Redação ou Gramática: TÓPICO DE PORTUGUÊS? ("Uma famosa tática do Diabo é dividir para conquistar." (Pr. Ronildo Santos)
Era uma manhã cinzenta de segunda-feira quando, ao entrar na sala dos professores, deparei com mais uma planilha enviada pela secretaria da educação. Não era uma qualquer: vinha repleta de quadros coloridos e siglas misteriosas, anunciando não um avanço, mas uma nova etapa naquilo que me parece ser a arte de esquartejar o saber. Língua Portuguesa, antes um corpo uno, aparecia fatiada em partes que, até então, formavam um todo inseparável — "Gramática", "Redação", "Oralidade", além de uma profusão de tópicos soltos, como se o vasto território do conhecimento pudesse ser domesticado e encaixado em caixinhas estanques.
Olhei para aquela planilha e um arrepio me percorreu a espinha. O que foi que leram, ou deixaram de ler, esses técnicos que, nos gabinetes da secretaria, decidem os rumos da nossa prática? A fragmentação ali exposta parecia menos uma inovação pedagógica e mais uma estratégia fria de poder. E, inevitavelmente, a sabedoria ancestral ecoou em minha mente, na sentença lúcida de Leonardo da Vinci: “Assim como todo o reino dividido é desfeito, toda a inteligência dividida em diversos estudos se confunde e enfraquece.” A frase, distante no tempo, soava absurdamente atual, quase um lamento que, pensei, ecoava pelos corredores silenciosos de tantas escolas Brasil afora.
Ao longo dos meus anos como professor, testemunhei de perto como essa fragmentação imposta de cima para baixo pode transformar colegas em adversários velados. Já vi professores de Redação torcerem o nariz para os de Gramática, como se disputassem um território sagrado, como se a vírgula fosse inimiga da ideia que a precede, como se a linguagem pudesse florescer sem forma, ou a forma, existir sem o conteúdo que a habita. Uma guerra fria sutil, mas corrosiva, se instala nas salas dos professores, onde o que deveria ser parceria e complementaridade se transforma, paradoxalmente, em concorrência, tudo isso em nome de uma suposta "pedagogia" fragmentada.
Mas será que reside mesmo alguma lógica pedagógica genuína por trás dessa cisão contínua? Ou será, como o cinismo dos anos me ensinou a suspeitar, apenas uma forma eficaz de manter o sistema inchado e funcional para suas próprias engrenagens burocráticas? Quando se cria uma disciplina para cada fragmento minúsculo do conhecimento, multiplicam-se cargos, multiplicam-se especializações cada vez mais estreitas, multiplicam-se planejamentos, reuniões e relatórios — e, com isso, justificam-se empregos, mesmo que à custa da coesão do saber e da clareza para o aluno. Um sacerdócio que, em sua essência, deveria ser dedicado integralmente à formação humana em sua plenitude, torna-se, aos poucos, apenas mais um cargo a ser protegido burocraticamente, uma fatia de um bolo cada vez mais dividido. E assim, ironicamente, o analfabetismo, esse fantasma que já deveria ter sido exorcizado do nosso país há muito, resiste em mutações sucessivas, como se alguém, em algum lugar, tivesse um interesse obscuro na sua permanência, na "criação de voltas" que retroalimentam o próprio sistema.
É nesse cenário de retalhamento que surgem aberrações curriculares com nomenclaturas tão vazias quanto confusas: “Tópico de Língua Portuguesa”, “Tópico de Educação Física”. Termos que, em sua aparente modernidade, apenas diluem o conhecimento em fragmentos desconectados, dificultando ainda mais para o estudante — e para o próprio professor — a visão do todo, a compreensão das conexões entre as áreas do saber. O estudante, diante dessas divisões artificiais, perde o fio da meada, e o professor, reduzido a especialista de uma parte da parte, já não consegue dialogar plenamente com o restante da linguagem, com o restante do currículo, com o restante da vida do aluno.
Essa lógica implacável da divisão, da fragmentação, me remete a uma estratégia ancestral, cruel e eficaz, consagrada em tempos de guerra e dominação: o “dividir para conquistar” — o "divide et impera" que, segundo se conta, Júlio César já utilizava nas Gálias, promovendo alianças com tribos rivais para enfraquecer o inimigo comum e manter o controle. O princípio é simples: fracionar grandes blocos de força — sejam eles povos, exércitos ou áreas do saber — para impedir sua coesão, sua capacidade de organização e reação conjunta. Em política e sociologia, isso se traduz no controle de grupos que, separados e especializados em fatias cada vez menores, perdem a visão do todo e, com ela, a capacidade de contestar ou propor uma alternativa unificada. Na educação, temo que o mesmo princípio esteja operando silenciosamente, por vezes de forma não intencional, outras nem tanto: fragmenta-se o conhecimento em tópicos e especialidades, fragiliza-se o pensamento crítico que surge da conexão entre saberes, e o controle — o controle sobre o processo, sobre a avaliação, sobre o próprio futuro — permanece, não se sabe bem com quem, mas certamente longe das mãos de quem aprende e de quem ensina na linha de frente. Nesse contexto de confusão e retalhamento, a escola, em vez de formar indivíduos íntegros e capazes de ligar os pontos, dispersa saberes. Em vez de integrar experiências e conhecimentos, compartimenta vidas em caixinhas curriculares. E diante dessa Babel pedagógica, onde ninguém parece saber ao certo qual é sua função primordial — nem o aluno, nem o professor, nem a família que tenta acompanhar —, não é de se estranhar que movimentos como o homeschooling ganhem força, expressando, talvez em sua radicalidade, uma profunda desconfiança de que a escola, em seu formato atual, já não cumpre seu papel essencial com a clareza e a integralidade necessárias.
Ao final daquela segunda-feira, recolhi meus papéis da mesa, desliguei o ventilador barulhento da sala dos professores e fui embora, com uma pergunta martelando insistentemente na cabeça: que futuro estamos, de fato, construindo quando separamos o que, na vida real, só faz sentido quando unido? A inteligência, a verdadeira compreensão do mundo, não se fortalece quando esquartejada em fragmentos desconexos. Ela floresce no encontro entre as áreas do saber, na conexão entre a teoria e a prática, na totalidade de uma mente que vê o mundo como um organismo vivo e interdependente.
Se quisermos reinventar a escola — e a urgência me diz que precisamos, e muito —, que essa reinvenção comece por unir o que arbitrariamente separaram. Que se inspire na sabedoria de ouvir quem vive o dia a dia entre a lousa e o coração dos alunos. Que a caneta que escreve os currículos se inspire na sabedoria que integra, que conecta, que busca a totalidade, não na estratégia fria que divide para fragilizar. Porque só haverá transformação verdadeira na educação, só haverá um salto qualitativo em nosso desenvolvimento, quando o saber for tratado como um organismo vivo, indivisível, pulsante de significado. E talvez aí, enfim, possamos começar a escrever um novo capítulo em nossa história — um onde o analfabetismo seja apenas uma memória distante nos livros de história, e não um fantasma reciclado e mantido vivo em cada nova geração por um sistema que se beneficia do caos.
Como seu professor de Sociologia, estive pensando profundamente sobre as estruturas e dinâmicas sociais que moldam (ou fragmentam) o ambiente escolar e o próprio conhecimento. Então preparei 5 questões discursivas simples para explorarmos esses pontos:
1. O texto critica a divisão do ensino em partes ("Gramática", "Redação", "Tópicos") como uma forma de "esquartejar o saber". Sob a perspectiva da Sociologia da Educação, como a organização e a divisão do conhecimento no currículo escolar podem refletir ou influenciar a forma como a sociedade entende e valoriza diferentes tipos de saber?
2. A crônica sugere que a fragmentação curricular pode estar ligada à "arte de dividir para enfraquecer" e a interesses burocráticos ou de poder. Como a Sociologia analisa as relações de poder dentro das instituições (como a secretaria de educação e a escola) e de que forma essas relações podem impactar as decisões sobre o que e como se ensina?
3. O narrador observa que a fragmentação transforma professores em "adversários" em vez de parceiros. De que maneira a estrutura e a organização do trabalho em equipe ou por áreas dentro de uma instituição podem afetar as relações sociais e a colaboração entre os profissionais?
4. O texto menciona a persistência do analfabetismo e levanta a hipótese de que o próprio "sistema" pode, de alguma forma, perpetuar problemas sociais. Como a Sociologia estuda a complexidade dos sistemas sociais e por que a resolução de certos problemas sociais pode ser desafiadora, mesmo com o aparente investimento e organização?
5. A crônica usa a metáfora da "Babel pedagógica" e questiona como construir um futuro unindo o que foi separado. Como a Sociologia vê a importância da coesão social e da integração de diferentes saberes e perspectivas para o desenvolvimento de indivíduos e para a própria sociedade?
Era uma manhã cinzenta de segunda-feira quando, ao entrar na sala dos professores, deparei com mais uma planilha enviada pela secretaria da educação. Não era uma qualquer: vinha repleta de quadros coloridos e siglas misteriosas, anunciando não um avanço, mas uma nova etapa naquilo que me parece ser a arte de esquartejar o saber. Língua Portuguesa, antes um corpo uno, aparecia fatiada em partes que, até então, formavam um todo inseparável — "Gramática", "Redação", "Oralidade", além de uma profusão de tópicos soltos, como se o vasto território do conhecimento pudesse ser domesticado e encaixado em caixinhas estanques.
Olhei para aquela planilha e um arrepio me percorreu a espinha. O que foi que leram, ou deixaram de ler, esses técnicos que, nos gabinetes da secretaria, decidem os rumos da nossa prática? A fragmentação ali exposta parecia menos uma inovação pedagógica e mais uma estratégia fria de poder. E, inevitavelmente, a sabedoria ancestral ecoou em minha mente, na sentença lúcida de Leonardo da Vinci: “Assim como todo o reino dividido é desfeito, toda a inteligência dividida em diversos estudos se confunde e enfraquece.” A frase, distante no tempo, soava absurdamente atual, quase um lamento que, pensei, ecoava pelos corredores silenciosos de tantas escolas Brasil afora.
Ao longo dos meus anos como professor, testemunhei de perto como essa fragmentação imposta de cima para baixo pode transformar colegas em adversários velados. Já vi professores de Redação torcerem o nariz para os de Gramática, como se disputassem um território sagrado, como se a vírgula fosse inimiga da ideia que a precede, como se a linguagem pudesse florescer sem forma, ou a forma, existir sem o conteúdo que a habita. Uma guerra fria sutil, mas corrosiva, se instala nas salas dos professores, onde o que deveria ser parceria e complementaridade se transforma, paradoxalmente, em concorrência, tudo isso em nome de uma suposta "pedagogia" fragmentada.
Mas será que reside mesmo alguma lógica pedagógica genuína por trás dessa cisão contínua? Ou será, como o cinismo dos anos me ensinou a suspeitar, apenas uma forma eficaz de manter o sistema inchado e funcional para suas próprias engrenagens burocráticas? Quando se cria uma disciplina para cada fragmento minúsculo do conhecimento, multiplicam-se cargos, multiplicam-se especializações cada vez mais estreitas, multiplicam-se planejamentos, reuniões e relatórios — e, com isso, justificam-se empregos, mesmo que à custa da coesão do saber e da clareza para o aluno. Um sacerdócio que, em sua essência, deveria ser dedicado integralmente à formação humana em sua plenitude, torna-se, aos poucos, apenas mais um cargo a ser protegido burocraticamente, uma fatia de um bolo cada vez mais dividido. E assim, ironicamente, o analfabetismo, esse fantasma que já deveria ter sido exorcizado do nosso país há muito, resiste em mutações sucessivas, como se alguém, em algum lugar, tivesse um interesse obscuro na sua permanência, na "criação de voltas" que retroalimentam o próprio sistema.
É nesse cenário de retalhamento que surgem aberrações curriculares com nomenclaturas tão vazias quanto confusas: “Tópico de Língua Portuguesa”, “Tópico de Educação Física”. Termos que, em sua aparente modernidade, apenas diluem o conhecimento em fragmentos desconectados, dificultando ainda mais para o estudante — e para o próprio professor — a visão do todo, a compreensão das conexões entre as áreas do saber. O estudante, diante dessas divisões artificiais, perde o fio da meada, e o professor, reduzido a especialista de uma parte da parte, já não consegue dialogar plenamente com o restante da linguagem, com o restante do currículo, com o restante da vida do aluno.
Essa lógica implacável da divisão, da fragmentação, me remete a uma estratégia ancestral, cruel e eficaz, consagrada em tempos de guerra e dominação: o “dividir para conquistar” — o "divide et impera" que, segundo se conta, Júlio César já utilizava nas Gálias, promovendo alianças com tribos rivais para enfraquecer o inimigo comum e manter o controle. O princípio é simples: fracionar grandes blocos de força — sejam eles povos, exércitos ou áreas do saber — para impedir sua coesão, sua capacidade de organização e reação conjunta. Em política e sociologia, isso se traduz no controle de grupos que, separados e especializados em fatias cada vez menores, perdem a visão do todo e, com ela, a capacidade de contestar ou propor uma alternativa unificada. Na educação, temo que o mesmo princípio esteja operando silenciosamente, por vezes de forma não intencional, outras nem tanto: fragmenta-se o conhecimento em tópicos e especialidades, fragiliza-se o pensamento crítico que surge da conexão entre saberes, e o controle — o controle sobre o processo, sobre a avaliação, sobre o próprio futuro — permanece, não se sabe bem com quem, mas certamente longe das mãos de quem aprende e de quem ensina na linha de frente. Nesse contexto de confusão e retalhamento, a escola, em vez de formar indivíduos íntegros e capazes de ligar os pontos, dispersa saberes. Em vez de integrar experiências e conhecimentos, compartimenta vidas em caixinhas curriculares. E diante dessa Babel pedagógica, onde ninguém parece saber ao certo qual é sua função primordial — nem o aluno, nem o professor, nem a família que tenta acompanhar —, não é de se estranhar que movimentos como o homeschooling ganhem força, expressando, talvez em sua radicalidade, uma profunda desconfiança de que a escola, em seu formato atual, já não cumpre seu papel essencial com a clareza e a integralidade necessárias.
Ao final daquela segunda-feira, recolhi meus papéis da mesa, desliguei o ventilador barulhento da sala dos professores e fui embora, com uma pergunta martelando insistentemente na cabeça: que futuro estamos, de fato, construindo quando separamos o que, na vida real, só faz sentido quando unido? A inteligência, a verdadeira compreensão do mundo, não se fortalece quando esquartejada em fragmentos desconexos. Ela floresce no encontro entre as áreas do saber, na conexão entre a teoria e a prática, na totalidade de uma mente que vê o mundo como um organismo vivo e interdependente.
Se quisermos reinventar a escola — e a urgência me diz que precisamos, e muito —, que essa reinvenção comece por unir o que arbitrariamente separaram. Que se inspire na sabedoria de ouvir quem vive o dia a dia entre a lousa e o coração dos alunos. Que a caneta que escreve os currículos se inspire na sabedoria que integra, que conecta, que busca a totalidade, não na estratégia fria que divide para fragilizar. Porque só haverá transformação verdadeira na educação, só haverá um salto qualitativo em nosso desenvolvimento, quando o saber for tratado como um organismo vivo, indivisível, pulsante de significado. E talvez aí, enfim, possamos começar a escrever um novo capítulo em nossa história — um onde o analfabetismo seja apenas uma memória distante nos livros de história, e não um fantasma reciclado e mantido vivo em cada nova geração por um sistema que se beneficia do caos.
Como seu professor de Sociologia, estive pensando profundamente sobre as estruturas e dinâmicas sociais que moldam (ou fragmentam) o ambiente escolar e o próprio conhecimento. Então preparei 5 questões discursivas simples para explorarmos esses pontos:
1. O texto critica a divisão do ensino em partes ("Gramática", "Redação", "Tópicos") como uma forma de "esquartejar o saber". Sob a perspectiva da Sociologia da Educação, como a organização e a divisão do conhecimento no currículo escolar podem refletir ou influenciar a forma como a sociedade entende e valoriza diferentes tipos de saber?
2. A crônica sugere que a fragmentação curricular pode estar ligada à "arte de dividir para enfraquecer" e a interesses burocráticos ou de poder. Como a Sociologia analisa as relações de poder dentro das instituições (como a secretaria de educação e a escola) e de que forma essas relações podem impactar as decisões sobre o que e como se ensina?
3. O narrador observa que a fragmentação transforma professores em "adversários" em vez de parceiros. De que maneira a estrutura e a organização do trabalho em equipe ou por áreas dentro de uma instituição podem afetar as relações sociais e a colaboração entre os profissionais?
4. O texto menciona a persistência do analfabetismo e levanta a hipótese de que o próprio "sistema" pode, de alguma forma, perpetuar problemas sociais. Como a Sociologia estuda a complexidade dos sistemas sociais e por que a resolução de certos problemas sociais pode ser desafiadora, mesmo com o aparente investimento e organização?
5. A crônica usa a metáfora da "Babel pedagógica" e questiona como construir um futuro unindo o que foi separado. Como a Sociologia vê a importância da coesão social e da integração de diferentes saberes e perspectivas para o desenvolvimento de indivíduos e para a própria sociedade?