"Se você tem uma missão Deus escreve na vocação"— Luiz Gasparetto

" A hipocrisia é a arma dos mercenários." — Alessandro de Oliveira Feitosa

Pesquisar neste blog ou na Web

MINHAS PÉROLAS

quarta-feira, 4 de junho de 2025

Nos Bastidores da Segurança Escolar ("Não podemos resolver problemas pensando da mesma forma que os criamos." — Albert Einstein)

 


Nos Bastidores da Segurança Escolar ("Não podemos resolver problemas pensando da mesma forma que os criamos." — Albert Einstein)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Nos anos em que caminhei pelo chão da escola, aprendi que nem tudo o que reluz é ouro, e nem toda promessa se cumpre. Ultimamente, tenho assistido a um espetáculo peculiar: uma encenação bem-intencionada, mas que ignora o enredo da vida real. Trata-se da tentativa do Ministério da Educação de enfrentar o bullying com seminários e protocolos — um esforço que, de longe, parece avanço, mas de perto se revela frágil, como quem tenta consertar uma lona rasgada com fita adesiva.

A proposta de transformar a proteção escolar em uma coleção de guias rápidos e normativas me faz refletir. Como afirma a socióloga Vera Candau (2008), “não basta despejar conteúdo nas mentes jovens; a escola precisa ser um espaço onde a convivência se exercite em democracia e crítica.” No entanto, o que vejo é a burocratização do cuidado: prioriza-se o gerenciamento das consequências, enquanto se evita encarar as causas profundas da violência. É como se a solução estivesse nos manuais, não no cerne do problema.

A insistência em medidas técnicas e checklists obscurece uma verdade desconfortável, aquilo que Jesse Souza (2019) chama de “violência simbólica estrutural”. Ela se manifesta de forma invisível, mas concreta: na desigualdade que oprime, no racismo entranhado nas estruturas institucionais, nas hierarquias de poder que silenciam e desumanizam. Enfrentar o bullying exige mais que seguir protocolos; é preciso encarar de frente as omissões da escola e a exclusão afetiva que atinge professores e alunos com a mesma força.

Lembro-me do alívio que senti quando a Lei nº 13.935/2019 anunciou a chegada de psicólogos e assistentes sociais às escolas. Pensei: “Agora sim, um respiro!”. Mas a realidade, como sempre, mostrou-se teimosa. Sem condições materiais, vínculos duradouros e valorização efetiva desses profissionais, suas ações se tornam meros paliativos. Daniel Cara (2023), referência em políticas educacionais, foi direto ao ponto: “Nenhuma política pública se sustenta sem investimento real e sem escuta dos que vivem o chão da escola.” E não há como discordar.

No fim das contas, proteger verdadeiramente a escola exige mais do que eventos pontuais ou discursos em datas comemorativas. É preciso coragem institucional para rever a lógica meritocrática que adoece, desmontar relações autoritárias que sufocam e romper com silêncios que perpetuam a injustiça. Só assim a escola deixará de ser um palco de segurança encenada para se tornar, de fato, um refúgio real.

Que sejamos, como sociedade, capazes de ouvir o chão da escola — e tenhamos a ousadia de transformá-la no que ela sempre deveria ter sido: um lugar de acolhimento e florescimento, não de protocolos vazios.



https://www.gov.br/mec/pt-br/assuntos/noticias/2025/junho/mec-promove-seminario-de-enfrentamento-ao-bullying (Acessado em 04/06/2025)




Minha crônica oferece uma análise crítica profunda sobre a ineficácia das políticas educacionais que buscam combater o bullying de forma superficial, negligenciando as causas estruturais da violência e a complexidade do ambiente escolar. Com base nessas ideias, elaborei 5 questões discursivas para aprofundar a discussão sociológica.


1 - A crônica descreve a tentativa do MEC de combater o bullying com "seminários e protocolos" como uma "encenação bem-intencionada, mas que ignora o enredo da vida real". De uma perspectiva sociológica, como a burocratização das políticas públicas pode levar à ineficácia e ao distanciamento entre as intenções governamentais e a realidade vivenciada no "chão da escola"?


2 - O texto aborda a "violência simbólica estrutural" de Jesse Souza (2019), manifestada em desigualdade, racismo e hierarquias de poder. Discuta como a Sociologia da Educação compreende essas formas de violência invisíveis, e de que maneira elas podem contribuir para a ocorrência do bullying e outras manifestações de violência nas escolas.


3 - A crônica destaca a importância da Lei nº 13.935/2019, mas ressalta que, sem "condições materiais, vínculos duradouros e valorização efetiva", a atuação de psicólogos e assistentes sociais se torna "paliativa". Como a Sociologia do Trabalho e das Profissões analisa a precarização do trabalho desses profissionais e como essa condição afeta a qualidade e o impacto de suas intervenções no ambiente escolar?


4 - O autor enfatiza a necessidade de "coragem institucional para rever a lógica meritocrática, desmontar relações autoritárias e romper com silêncios que perpetuam a injustiça". Como a Sociologia das Organizações e a Sociologia do Conflito podem explicar a resistência das instituições a essas mudanças profundas e qual o papel do diálogo e da escuta na superação desses obstáculos?


5 - A crônica conclui que a escola só se tornará um "refúgio real" quando deixar de ser um "palco de segurança encenada". Analise, sob a ótica da Sociologia da Cidadania e dos Direitos Humanos, o que significa construir uma escola que seja, de fato, um espaço de acolhimento e florescimento, e quais são os desafios para transformar essa visão em realidade no contexto educacional brasileiro.

terça-feira, 3 de junho de 2025

A Lâmina do Desespero ("A violência, qualquer que seja a forma como ela se manifesta, é sempre uma derrota." — Jean-Paul Sartre)

 



A Lâmina do Desespero ("A violência, qualquer que seja a forma como ela se manifesta, é sempre uma derrota." — Jean-Paul Sartre)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Os noticiários, por vezes, são como janelas abertas para o abismo. Na manhã de 3 de junho de 2025, ao folhear as manchetes, uma notícia me paralisou. Não se tratava da violência urbana costumeira, tampouco dos escândalos políticos de sempre. Era algo mais íntimo, mais perturbador: um professor havia esfaqueado o diretor de uma escola no interior do Amazonas. A imagem que me veio à mente parecia tirada de um pesadelo — um pesadelo que ganhava forma nos corredores que deveriam ser templos do saber.

O agressor era Ribamar Alves Ramos, 36 anos, professor de biologia do ensino médio. Segundo a polícia, apresentava "sinais de consumo de drogas" e alegou ter sido vítima de "perseguição" por parte do gestor. A cena, registrada com frieza pelas câmeras de segurança, revelava uma violência crua e inesperada. As aulas já haviam terminado, os corredores estavam silenciosos, e Ribamar, movido por um impulso sombrio, dirigiu-se à cozinha. Mas, não em busca de um lanche, e sim de uma faca. Com ela em mãos, seguiu até a sala da secretaria, onde o diretor se encontrava sozinho.

Consigo quase imaginar o silêncio tenso antes da tragédia. O ranger da porta, o ataque repentino. A faca, transformada de utensílio cotidiano em arma, desferindo golpes seguidos contra o diretor. O desespero da vítima, a luta pela sobrevivência. E então, a intervenção salvadora: pessoas que estavam próximas interromperam o ataque e impediram que a tragédia se consumasse. É estranho como a vida, às vezes, coloca anônimos como guardiões diante do caos.

Ribamar foi preso em flagrante. Sua justificativa — a suposta "perseguição" — soava como o eco de um sofrimento interior que talvez só ele compreendesse. A tentativa de homicídio, seja fruto de desespero, loucura ou ressentimento acumulado, deixou atrás de si um rastro de perguntas sem resposta. A prefeitura e a Secretaria de Educação divulgaram notas formais, informando que o diretor recebeu atendimento médico no Hospital Geral de Manacapuru: suturas, avaliação clínica e, felizmente, alta. Ele está em recuperação. Mas, há dores que não se curam com pontos.

Este episódio vai além de uma notícia criminal. É um golpe direto na ilusão de que a escola é um espaço inviolável de harmonia. Mostra as fissuras de um sistema que negligencia a saúde mental de seus profissionais, ignora conflitos velados e subestima o peso de tensões constantes. A alegada perseguição, real ou não, aponta para um ambiente de trabalho que precisa ser mais humano e menos opressivo.

Enquanto Ribamar aguarda audiência de custódia e o diretor tenta se reerguer, o caso de Manacapuru se impõe como alerta. A escola não está isolada dos dramas sociais. As relações humanas ali dentro são complexas e exigem cuidado. É urgente zelar pelo bem-estar de quem educa e de quem administra, com a mesma seriedade com que se ensina matemática ou história. Que esse ato extremo não apenas traga consequências legais, mas nos obrigue a enxergar os sinais de angústia que muitas vezes ignoramos. Porque, por trás das paredes de uma sala de aula, também habitam silêncios perigosos. E, às vezes, tudo o que alguém precisava era ter sido escutado antes que fosse tarde demais.


https://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2025/06/03/professor-suspeito-de-esfaquear-diretor-em-escola-no-am-disse-a-policia-que-era-perseguido.ghtml (Acessado em 03/06/2025)




Minha crônica é impactante e levanta questões sociais cruciais sobre violência, saúde mental e o ambiente escolar. Como professor de sociologia, prepararei 5 questões discursivas e simples, aprofundando as ideias que abordei.


1 - A crônica descreve a escola, que deveria ser um "templo do saber", como palco de um ato de violência extremo. Como a Sociologia da Educação analisa a escola como um espaço social e quais fatores contemporâneos podem transformá-la de um ambiente seguro para um local de tensões e conflitos?


2 - O professor agressor alegou "perseguição" e apresentava "sinais de consumo de drogas", elementos que podem indicar um sofrimento psíquico. Como a Sociologia da Saúde e a Sociologia do Trabalho compreendem a relação entre o ambiente de trabalho (no caso, a escola), a saúde mental dos profissionais e a manifestação de comportamentos extremos?


3 - O texto sugere que o episódio revela "fissuras de um sistema que negligencia a saúde mental de seus profissionais". Sob a perspectiva da Sociologia das Organizações, como as instituições educacionais podem falhar em identificar e abordar conflitos e tensões internas que, quando ignorados, podem escalar para situações de violência?


4 - A crônica questiona a ilusão de que a escola é um espaço de harmonia, mostrando que "silêncios perigosos" podem habitar suas paredes. Como a Sociologia do Conflito e a Sociologia das Relações Interpessoais analisam a dinâmica de poder e os conflitos latentes dentro das instituições, e qual o papel da comunicação e da mediação na prevenção de atos violentos?


5 - O autor apela para que o caso sirva de "alerta" para a necessidade de "zelar pelo bem-estar de quem educa e de quem administra". De que forma a Sociologia pode contribuir para o desenvolvimento de políticas públicas e práticas institucionais que promovam um ambiente de trabalho mais humano e seguro para os profissionais da educação?

segunda-feira, 2 de junho de 2025

O Ódio Custa Caro ("O preconceito é um parasita da alma que cega a razão e devora o coração." — Augusto Cury)

 


O Ódio Custa Caro ("O preconceito é um parasita da alma que cega a razão e devora o coração." — Augusto Cury)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Naquele junho de 2025, a tela do meu computador estampava uma notícia que, embora não me surpreendesse, ainda assim me causou um nó no estômago. Um professor da rede municipal infantil de São Paulo fora condenado pela Justiça por perseguir um colega de trabalho em razão de sua orientação sexual.

Havia algo de podre no ar daquela escola municipal. Não era o cheiro de giz ou merenda escolar que costuma impregnar os corredores educacionais, mas um odor mais sutil e perturbador: o da intolerância fermentando em silêncio. Como observador privilegiado dessa tragédia cotidiana, pude testemunhar como o veneno da discriminação se infiltrou pelos cantos mais improváveis de um ambiente que deveria ser sagrado.

O protagonista dessa história sombria decidiu transformar sua perseguição em cruzada pessoal. Escudado pelo aparente anonimato da internet, criou um grupo de WhatsApp com os pais dos alunos, onde destilava insinuações venenosas contra o coordenador pedagógico. Ali, protegido pela tela do celular e pela cumplicidade silenciosa de quem não tinha coragem de confrontá-lo, passou a tecer sua narrativa maliciosa, plantando a desconfiança ao insinuar que a vítima pretendia impor uma suposta "ideologia de gênero".

A crueldade atingiu outro patamar quando compartilhou uma foto roubada do Instagram do coordenador, em que ele usava uma peruca rosa, provavelmente em algum momento de descontração. Nas mãos daquele professor, a fotografia se transformou em munição para um massacre moral — era como ver alguém incendiar uma biblioteca usando páginas de poesia.

As palavras lançadas ali germinaram como ervas daninhas, incitando o ódio. Inventou fantasmas onde não existiam, criou demônios onde havia apenas um profissional dedicado tentando fazer seu trabalho. Acusou o coordenador de querer subverter o currículo escolar, de introduzir ideias que assustavam alguns pais. Nada disso era real, mas a realidade é frequentemente menos poderosa que uma mentira bem contada para ouvidos dispostos a acreditar no pior.

O efeito foi imediato: surgiram denúncias falsas contra a vítima na Diretoria de Ensino — exatamente como o agressor desejava. Pais enganados, manipulados por narrativas fantasiosas, exigiam providências contra crimes que existiam apenas na imaginação de um homem que havia feito do preconceito sua religião pessoal.

Enquanto isso, vi o coordenador definhar aos poucos. Suas mãos tremiam durante as reuniões, seu sorriso — antes tão natural — tornou-se forçado e raro. Os outros professores começaram a evitá-lo nos corredores, não por concordarem com as perseguições, mas por medo de se tornarem próximos alvos. O silêncio cúmplice é, muitas vezes, tão destruidor quanto o grito de guerra.

Diante da perseguição contínua, o coordenador decidiu não mais se calar e buscou justiça. A decisão em primeira instância, no entanto, foi um baque: absolvição. O juiz interpretou aquilo como mero "embate ideológico", como se o direito à dignidade humana fosse questão de opinião.

Mas ele não estava sozinho. O Ministério Público recorreu, e o caso seguiu para o Tribunal de Justiça de São Paulo, onde a verdade começou a emergir com mais força. O boletim de ocorrência e os depoimentos colhidos consolidaram a materialidade do crime.

Reinterrogado, o réu tentou negar a homofobia, alegando apenas se opor a uma "agenda". Contudo, o depoimento da vítima soava como um grito silencioso: relatou o medo constante, o afastamento por problemas psiquiátricos causados pela perseguição, e como outros professores da escola temeram por sua integridade física. Uma mãe de aluno confirmou sua versão ao recordar o momento em que ouviu o professor dizer, numa reunião, que era "abertamente preconceituoso quanto à homossexualidade".

Os desembargadores não tiveram dúvidas. As ofensas à dignidade e ao decoro do coordenador, utilizando-se de elementos referentes à sua orientação sexual, eram evidentes. A sentença anterior foi reformada, e a condenação veio finalmente: dois anos e quatro meses de reclusão em regime inicial aberto, além do pagamento de multa.

As palavras do relator, desembargador Nelson Fonseca Júnior, ecoaram como um chamado à razão: não se tratava de mera "polarização ideológica" ou "opinião", mas sim da "aplicação direta da lei penal, que tipifica criminalmente a manifestação de preconceito e discriminação".

Hoje, enquanto escrevo estas linhas, penso no preço que todos pagamos por essa história. O coordenador pagou com sua saúde mental. O professor pagará com sua liberdade restrita e reputação destruída. As crianças daquela escola pagaram com a perda de um ambiente verdadeiramente educativo, onde o respeito deveria ser a primeira lição.

A condenação não soou apenas como justiça feita — foi também um aviso. O ódio custa caro: custa a liberdade, custa a dignidade do outro e pode custar a impunidade. Mas o preço mais alto foi pago por todos nós como sociedade, porque cada vez que permitimos que a intolerância floresça em nossos espaços sagrados, perdemos um pouco de nossa humanidade coletiva.

A lição que fica é amarga, mas necessária: o amor e o respeito não são opcionais — são lei. Que essa decisão sirva de alerta àqueles que, sob o véu de discursos ideológicos ou supostas convicções morais, disseminam preconceito e violência. A intolerância sempre cobra seu preço, e os juros são mais caros do que qualquer um de nós pode pagar.


https://www.conjur.com.br/2025-jun-02/tj-sp-condena-professor-por-perseguir-coordenador-homossexual/ (Acessado em 02/06/2025)




Minha crônica aborda de forma contundente a questão da homofobia no ambiente escolar, expondo como o preconceito pode se manifestar e as consequências devastadoras para a vítima e para a comunidade. Aqui estão 5 questões discursivas simples, baseadas nas ideias principais do texto:


1 - A crônica descreve um ambiente escolar onde a "intolerância fermentava em silêncio". Como a Sociologia analisa a formação e a disseminação do preconceito em instituições como a escola, e quais mecanismos sociais podem contribuir para a normalização ou o enfrentamento da homofobia?


2 - O professor utilizou um grupo de WhatsApp com pais de alunos para disseminar sua narrativa homofóbica. Como a Sociologia da Comunicação e a Sociologia Digital analisam o papel das redes sociais na propagação do discurso de ódio e na mobilização de atitudes discriminatórias?


3 - A decisão em primeira instância considerou o caso um mero "embate ideológico". Como a Sociologia do Direito analisa a judicialização de questões relacionadas à discriminação e aos direitos humanos, e quais os desafios na interpretação e aplicação da lei em casos de homofobia?


4 - A crônica destaca o sofrimento do coordenador e o silêncio de outros professores por medo. Como a Sociologia das Emoções e a Sociologia da Moral analisam o impacto emocional da discriminação nas vítimas e o papel da omissão e da coragem moral diante de atos de preconceito?


5 - A condenação final é vista como um aviso sobre o preço da intolerância. Como a Sociologia analisa o papel da justiça e das sanções legais no combate à homofobia e na promoção de uma cultura de respeito à diversidade sexual?

domingo, 1 de junho de 2025

Entre Balas e Livros: Uma Reflexão Sobre o Valor do Conhecimento ("A educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo." — Nelson Mandela)

 


Entre Balas e Livros: Uma Reflexão Sobre o Valor do Conhecimento ("A educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo." — Nelson Mandela)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Numa tarde qualquer, enquanto navegava pelas redes sociais, deparei-me com dois mundos que não deveriam compartilhar o mesmo tempo, muito menos o mesmo planeta. De um lado, o rosto sereno de uma jovem paquistanesa, iluminado por um sorriso firme; do outro, um garoto brasileiro entediado diante dos livros. Entre ambos, um abismo que me fez repensar tudo o que acreditava sobre educação, privilégio e propósito.

A primeira vez que ouvi o nome de Malala Yousafzai, eu tomava café, distraído, quando o noticiário rasgou a manhã com uma notícia absurda: uma menina de quinze anos fora baleada no rosto simplesmente por querer ir à escola. Enquanto eu me irritava com o trânsito rumo à universidade, ela lutava pela vida em um hospital inglês, ferida por homens que viam mais perigo nos livros do que nas próprias armas.

Nunca esqueci aquela cena que imaginei: o ônibus escolar atravessando as estradas poeirentas do vale do Swat, risos de meninas preenchendo o espaço até que passos pesados subissem os degraus metálicos. "Quem é Malala?" A pergunta cortou o ar como lâmina. Não houve tempo para medo ou resposta — apenas um disparo seco, capaz de transformar uma estudante anônima na voz mais poderosa da educação mundial.

Enquanto Malala emergia de um coma, com uma bala alojada próxima ao cérebro, em alguma sala de aula brasileira, um adolescente perguntava: "Professor, para que eu preciso saber quem é Aristóteles?" A coincidência entre essas duas cenas, tão distantes e ao mesmo tempo tão próximas, não me saiu mais da cabeça. Ela quase morreu para aprender. Ele não via sentido em aprender nada.

Passei dias remoendo esse contraste. Como pode, no mesmo planeta, uma jovem arriscar a vida por uma aula enquanto outra considera a filosofia inútil? Como entender que, aos dezessete anos, Malala discursava ao mundo no palco do Nobel da Paz, enquanto uma geração inteira questiona o valor de estudar?

Desde então, meus olhos sobre os alunos mudaram. Vejo-os manusear os celulares com a mesma habilidade com que Malala, escondida, folheava seus livros. Mas enquanto ela buscava respostas, eles evitam as perguntas. Ela encontrava propósito nas palavras proibidas; eles se afogam num oceano de conteúdos que pouco significam.

Vivemos o paradoxo do tempo: nunca foi tão fácil acessar o conhecimento, e nunca pareceu tão difícil despertar interesse por ele. Malala sangrou por uma chance de aprender — hoje, oferecemos essa chance de bandeja, mas ela é recebida com indiferença.

Aristóteles dizia que a felicidade é uma atividade — viver segundo a nossa natureza mais elevada. Talvez seja isso que nos falta: entender que estudar não é apenas acumular dados, mas buscar um sentido, um lugar no mundo. É transformar conhecimento em consciência, aprendizado em ação.

Quando vejo Malala discursando na ONU, com o mesmo sorriso que um tiro não conseguiu apagar, compreendo: ela não se tornou heroína naquele dia. Ela já era. Desde o instante em que, em segredo, abriu um livro. Desde o momento em que ousou perguntar por que as meninas não podiam aprender. A bala apenas revelou ao mundo uma verdade que ela já conhecia: que o conhecimento vale mais do que a própria vida.

E quando me deparo com o jovem do meme questionando Aristóteles, não sinto raiva — apenas uma tristeza profunda. Penso em quantas meninas, mundo afora, dariam tudo para ter o que ele despreza. Quantas Malalas existem hoje, ainda em silêncio, lutando por uma oportunidade que aqui é negligenciada.

A diferença entre eles não está na inteligência, mas no propósito. Malala encontrou nas palavras uma razão para viver. O menino ainda não entendeu que os livros podem oferecer uma razão para existir.

Talvez o drama do nosso tempo não seja a ignorância, mas a indiferença. Não é a falta de acesso ao saber, mas a ausência de fome por ele.

E eu, entre essas duas realidades, fico a pensar: o que diríamos a Malala se ela soubesse que, em outra parte do mundo, jovens com tudo aquilo que ela quase morreu para ter consideram o conhecimento irrelevante? Como reagiria ao saber que suas cicatrizes são vistas por alguns como exagero?

Imagino que ela sorriria — aquele mesmo sorriso que a bala não calou — e diria que não lutou apenas por si, mas por todos nós. Inclusive por aqueles que ainda não descobriram o valor daquilo pelo qual ela quase morreu: a liberdade de aprender, de questionar, de crescer.

Porque, no fim das contas, Aristóteles serve exatamente para isso: para lembrar que ser humano é nunca cessar de perguntar, nunca parar de buscar, nunca desistir de crescer. Mesmo que, às vezes, esse caminho nos leve a encarar uma bala no rosto.


           

Minha crônica estabelece um contraste pungente entre a luta pela educação em contextos de opressão e a apatia em ambientes de privilégio, levantando questões importantes sobre propósito, valor do conhecimento e as desigualdades globais. Aqui estão 5 questões discursivas simples, baseadas nas ideias principais do texto:


1 - A crônica contrasta a experiência de Malala Yousafzai, que arriscou a vida pela educação, com a de um estudante brasileiro que questiona a relevância de aprender sobre Aristóteles. Como a Sociologia da Educação analisa as diferentes valorações da educação em diversos contextos sociais e culturais, e quais fatores podem influenciar a percepção do valor do conhecimento pelos jovens?


2 - O autor reflete sobre o "abismo" entre esses dois mundos em relação a privilégio e propósito. Como a Sociologia das Desigualdades examina as disparidades no acesso e na valorização da educação em escala global, e de que maneira o contexto socioeconômico e político molda as oportunidades e as motivações dos estudantes?


3 - A crônica menciona o paradoxo de viver em uma época com fácil acesso ao conhecimento, mas com dificuldade em despertar o interesse por ele. Como a Sociologia da Cultura e a Sociologia da Juventude analisam o impacto da cultura digital e das redes sociais no engajamento dos jovens com o aprendizado e na construção de seus propósitos?


4 - O autor cita Aristóteles sobre a felicidade como uma atividade ligada à nossa natureza mais elevada, sugerindo que o estudo pode ser um caminho para encontrar sentido. Como a Sociologia analisa a relação entre educação, desenvolvimento pessoal e a busca por significado na vida, e qual o papel da escola na promoção dessa busca?


5 - A crônica termina com uma reflexão sobre a indiferença como um drama do nosso tempo, em contraste com a "fome" por conhecimento de Malala. Como a Sociologia pode nos ajudar a compreender as atitudes de apatia e engajamento em relação à educação, e quais estratégias poderiam ser utilizadas para despertar nos jovens a valorização do aprendizado como um direito e uma ferramenta de transformação?

O Teatro do Absurdo Digital ("O que é a lei? Uma teia de aranha através da qual as grandes moscas passam e as pequenas ficam presas." — Honoré de Balzac)

 



O Teatro do Absurdo Digital ("O que é a lei? Uma teia de aranha através da qual as grandes moscas passam e as pequenas ficam presas." — Honoré de Balzac)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Nos últimos meses, assisti a uma das peças mais surreais do teatro educacional brasileiro: a encenação da chamada "Lei do Celular". Como espectador privilegiado dos bastidores escolares, testemunhei não apenas o fracasso anunciado de mais uma medida autoritária, mas também a hipocrisia coletiva que cerca nossa relação com a tecnologia na educação.

Janeiro trouxe a grande novidade legislativa: celulares banidos das escolas. Políticos sorriram para as câmeras, gestores educacionais aplaudiram a “revolução”, e eu me preparei para assistir ao espetáculo da ingenuidade institucional em ação. Não demorou para que a realidade desmentisse o otimismo oficial.

Nos corredores da escola, deparei-me com cenas ao mesmo tempo cômicas e patéticas. Estudantes desenvolveram uma engenhosidade digna de agentes secretos: celulares escondidos em estojos, dentro de livros com páginas recortadas, ou presos à barriga com fita adesiva. A criatividade para burlar a lei superava, com folga, o empenho demonstrado nas aulas.

Marina, de dezesseis anos, riu da minha cara quando perguntei se havia parado de usar o celular na escola. "Tio, vocês adultos acham que a gente é idiota? A gente só ficou mais esperto." E estava certa. Os números não mentem: 63% dos alunos continuam levando os aparelhos diariamente. Mais da metade os utiliza durante as aulas. A lei tornou-se letra morta antes mesmo de completar seis meses.

O que mais me revolta não é a desobediência juvenil — essa, ao menos, carrega a honestidade da rebeldia declarada. É a postura dos adultos que sustenta essa farsa. Professores fingem não ver os alunos mexendo no celular porque sabem que não há estrutura para fazer a norma valer. Gestores divulgam a medida sem oferecer alternativas viáveis. Políticos criam regras sem ouvir quem vive a realidade escolar.

Professor João, colega de profissão, desabafou: "Querem que eu seja policial de celular agora. Já não basta ser professor, psicólogo e assistente social. Agora tenho que ser também guarda penitenciário digital." A amargura em sua voz traduz o sentimento de uma categoria já sobrecarregada e desvalorizada.

O absurdo se agrava quando descobrimos que apenas 4% das escolas possuem armários adequados para guardar os aparelhos. É como proibir carros nas ruas sem oferecer estacionamentos. A falta de planejamento transforma educadores em antagonistas e estudantes em criminosos digitais.

Conversei com Pedro, do terceiro ano, que resumiu a ironia da situação: "Professor, a escola diz que celular atrapalha o aprendizado, mas usa WhatsApp pra mandar recado pros pais e tablet nas aulas de inglês. É tecnologia boa e tecnologia ruim?" A pergunta, feita com a sinceridade juvenil, expôs a contradição central da nossa hipocrisia educacional.

Outro dado constrangedor: 44% dos estudantes desconhecem totalmente as novas regras ou sabem pouco sobre elas. Como cobrar o cumprimento de uma lei que sequer foi bem comunicada? É governar por decreto, não por diálogo.

Pior ainda: 27% dos professores que receberam informações sobre a mudança não as repassaram aos alunos. A cadeia de irresponsabilidade está completa — do gabinete ministerial ao chão da escola, todos transferem a culpa.

Enquanto isso, questões essenciais seguem ignoradas. Faltam livros, professores recebem salários indignos, escolas desabam — mas o grande problema nacional era o celular do adolescente.

A verdadeira nomofobia — o medo patológico de ficar sem celular — não está nos jovens. Está nos adultos que preferem proibir a educar, que escolhem o autoritarismo em vez do diálogo, que acreditam que problemas complexos se resolvem com soluções simplistas.

Diante desse circo de horrores educacional, cheguei a uma conclusão amarga: a "Lei do Celular" é apenas um sintoma da nossa incapacidade crônica de enfrentar desafios reais. É mais fácil criminalizar o aparelho do que questionar métodos pedagógicos obsoletos. Mais cômodo culpar a tecnologia do que investir na formação docente.

No fim, o que presenciei não foi a implantação de uma política educacional, mas a encenação de uma peça no teatro do absurdo. E o mais trágico é que, nessa farsa, os únicos que saem perdendo são justamente aqueles que deveríamos proteger: nossos estudantes e nossos professores. Mas isso, aparentemente, é só um detalhe no grande espetáculo da demagogia educacional brasileira.


https://g1.globo.com/educacao/noticia/2025/05/27/mesmo-com-proibicao-maioria-dos-estudantes-do-ensino-medio-segue-levando-celular-para-a-escola-e-admite-uso-em-sala-de-aula.ghtml (Acessado em 01/06/2025)



Minha crônica oferece uma análise crítica contundente sobre a implementação da "Lei do Celular" nas escolas, expondo a distância entre a norma e a prática, além de levantar questões sobre a hipocrisia e as prioridades no sistema educacional. Aqui estão 5 questões discursivas simples, baseadas nas ideias principais do texto:


1 - A crônica descreve a "Lei do Celular" como um "fracasso anunciado" e um exemplo de "ingenuidade institucional". Como a Sociologia analisa a eficácia das leis e normas sociais, e quais fatores podem explicar o descompasso entre a legislação e o comportamento dos indivíduos no contexto escolar em relação ao uso de celulares?


2 - O autor destaca a "engenhosidade" dos estudantes em burlar a lei e a omissão dos professores diante do uso de celulares em sala de aula. Sob a perspectiva da Sociologia da Educação e da Sociologia do Desvio, discuta as dinâmicas de resistência e adaptação que emergem quando normas são percebidas como inadequadas ou inaplicáveis pela comunidade escolar.


3 - A crônica critica a postura dos adultos (políticos, gestores) que impõem a lei sem considerar a realidade das escolas e sem oferecer alternativas. Como a Sociologia Política e a Sociologia das Políticas Públicas analisam o processo de formulação e implementação de políticas educacionais, e quais os impactos da falta de diálogo e da imposição de cima para baixo?


4 - O professor João expressa a sobrecarga da função docente ao ser cobrado a atuar como "policial de celular". Como a Sociologia do Trabalho analisa a expansão das responsabilidades e a desvalorização da profissão docente, e de que maneira a imposição de novas tarefas sem o suporte adequado afeta o bem-estar e a qualidade do trabalho dos professores?


5 - A crônica aponta a contradição da própria escola ao utilizar tecnologia para comunicação e ensino, ao mesmo tempo em que proíbe o uso pelos alunos. Como a Sociologia da Tecnologia analisa a ambivalência da tecnologia na sociedade e na educação, e quais critérios poderiam ser utilizados para diferenciar o uso "bom" do "ruim" de celulares no ambiente escolar?