Eu escolhi minha parceira pela estrutura óssea — firme, bela, proporcional. É uma preferência que, embora pareça estranha, tem sua lógica: quando a carne macia se oferece aos lobos famintos, ainda me restarão ossos de qualidade, bem dispostos e resistentes. Afinal, se não se come os ossos, pelo menos se rói. Assim, aprendi a lidar com as ironias da vida conjugal com o humor de quem sabe rir de si mesmo. Ser traído, neste contexto, não é apenas derrota, mas um retrato honesto da imperfeição humana — uma curiosa forma de fidelidade a si, ainda que à custa de alguma humilhação.
Todo “corno” que se preza é criterioso e discreto. Ele cuida bem da esposa, sobretudo na frente dos amigos, pois o orgulho ferido também sabe se disfarçar com elegância. Viver essa condição é um espetáculo silencioso: o homem sorri, conversa e segue o ritual da boa aparência, enquanto equilibra sobre a cabeça uma coroa invisível — a “cabeça florida”, que faz sombra sobre todos. No fundo, há uma sabedoria escondida nessa resignação: o traído aprende a rir da própria dor e a transformar o vexame em filosofia de vida.
Se a “cornalidade” é o prêmio de quem ama demais, o traidor sexual, talvez, não passe de um tolo que confunde prazer com glória. Entre ser o traído ou o traidor, há quem prefira o primeiro — este, ao menos, não precisa sustentar a culpa de enganar. Afinal, é difícil encontrar alguém que permaneça conosco em todas as circunstâncias: “na rua, na chuva, na fazenda ou numa casinha de sapé”. Melhor, então, é saborear o "filé mignon" com os amigos do que roer ossos em solidão. Como disse o professor Osmar Fernandes: “Todo boi sonso, quando mostra seus chifres, fere de morte” — uma sentença que traduz a força oculta do homem que, mesmo ferido, preserva a própria dignidade.
No fim, o verdadeiro "corno" não é apenas o traído, mas quem vive envenenado pela posse e pela desconfiança. A infidelidade da carne é apenas reflexo da fragilidade humana, e quem entende isso se liberta do rancor.
Urubus não desaparecem eliminando-se uns aos outros — só se afastam quando não há mais carniça. Assim também é o amor: enquanto houver o odor da sedução e da vaidade, haverá sempre quem queira partilhar o que não lhe pertence. A sabedoria está em se afastar da podridão, preservar o que é sólido — e, no fim das contas, reconhecer que, sob a pele do "corno platônico", talvez habite apenas um homem que aprendeu a rir da vida e a respeitar suas leis naturais.
-/-/-/-/-/-/-/-/-/-/-/-/-/-/-/-/
Como professor de Sociologia, vejo neste texto uma análise rica e cínica sobre a instituição do casamento, a possessividade e a gestão do estigma social na vida contemporânea. Abaixo estão 5 questões discursivas, simples e objetivas, formuladas para alunos do Ensino Médio, com foco nos temas sociológicos e na filosofia social abordados em meu texto:
1. Desempenho Social e Estigma
O texto descreve que o homem traído ("corno") age com "disfarce", "cuidado" e mantém a "boa aparência" na frente dos amigos. Usando a teoria de Erving Goffman (Dramaturgia), explique como o indivíduo tenta gerenciar o estigma social da traição por meio de um "espetáculo silencioso" na vida cotidiana, separando a "fachada" pública da realidade privada.
2. A Escolha Cínica e a Crítica à Instituição
O autor ironiza a escolha da parceira pela "estrutura óssea" (solidez/resistência) em vez da "carne macia" (fragilidade/prazer), aceitando a infidelidade como "imperfeição humana". Analise como essa visão cínica critica o ideal romântico do casamento moderno e discuta como o texto propõe que o realismo (aceitação da imperfeição) é uma forma de resistência contra as expectativas sociais inatingíveis.
3. Possessividade e a Liberação do Rancor
O texto distingue o "verdadeiro corno" como aquele que vive "envenenado pela posse e pela desconfiança". Analise a crítica à possessividade nas relações. De que forma o abandono da visão do parceiro como propriedade (rejeição à posse) é proposto como um caminho para a libertação do rancor e para a aceitação da "fragilidade humana" que é a infidelidade?
4. O Medo da Solidão e a Qualidade dos Vínculos
Diante da dificuldade de manter um parceiro fiel em todas as circunstâncias, o texto sugere que "é melhor mal acompanhar a estar só". Discuta como o medo da solidão (um fenômeno comum na sociedade individualizada) influencia as escolhas dos indivíduos, levando-os a manter vínculos sociais imperfeitos (como a "cornalidade" resignada) em vez de enfrentar o isolamento.
5. Metáfora da Carniça e Crítica à Vaidade
A metáfora dos urubus e da "carniça" critica o fato de que a infidelidade se mantém enquanto houver o "odor da sedução e da vaidade". Explique como a vaidade excessiva (a "carniça") no relacionamento funciona como um convite para a intrusão externa e o desrespeito. Como a "sabedoria" mencionada no final é um apelo à humildade e à essência, em oposição à superficialidade que atrai os "urubus"?