comigo o dia todo. Talvez porque, naquele simples movimento, estivesse condensada uma das maiores inquietações da adolescência: quem sou eu nesse mundo que me olha tanto, mas me vê tão pouco?

Para muitos, a escola se tornou um palco improvisado para a construção de identidades ainda em esboço. Os alunos chegam com figurinos emprestados, roteiros mal escritos e uma plateia mais distraída do que compreensiva. E nós, professores, seguimos ensaiando cenas de acolhimento, acreditando – ou fingindo crer – que bastam dinâmicas afetivas para salvar o que foi negligenciado fora dali.

Durante uma reunião pedagógica, a coordenadora anunciou, com entusiasmo, um novo projeto de fortalecimento da autoestima estudantil, repleto de rodas de conversa, murais de gratidão e meditações guiadas. Observei os rostos ao meu redor, tão esperançosos, e percebi o quanto nos agarramos a iniciativas simbólicas para enfrentar o que, no fundo, sabemos ser estrutural. Disse, meio contrariado, que a escola não pode ser o centro gravitacional da vida emocional dos alunos. Fui alvo de olhares reprovadores. Mas mantive o que disse.

A verdade é que, por mais que tentemos, a escola não consegue proteger os estudantes dos ventos que sopram de fora. E são ventos fortes. Famílias desajustadas, redes sociais implacáveis, padrões inalcançáveis de beleza, comparações cruéis, silêncios doídos. A autoestima, ao contrário do que dizem alguns cartazes coloridos nos corredores, não nasce de elogios fáceis. Ela floresce do enfrentamento – da conquista suada, da frustração elaborada, do orgulho que surge quando alguém percebe que superou a si mesmo.

Lembro de Julius, um aluno que escrevia contos maduros, muito além de sua idade. Vivendo entre dois lares em conflito, ele zombava de nossas tentativas de fazê-lo “falar sobre seus sentimentos”. Um dia, me disse com amargura: “Não preciso de outro adulto me dizendo que tudo vai melhorar. Preciso de alguém que reconheça que algumas coisas não melhoram – e, mesmo assim, a gente segue.”

A escola pode ser um ponto de apoio, um farol em meio à neblina, mas não um abrigo eterno. Se insistimos em ser o colo que embala todas as dores, em vez de o impulso que lança, acabamos por infantilizar os jovens e empobrecer a própria educação. Educar não é anestesiar, é preparar para o corte da vida.

Outro dia, observei dois alunos tímidos explicando seu projeto de ciências num evento do Ensino Médio. Começaram hesitantes, tropeçando nas palavras, mas, ao final, responderam perguntas com a segurança de quem enfrentou o medo e venceu. Ali estava a verdadeira construção da autoestima: não no tapinha nas costas, mas no suor das mãos que seguravam o microfone.

Émily, aluna do terceiro ano, trabalha nos fins de semana para comprar seus próprios livros. Ela não precisou de sessões de “valorização pessoal”. A força que carrega no olhar veio das escolhas difíceis que já precisou fazer.

Há uma cena que jamais esqueço. Uma professora, emocionada, dizia que certa aluna só encontrava amor dentro da escola. Fiquei calado. Não por indiferença, mas por saber que o afeto escolar, por mais sincero que fosse, não tem força para remendar vazios que nasceram em casa. A escola pode iluminar, sim, mas não substitui a luz que deveria vir do lar.

Hoje, vejo adolescentes se espremendo entre filtros digitais e expectativas desumanas. E lembro daquele menino no espelho. Talvez ele só quisesse saber se ainda era ele mesmo ali refletido. Por isso, minha missão como educador não é lapidar espelhos – é abrir janelas. Mostrar que há um mundo lá fora esperando por quem tem coragem de sair do esconderijo e viver de verdade.

Não, a autoestima não se molda entre quatro paredes. Ela começa quando alguém entende que não precisa ser perfeito para ser inteiro. E é isso que desejo ensinar: que a vida não será fácil, mas pode ser bela. Que não estaremos aqui para salvá-los, mas para caminhar ao lado. E que, mais importante do que oferecer abrigo, é ensinar a construir abrigo próprio.

Porque, no fim, não importa se o autorretrato está bonito. Importa que seja verdadeiro.



Minha crônica é um retrato muito sensível e sociologicamente perspicaz da experiência adolescente e do papel da escola nesse período. Ela nos faz questionar discursos simplistas e olhar para as complexas forças sociais que moldam a identidade e a autoestima dos jovens. Com base nas minhas reflexões, preparei 5 questões discursivas simples:


1. O texto começa com a imagem de um adolescente se olhando no espelho, buscando "ordem na bagunça que sentia por dentro" e questionando "quem sou eu nesse mundo?". Como a Sociologia entende o processo de construção da identidade durante a adolescência, considerando a influência das interações sociais, da autoimagem e das expectativas do grupo?

2. A crônica descreve a escola como um "palco improvisado" para a construção de identidades e discute o papel dos professores e projetos. Como a Sociologia da Educação analisa a escola como um espaço de socialização fundamental para os adolescentes, capaz de influenciar sua autoimagem e relações sociais, mas também sujeito a limitações?

3. O narrador menciona os "ventos fortes que sopram de fora", como "redes sociais implacáveis, padrões inalcançáveis de beleza" e "famílias desajustadas". De que forma as pressões sociais externas ao ambiente escolar, transmitidas pela mídia, família e pares, impactam a autoestima e o bem-estar emocional dos adolescentes na sociedade contemporânea?

4. O texto sugere que a verdadeira autoestima nasce do "enfrentamento" de desafios e não de "elogios fáceis". Como a Sociologia compreende a resiliência — a capacidade de lidar e superar adversidades — e qual o papel do apoio social (vindo de diferentes fontes, incluindo a escola) no desenvolvimento dessa capacidade nos jovens?

5. A crônica critica a ideia de que "bastam dinâmicas afetivas" na escola para resolver problemas complexos. Como a Sociologia analisa as abordagens que tendem a individualizar ou simplificar soluções para desafios sociais complexos que, muitas vezes, têm raízes em questões estruturais e sistêmicas?