ENTRE CONSELHOS E INQUIETAÇÕES ("O casamento é como enfiar a mão num saco de serpentes na esperança de apanhar uma enguia." — Leonardo da Vinci)
Há dias em que a vida não espera você acordar para começar a cobrar sentido. E sábado, esse velho trapaceiro de promessas, sempre se apresenta como um convite ao descanso, mas mal sabe ele que carrego nas costas semanas inteiras de cansaço mal digerido. Às vezes, o sábado não é alívio; é interrogação.
Naquela manhã, o sol ainda bocejava, e meu celular já se remexia feito criança ansiosa por colo. Uma mensagem chegou antes mesmo que eu conseguisse calçar os chinelos. Era uma mulher — dessas que mal conhecem a gente, mas enxergam consolo no tom das nossas palavras. Procurava ajuda. Não técnica, nem jurídica — era da alma que ela falava. A vida conjugal estava em colapso e, por algum motivo indecifrável, eu era a tábua flutuando no naufrágio dela.
Sorri de canto, não por desdém, mas por reconhecimento. Ah, quantas vezes fui também o náufrago à procura de tábuas! Engraçado como, com o tempo, trocamos de lugar sem perceber: deixamos de nos afogar para ajudar a remar barcos furados dos outros. Ou fingimos saber remar.
Enquanto pensava em como responder, sentei-me na varanda e deixei o vento da manhã me lembrar quem sou. Tantos amigos me convidando para festas, encontros e programações coloridas — todas com aquela alegria embalada a vácuo, pronta para consumo rápido. Mas não. Nunca fui bom em multidões. Já participei de tantos sorrisos de ocasião que hoje, só de pensar, me dá coceira na alma.
Voltei à mensagem. A angústia dela pingava entre as palavras. O marido estava distante, ela aflita. E eu ali, com o celular na mão e o coração em dúvida. Até onde vai o papel de quem ouve? O quanto de si se pode entregar sem que alguém confunda empatia com obrigação? Há fronteiras invisíveis nas relações humanas que, quando rompidas, nos cobram caro — às vezes em silêncio, às vezes com gritos.
Enquanto buscava palavras que não doem, me dei conta de que talvez, o que ela mais precisasse fosse alguém que a escutasse sem julgamentos. Não conselhos. Apenas presença. E isso, sim, eu podia dar. Escrevi algo breve, humano, sem soluções milagrosas. E enviei.
Na sequência, a casa ficou em silêncio. O café esfriava na xícara, e meus pensamentos fervilhavam. Lembrei-me de tantas outras histórias que vieram até mim do nada — pessoas que veem em você uma espécie de farol, sem saber que você também se perde no nevoeiro de vez em quando.
O sábado passou arrastado, como se testasse minha paciência. Nenhum evento, nenhuma epifania. Apenas essa constatação inquieta: vivemos cercados de gente que clama por compreensão, enquanto nós mesmos tateamos por algum sentido. Às vezes, tudo o que nos resta é oferecer a escuta e manter o coração em paz.
Naquela noite, já deitado, pensei em como é tênue a linha entre consolar e ser consumido. Entre ajudar e adoecer. A vida, nesse ponto, é um pouco como andar sobre corda bamba: exige equilíbrio, sim, mas principalmente atenção para não se tornar personagem de uma história que não é sua.
E assim, como quem fecha um livro antes do fim, adormeci com a sensação de que viver é também saber dizer “não sei”. Que às vezes, não ter todas as respostas é a maior demonstração de sabedoria.
Duas questões discursivas sobre o texto:
Como a experiência de oferecer conselhos pode ser desafiadora e quais são os limites da nossa capacidade de ajudar os outros?
De que forma a sociedade molda nossas percepções sobre relacionamentos, sexualidade e a busca por felicidade?
Há dias em que a vida não espera você acordar para começar a cobrar sentido. E sábado, esse velho trapaceiro de promessas, sempre se apresenta como um convite ao descanso, mas mal sabe ele que carrego nas costas semanas inteiras de cansaço mal digerido. Às vezes, o sábado não é alívio; é interrogação.
Naquela manhã, o sol ainda bocejava, e meu celular já se remexia feito criança ansiosa por colo. Uma mensagem chegou antes mesmo que eu conseguisse calçar os chinelos. Era uma mulher — dessas que mal conhecem a gente, mas enxergam consolo no tom das nossas palavras. Procurava ajuda. Não técnica, nem jurídica — era da alma que ela falava. A vida conjugal estava em colapso e, por algum motivo indecifrável, eu era a tábua flutuando no naufrágio dela.
Sorri de canto, não por desdém, mas por reconhecimento. Ah, quantas vezes fui também o náufrago à procura de tábuas! Engraçado como, com o tempo, trocamos de lugar sem perceber: deixamos de nos afogar para ajudar a remar barcos furados dos outros. Ou fingimos saber remar.
Enquanto pensava em como responder, sentei-me na varanda e deixei o vento da manhã me lembrar quem sou. Tantos amigos me convidando para festas, encontros e programações coloridas — todas com aquela alegria embalada a vácuo, pronta para consumo rápido. Mas não. Nunca fui bom em multidões. Já participei de tantos sorrisos de ocasião que hoje, só de pensar, me dá coceira na alma.
Voltei à mensagem. A angústia dela pingava entre as palavras. O marido estava distante, ela aflita. E eu ali, com o celular na mão e o coração em dúvida. Até onde vai o papel de quem ouve? O quanto de si se pode entregar sem que alguém confunda empatia com obrigação? Há fronteiras invisíveis nas relações humanas que, quando rompidas, nos cobram caro — às vezes em silêncio, às vezes com gritos.
Enquanto buscava palavras que não doem, me dei conta de que talvez, o que ela mais precisasse fosse alguém que a escutasse sem julgamentos. Não conselhos. Apenas presença. E isso, sim, eu podia dar. Escrevi algo breve, humano, sem soluções milagrosas. E enviei.
Na sequência, a casa ficou em silêncio. O café esfriava na xícara, e meus pensamentos fervilhavam. Lembrei-me de tantas outras histórias que vieram até mim do nada — pessoas que veem em você uma espécie de farol, sem saber que você também se perde no nevoeiro de vez em quando.
O sábado passou arrastado, como se testasse minha paciência. Nenhum evento, nenhuma epifania. Apenas essa constatação inquieta: vivemos cercados de gente que clama por compreensão, enquanto nós mesmos tateamos por algum sentido. Às vezes, tudo o que nos resta é oferecer a escuta e manter o coração em paz.
Naquela noite, já deitado, pensei em como é tênue a linha entre consolar e ser consumido. Entre ajudar e adoecer. A vida, nesse ponto, é um pouco como andar sobre corda bamba: exige equilíbrio, sim, mas principalmente atenção para não se tornar personagem de uma história que não é sua.
E assim, como quem fecha um livro antes do fim, adormeci com a sensação de que viver é também saber dizer “não sei”. Que às vezes, não ter todas as respostas é a maior demonstração de sabedoria.
Duas questões discursivas sobre o texto:
Como a experiência de oferecer conselhos pode ser desafiadora e quais são os limites da nossa capacidade de ajudar os outros?
De que forma a sociedade molda nossas percepções sobre relacionamentos, sexualidade e a busca por felicidade?
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