"Se você tem uma missão Deus escreve na vocação"— Luiz Gasparetto

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MINHAS PÉROLAS

segunda-feira, 11 de julho de 2022

POPULARIDADE REVERSA ("A cada bela impressão que causamos, conquistamos um inimigo. Para ser popular é indispensável ser medíocre." — Oscar Wilde)

 


POPULARIDADE REVERSA ("A cada bela impressão que causamos, conquistamos um inimigo. Para ser popular é indispensável ser medíocre." — Oscar Wilde)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Ah, o sucesso! Essa miragem que tantos perseguem como se fosse um prêmio reservado apenas aos poucos capazes de lidar com a fama. E eu, operário da vida, professor do cotidiano, me pergunto: será que estou fadado a ser apenas trabalhador? Essa dúvida me assombra. E você, já se questionou da mesma forma?

Junho chegou com o cheiro de fogueira, as cores das bandeirinhas e a promessa alegre das festas juninas — um convite aos sonhos. No entanto, o dia 3 começou atravessado. Vesti minha calça xadrez, símbolo de uma tradição que me comove e de uma rebeldia que me define, e fui à parada cívica em homenagem ao aniversário de Senador Canedo, minha cidade. No meio do povo, entre alunos, colegas e conhecidos, busquei a simplicidade do convívio. Era “professor pra cá, professor pra lá”, alguns me chamando, outros acenando ou apenas meneando a cabeça — um respeito silencioso a quem, mesmo sem fama, deixa marcas.

Naquele instante, minha vida profissional parecia pulsar com um entusiasmo quase onírico. Mas a beleza se desfez na rigidez da burocracia. Cheguei atrasado, a coordenadora já havia partido, e meu ponto foi cortado nos documentos da escola. A frustração me invadiu. Pensei nas alianças que tantos vangloriam, mesmo quando contradizem o que é justo e ético. Seria preciso abrir o coração à resiliência ou, talvez, fechar os olhos às pequenas injustiças? Há quem diga que, quanto mais nos aproximamos das pessoas certas — e quanto mais afrouxamos nossos princípios —, maiores são as chances de destaque. Mas essa lógica é um abismo que chama outro.

O restante do dia seguiu tenso. Ainda assim, mantive a calma. Meu celular, sempre ligado, vibrava sem cessar. Uma mensagem vazia aqui, outra ali, e eu, com minha estranha generosidade, respondia a todas. Como se esse ruído constante significasse algum progresso. Às vezes me iludo, achando que tudo isso faz parte da busca pela felicidade. Talvez seja ingenuidade. Talvez seja só o lado bom da minha tolice.

Hoje, com mais distância e reflexão, entendo que o verdadeiro sucesso não está no aplauso, na fama ou no ponto registrado no controle trabalhista. Está na capacidade de seguir em frente, mesmo quando o entusiasmo se esvai e a rotina pesa. Reconhecimento não deveria custar nossos princípios. A vida é um emaranhado de expectativas e realidades, e manter-se íntegro já é, por si só, um grande feito. O medo de ser “só trabalhador” talvez nunca desapareça. Mas, se há algo que aprendi, é que o valor do que fazemos está menos na visibilidade e mais na honestidade dos nossos passos. Afinal, a paixão silenciosa com que nos entregamos ao ofício diz mais sobre nós do que qualquer fama barulhenta.



Minha crônica é uma reflexão profunda sobre o sucesso, o trabalho e os dilemas éticos no ambiente profissional, especialmente no contexto educacional. Ela aborda a dicotomia entre o reconhecimento formal e o valor intrínseco do trabalho, além de tocar em questões de burocracia e pressões sociais. Como professor de sociologia, preparei 5 questões discursivas e simples para aprofundar essas ideias:


1 - A crônica inicia com a pergunta: "Será que estou fadado a ser apenas trabalhador?" e questiona a ideia de sucesso atrelado à fama, em vez do esforço no trabalho. Como a Sociologia do Trabalho analisa a construção social do "sucesso" na sociedade contemporânea e de que forma essa concepção pode gerar angústia e insatisfação nos indivíduos que não se encaixam nesse padrão?


2 - O autor descreve o corte de seu ponto por atraso como um exemplo da "rigidez da burocracia" que desfaz o "entusiasmo" profissional. Como a Sociologia das Organizações compreende o impacto da burocracia excessiva nas relações de trabalho e na motivação dos profissionais, especialmente em instituições como a escola?


3 - A crônica levanta a discussão sobre as "alianças" e o "afrouxar os princípios" em busca de destaque, comparando essa lógica a um "abismo que chama outro". Discuta, sob a ótica da Sociologia da Moral e da Ética, os dilemas enfrentados pelos indivíduos em ambientes competitivos e as pressões sociais que podem levar à relativização de valores em busca de reconhecimento.


4 - O texto menciona a interação com o smartphone e as "mensagens vazias" como parte de uma "busca pela felicidade" que pode ser "ingenuidade" ou "tolice". Como a Sociologia da Comunicação e das Relações Sociais analisa o papel das mídias digitais na vida cotidiana e a forma como a constante conectividade pode influenciar a percepção de produtividade, felicidade e realização pessoal?


5 - Ao final, o autor reflete que o "verdadeiro sucesso não está no aplauso, na fama ou no ponto registrado no controle trabalhista", mas na "capacidade de seguir em frente" e na "honestidade dos nossos passos". Como a Sociologia da Vida Cotidiana pode interpretar essa busca por um sentido mais autêntico do trabalho e da existência, em contraposição aos valores materialistas e superficiais que muitas vezes são impostos pela sociedade?

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sábado, 18 de junho de 2022

O Prazer de Ser Pó ("A pena de morte põe fim a pena da vida." — Carlos EDUARDO Balcarse)

 


O Prazer de Ser Pó ("A pena de morte põe fim a pena da vida." — Carlos EDUARDO Balcarse)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Com o tempo, a gente aprende a cair. Não por vontade própria, mas por imposição da vida — essa mestra bruta que ensina arrastando, sem dar explicações. Aos sessenta e cinco, já me vi muitas vezes no chão: de joelhos, de bruços, em silêncio ou aos gritos. Mas nunca em vão.

Dizem que Deus derruba o homem para ensiná-lo a levantar. Não sei. Talvez Ele apenas observe, enquanto outros se apressam para estender a mão e parecer virtuosos. O levantar, quando acontece, não é gesto de fé. É puro instinto de sobrevivência. A alma, mesmo machucada, não aceita permanecer prostrada por muito tempo. Levanta porque precisa, porque o chão é frio demais para abrigar dignidade.

Foi nesse processo de repetidas quedas e levantamentos que compreendi: não há glória alguma em agradecer por gestos obrigatórios. Há quem se orgulhe por cumprir o mínimo, como se fossem enviados celestiais em missão de salvação. Mas, como diz o Evangelho, são apenas servos inúteis, fazendo o que lhes foi ordenado. E nós, os que caem, ainda temos que aplaudir.

Durante anos, aceitei esse teatro. Engoli minha sede de reconhecimento como quem traga uma sopa insossa, servida com arrogância. Chamam de humildade; eu prefiro chamar de resignação forçada. Só que a alma, quando amassa, também fermenta. E foi no silêncio das minhas pausas que comecei a entender que talvez haja uma beleza secreta no desgaste.

Descobri que a morte não é inimiga. É parceira silenciosa da vida, caminham lado a lado desde o nosso primeiro suspiro. Cada prazer carrega um lembrete da finitude. Cada alegria, um convite à despedida. Quanto maior o risco, mais intensa é a sensação — talvez porque o prazer seja, em sua essência, um ensaio do fim.

Hoje, suporto com gosto o desgaste. Porque sei que esse moer-se constante serve a algo maior. Talvez adube a terra onde outro nascerá. Talvez alimente um verso que sobreviva a mim. Talvez marque o chão por onde alguém ainda vai passar, tropeçar, cair — e lembrar que alguém já caiu ali antes, e levantou.

Não há poesia vazia quando se diz que a morte é essencial. É pura constatação. Tudo o que vive caminha para o fim. E tudo o que parte, de alguma forma, retorna. Transforma-se. Resiste. Persiste. Quem vive morre. Quem morre vive. O medo da morte — esse sim — é o motor da vida. E só teme o fim quem ainda não entendeu o prazer de tornar-se pó.

A hora determinada por Deus talvez seja justamente essa: o instante em que razão e fé se cruzam sem se reconhecer. Nesse ponto de interrogação entre o que se entende e o que se crê, a morte se revela não como castigo, mas como prazer supremo. Porque é nela que tudo se dissolve para florescer de novo. A morte é o momento em que o corpo se despede, mas a essência permanece — e volta, não como foi, mas como deve ser.

Como bem escreveu Shakespeare: "Ó doçura da vida: agonizar a toda a hora sob a pena da morte, em vez de morrer de um só golpe." Viver, no fim das contas, é isso — agonizar poeticamente, enquanto a morte ensaia seus passos em silêncio.

Assim sigo. Um passo após o outro, ciente de que a queda virá, hoje ou amanhã. Mas que, quando chegar, não quero lágrimas nem palmas. Quero apenas um silêncio digno — como quem entende, enfim, que viver foi o breve intervalo entre dois sopros. E que ser pó, no fim, é um privilégio.




Minha crônica oferece uma reflexão profunda sobre a vida, a queda, a resiliência e a inevitabilidade da morte, com uma perspectiva bastante particular sobre a dignidade e o significado desses processos. Aqui estão 5 questões discursivas simples, baseadas nas ideias principais do texto:


1 - O autor descreve a queda como uma imposição da vida e o levantar como um instinto de sobrevivência, questionando a interpretação religiosa desse processo. Como a Sociologia analisa as experiências de adversidade e resiliência nos indivíduos, e de que maneira o contexto social e cultural influencia a interpretação dessas experiências?


2 - A crônica critica a vanglória de quem ajuda, contrastando com a ideia de que são apenas "servos inúteis" cumprindo seu dever. Como a Sociologia das Emoções e a Sociologia Moral analisam os sentimentos e as motivações por trás dos atos de ajuda, e qual a importância do reconhecimento e da reciprocidade nas relações sociais?


3 - O autor encontra uma "beleza secreta no desgaste" e vê a morte como uma "parceira silenciosa da vida". Como a Sociologia da Morte e do Luto aborda as diferentes percepções culturais sobre a morte e o morrer, e de que maneira a sociedade moderna lida com a finitude da vida?


4 - A crônica menciona a ideia de que "quem vive morre. Quem morre vive", conectando a morte à transformação e persistência. Como a Sociologia analisa os processos de transformação social e individual, e de que forma a ideia de legado e continuidade se relaciona com a percepção da morte?


5 - O autor cita Shakespeare para ilustrar a "doçura da vida" mesmo sob a pena da morte. Como a Sociologia da Cultura examina a representação da vida e da morte na literatura e em outras formas de arte, e o que essas representações revelam sobre os valores e as crenças de uma sociedade?

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terça-feira, 7 de junho de 2022

Educação: reprovada’, um artigo de Lya Luft

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  • Educação: reprovada’, um artigo de Lya Luft
  • TEXTO PUBLICADO NA REVISTA VEJA DESTA SEMANA Lya Luft Há quem diga que sou otimista demais. Há quem diga que sou pessimista. Talvez eu tente apenas ser uma pessoa observadora habitante deste planeta, deste país. Uma colunista com temas repetidos, ah, sim, os que me impactam mais, os que me preocupam mais, às vezes os […]
  • Por Augusto Nunes Atualizado em 31 jul 2020, 10h47 - Publicado em 13 set 2011, 19h32
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  • Lya Luft
  • Há quem diga que sou otimista demais. Há quem diga que sou pessimista. Talvez eu tente apenas ser uma pessoa observadora habitante deste planeta, deste país. Uma colunista com temas repetidos, ah, sim, os que me impactam mais, os que me preocupam mais, às vezes os que me encantam particularmente. Uma das grandes preocupações de qualquer ser pensante por aqui é a educação. Fala-se muito, grita-se muito, escreve-se, haja teorias e reclamações. Ação? Muito pouca, que eu perceba. Os males foram-se acumulando de tal jeito que é difícil reorganizar o caos.
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  • Há coisa de trinta anos, eu ainda professora universitária, recebíamos as primeiras levas de alunos saídos de escolas enfraquecidas pelas providências negativas: tiraram um ano de estudo da meninada, tiraram latim, tiraram francês, foram tirando a seriedade, o trabalho: era a moda do “aprender brincando”. Nada de esforço, punição nem pensar, portanto recompensas perderam o sentido. Contaram-me recentemente que em muitas escolas não se deve mais falar em “reprovação, reprovado”, pois isso pode traumatizar o aluno, marcá-lo desfavoravelmente. Então, por que estudar, por que lutar, por que tentar?
  • De todos os modos facilitamos a vida dos estudantes, deixando-os cada vez mais despreparados para a vida e o mercado de trabalho. Empresas reclamam da dificuldade de encontrar mão de obra qualificada, médicos e advogados quase não sabem escrever, alunos de universidades têm problemas para articular o pensamento, para argumentar, para escrever o que pensam. São, de certa forma, analfabetos. Aliás, o analfabetismo devasta este país. Não é alfabetizado quem sabe assinar o nome, mas quem o sabe assinar embaixo de um texto que leu e entendeu. Portanto, a porcentagem de alfabetizados é incrivelmente baixa.
  • Agora sai na imprensa um relatório alarmante. Metade das crianças brasileiras na terceira série do elementar não sabe ler nem escrever. Não entende para o que serve a pontuação num texto. Não sabe ler horas e minutos num relógio, não sabe que centímetro é uma medida de comprimento. Quase a metade dos mais adiantados escreve mal, lê mal, quase 60% têm dificuldades graves com números. Grande contingente de jovens chega às universidades sem saber redigir um texto simples, pois não sabem pensar, muito menos expressar-se por escrito. Parafraseando um especialista, estamos produzindo estudantes analfabetos.
  • Naturalmente, a boa ou razoável escolarização é muito maior em escolas particulares: professores menos mal pagos, instalações melhores, algum livro na biblioteca, crianças mais bem alimentadas e saudáveis – pois o estado não cumpre o seu papel de garantir a todo cidadão (especialmente a criança) a necessária condição de saúde, moradia e alimentação.
  • Faxinar a miséria, louvável desejo da nossa presidenta, é essencial para nossa dignidade. Faxinar a ignorância – que é uma outra forma de miséria – exigiria que nos orçamentos da União e dos estados a educação, como a saúde, tivesse uma posição privilegiada. Não há dinheiro, dizem. Mas políticos aumentam seus salários de maneira vergonhosa, a coisa pública gasta nem se sabe direito onde, enquanto preparamos gerações de ignorantes, criados sem limites, nada lhes é exigido, devem aprender brincando. Não lhes impuseram a mais elementar disciplina, como se não soubéssemos que escola, família, a vida sobretudo, se constroem em parte de erro e acerto, e esforço. Mas, se não podemos reprovar os alunos, se não temos mesas e cadeiras confortáveis e teto sólido sobre nossa cabeça nas salas de aula, como exigir aplicação, esforço, disciplina e limites, para o natural crescimento de cada um?
  • Cansei de falas grandiloquentes sobre educação, enquanto não se faz quase nada. Falar já gastou, já cansou, já desiludiu, já perdeu a graça. Precisamos de atos e fatos, orçamentos em que educação e saúde (para poder ir a escola, prestar atenção, estudar, render e crescer) tenham um peso considerável: fora isso, não haverá solução. A educação brasileira continuará, como agora, escandalosamente reprovada.

sábado, 4 de junho de 2022

A BELEZA E A INCLUSÃO SOCIAL ("Devem-se escolher os amigos pela beleza, os conhecidos pelo caráter e os inimigos pela inteligência." — Oscar Wilde)

 


A BELEZA E A INCLUSÃO SOCIAL ("Devem-se escolher os amigos pela beleza, os conhecidos pelo caráter e os inimigos pela inteligência." — Oscar Wilde)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

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sábado, 28 de maio de 2022

Redação ou Gramática: TÓPICO DE PORTUGUÊS? ("Uma famosa tática do Diabo é dividir para conquistar." (Pr. Ronildo Santos)

 


Redação ou Gramática: TÓPICO DE PORTUGUÊS? ("Uma famosa tática do Diabo é dividir para conquistar." (Pr. Ronildo Santos)

Era uma manhã cinzenta de segunda-feira quando, ao entrar na sala dos professores, deparei com mais uma planilha enviada pela secretaria da educação. Não era uma qualquer: vinha repleta de quadros coloridos e siglas misteriosas, anunciando não um avanço, mas uma nova etapa naquilo que me parece ser a arte de esquartejar o saber. Língua Portuguesa, antes um corpo uno, aparecia fatiada em partes que, até então, formavam um todo inseparável — "Gramática", "Redação", "Oralidade", além de uma profusão de tópicos soltos, como se o vasto território do conhecimento pudesse ser domesticado e encaixado em caixinhas estanques.

Olhei para aquela planilha e um arrepio me percorreu a espinha. O que foi que leram, ou deixaram de ler, esses técnicos que, nos gabinetes da secretaria, decidem os rumos da nossa prática? A fragmentação ali exposta parecia menos uma inovação pedagógica e mais uma estratégia fria de poder. E, inevitavelmente, a sabedoria ancestral ecoou em minha mente, na sentença lúcida de Leonardo da Vinci: “Assim como todo o reino dividido é desfeito, toda a inteligência dividida em diversos estudos se confunde e enfraquece.” A frase, distante no tempo, soava absurdamente atual, quase um lamento que, pensei, ecoava pelos corredores silenciosos de tantas escolas Brasil afora.

Ao longo dos meus anos como professor, testemunhei de perto como essa fragmentação imposta de cima para baixo pode transformar colegas em adversários velados. Já vi professores de Redação torcerem o nariz para os de Gramática, como se disputassem um território sagrado, como se a vírgula fosse inimiga da ideia que a precede, como se a linguagem pudesse florescer sem forma, ou a forma, existir sem o conteúdo que a habita. Uma guerra fria sutil, mas corrosiva, se instala nas salas dos professores, onde o que deveria ser parceria e complementaridade se transforma, paradoxalmente, em concorrência, tudo isso em nome de uma suposta "pedagogia" fragmentada.

Mas será que reside mesmo alguma lógica pedagógica genuína por trás dessa cisão contínua? Ou será, como o cinismo dos anos me ensinou a suspeitar, apenas uma forma eficaz de manter o sistema inchado e funcional para suas próprias engrenagens burocráticas? Quando se cria uma disciplina para cada fragmento minúsculo do conhecimento, multiplicam-se cargos, multiplicam-se especializações cada vez mais estreitas, multiplicam-se planejamentos, reuniões e relatórios — e, com isso, justificam-se empregos, mesmo que à custa da coesão do saber e da clareza para o aluno. Um sacerdócio que, em sua essência, deveria ser dedicado integralmente à formação humana em sua plenitude, torna-se, aos poucos, apenas mais um cargo a ser protegido burocraticamente, uma fatia de um bolo cada vez mais dividido. E assim, ironicamente, o analfabetismo, esse fantasma que já deveria ter sido exorcizado do nosso país há muito, resiste em mutações sucessivas, como se alguém, em algum lugar, tivesse um interesse obscuro na sua permanência, na "criação de voltas" que retroalimentam o próprio sistema.

É nesse cenário de retalhamento que surgem aberrações curriculares com nomenclaturas tão vazias quanto confusas: “Tópico de Língua Portuguesa”, “Tópico de Educação Física”. Termos que, em sua aparente modernidade, apenas diluem o conhecimento em fragmentos desconectados, dificultando ainda mais para o estudante — e para o próprio professor — a visão do todo, a compreensão das conexões entre as áreas do saber. O estudante, diante dessas divisões artificiais, perde o fio da meada, e o professor, reduzido a especialista de uma parte da parte, já não consegue dialogar plenamente com o restante da linguagem, com o restante do currículo, com o restante da vida do aluno.

Essa lógica implacável da divisão, da fragmentação, me remete a uma estratégia ancestral, cruel e eficaz, consagrada em tempos de guerra e dominação: o “dividir para conquistar” — o "divide et impera" que, segundo se conta, Júlio César já utilizava nas Gálias, promovendo alianças com tribos rivais para enfraquecer o inimigo comum e manter o controle. O princípio é simples: fracionar grandes blocos de força — sejam eles povos, exércitos ou áreas do saber — para impedir sua coesão, sua capacidade de organização e reação conjunta. Em política e sociologia, isso se traduz no controle de grupos que, separados e especializados em fatias cada vez menores, perdem a visão do todo e, com ela, a capacidade de contestar ou propor uma alternativa unificada. Na educação, temo que o mesmo princípio esteja operando silenciosamente, por vezes de forma não intencional, outras nem tanto: fragmenta-se o conhecimento em tópicos e especialidades, fragiliza-se o pensamento crítico que surge da conexão entre saberes, e o controle — o controle sobre o processo, sobre a avaliação, sobre o próprio futuro — permanece, não se sabe bem com quem, mas certamente longe das mãos de quem aprende e de quem ensina na linha de frente. Nesse contexto de confusão e retalhamento, a escola, em vez de formar indivíduos íntegros e capazes de ligar os pontos, dispersa saberes. Em vez de integrar experiências e conhecimentos, compartimenta vidas em caixinhas curriculares. E diante dessa Babel pedagógica, onde ninguém parece saber ao certo qual é sua função primordial — nem o aluno, nem o professor, nem a família que tenta acompanhar —, não é de se estranhar que movimentos como o homeschooling ganhem força, expressando, talvez em sua radicalidade, uma profunda desconfiança de que a escola, em seu formato atual, já não cumpre seu papel essencial com a clareza e a integralidade necessárias.

Ao final daquela segunda-feira, recolhi meus papéis da mesa, desliguei o ventilador barulhento da sala dos professores e fui embora, com uma pergunta martelando insistentemente na cabeça: que futuro estamos, de fato, construindo quando separamos o que, na vida real, só faz sentido quando unido? A inteligência, a verdadeira compreensão do mundo, não se fortalece quando esquartejada em fragmentos desconexos. Ela floresce no encontro entre as áreas do saber, na conexão entre a teoria e a prática, na totalidade de uma mente que vê o mundo como um organismo vivo e interdependente.

Se quisermos reinventar a escola — e a urgência me diz que precisamos, e muito —, que essa reinvenção comece por unir o que arbitrariamente separaram. Que se inspire na sabedoria de ouvir quem vive o dia a dia entre a lousa e o coração dos alunos. Que a caneta que escreve os currículos se inspire na sabedoria que integra, que conecta, que busca a totalidade, não na estratégia fria que divide para fragilizar. Porque só haverá transformação verdadeira na educação, só haverá um salto qualitativo em nosso desenvolvimento, quando o saber for tratado como um organismo vivo, indivisível, pulsante de significado. E talvez aí, enfim, possamos começar a escrever um novo capítulo em nossa história — um onde o analfabetismo seja apenas uma memória distante nos livros de história, e não um fantasma reciclado e mantido vivo em cada nova geração por um sistema que se beneficia do caos.



Como seu professor de Sociologia, estive pensando profundamente sobre as estruturas e dinâmicas sociais que moldam (ou fragmentam) o ambiente escolar e o próprio conhecimento. Então preparei 5 questões discursivas simples para explorarmos esses pontos:


1. O texto critica a divisão do ensino em partes ("Gramática", "Redação", "Tópicos") como uma forma de "esquartejar o saber". Sob a perspectiva da Sociologia da Educação, como a organização e a divisão do conhecimento no currículo escolar podem refletir ou influenciar a forma como a sociedade entende e valoriza diferentes tipos de saber?

2. A crônica sugere que a fragmentação curricular pode estar ligada à "arte de dividir para enfraquecer" e a interesses burocráticos ou de poder. Como a Sociologia analisa as relações de poder dentro das instituições (como a secretaria de educação e a escola) e de que forma essas relações podem impactar as decisões sobre o que e como se ensina?

3. O narrador observa que a fragmentação transforma professores em "adversários" em vez de parceiros. De que maneira a estrutura e a organização do trabalho em equipe ou por áreas dentro de uma instituição podem afetar as relações sociais e a colaboração entre os profissionais?

4. O texto menciona a persistência do analfabetismo e levanta a hipótese de que o próprio "sistema" pode, de alguma forma, perpetuar problemas sociais. Como a Sociologia estuda a complexidade dos sistemas sociais e por que a resolução de certos problemas sociais pode ser desafiadora, mesmo com o aparente investimento e organização?

5. A crônica usa a metáfora da "Babel pedagógica" e questiona como construir um futuro unindo o que foi separado. Como a Sociologia vê a importância da coesão social e da integração de diferentes saberes e perspectivas para o desenvolvimento de indivíduos e para a própria sociedade?

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sábado, 21 de maio de 2022

COLEÇÃO 78 ("Uma coletânea de pensamentos é uma farmácia moral onde se encontram remédios para todos os males." — Voltaire). "Um pensamento, quando é escrito, é menos opressor, embora às vezes se comporte como um tumor maligno: mesmo se extirpado ou arrancado, volta a desenvolver-se, tornando-se pior do que antes." —Vladimir Nabokov


 

COLEÇÃO 78 ("Uma coletânea de pensamentos é uma farmácia moral onde se encontram remédios para todos os males." — Voltaire)

78—1 As leis da escola estão tão desgastadas perante o aluno, que ele não se acanha em se comparar com os professores. E diz: — se o professor pode, eu posso. O aluno não reconhece superioridade, e nem o seu lugar. Ai do professor que levou de casa um lanche especial, terá que se esconder para comê-lo. CiFA

78—2 Pobre aula de filosofia. Em uma dessas, eu afirmava que o dinheiro compra amor e carinho. Aí, um aluno invejoso, para me tirar, disse: “só pode... para achar alguém que fique com senhor, tem de ser por dinheiro mesmo”. Então lhe retruquei com uma pergunta: Pois é, e que razão uma mulher teria para ficar consigo, se você não tem dinheiro, nem beleza, nem saúde e nem inteligência? Só se ela for pior que você! Mulheres inteligentes e promissoras procuram melhoras. E agravando a situação, frequentemente, professores no sistema são reduzidos a analfabetos funcionais, por que não dizer lixos, por alunos ativistas de causas alheias: feministas, LGBT e minorias. Fazendo de qualquer tema um torturante debate, desqualificando a aula. Não falta fanático, contradizendo o mestre! CiFA

78—3 Disse o mendigo: Eu fico na rua porque a rua é minha casa. O outro disse na rua ninguém mora , senão o carro para por cima. Nem eles se entendem. Os médicos também não. Não entendo é por que o cachorro vive cheirando o cu do outro e depois lambe a boca de seu dono como prova de amizade pura. "Os coronavírus são uma categoria importante de vírus porque, quando os vimos pular de animais para humanos, eles causaram muitos problemas, como o SARS e o MERS." Os terraplanistas devem odiar os coronavírus por ter a forma de globo. No mundo, há muitas confusões!

claudeci ferreira de andrade

78—4 Eu à beira do suicídio, desisti, porque achei uma grande razão para viver, só para mim: combater a covid-19. Agora, cada dia, considero-me um único milagre de mim mesmo. O veneno do tédio em meio a solidão me salvou, e viva a quarentena sem remédio. Pensando na páscoa, não seria egoísmo demais ser o único a morrer pelos outros? O sentido da vida é o egoísmo! A humildade é a mais requintada forma de egoísmo, quando o padecente tenta vencer pelo caminho mais difícil. Ajudamos os outros por motivos egoístas, assim a religião é senão uma forma de buscar exaltação e glória pessoal! Autoculto! Autoestima é a exaltação exagerada do ego! É alimentar o desejo de reconhecimento, e até exagerar em expor sua própria importância. O Lúcifer sentiu primeiro. Tenho medo de me perceber deus e não precisar de Deus. Ou ainda de não dar conta da consciência de minha própria identidade e ser um Demônio. "Estou escrevendo porque não sei o que fazer de mim." (Clarice Lispector)— CiFA

78—5 O mundo está estranho, as pessoas estão tão degeneradas que partem para incrementar sua religião com sacrifício humano, canibalismo e orgias. Mas, ainda não chegou ao ponto de aceitar sua destruição como um ato de amor divino. Quando chegarem a esse ponto, então é o momento da destruição final. E Satanás terá de agradecer a Deus pela existência da morte. CiFA

78—6 Depois de 30 anos lecionando na escola cheia de coordenadores, descobri que ainda não sei fazer um plano de aula, não do meu jeito, mas do jeito delas! Como eu queria me sentir confortável, fazendo o que sei! Mas, de tanto me pressionar, entreguei mais um à coordenadora principal, e mais uma vez, voltou crivado de correções e observações redundantes. Mesmo fora da sala, conseguiu me envergonhar. O que diabos é assédio moral? A culpa do caos na educação não é do professor vitimado! CiFA

78—7 Na sala, sem professor, os alunos esperam em silêncio para fazer bagunça na presença dele. Zelam de sua imagem para o sistema, mas não cuidam da imagem deles para quem os avalia. Pois, sabem que os coordenadores corrigem o professor para não perder cliente, como se a escola não fosse necessária. CiFA

78—8 Você não sabe do que é capaz um dono de mulher, até suicidar-se! Quando o amante dela é mais forte, o corno avança para morrer! Só uma mulher macho ou machista suportaria a escravidão do vender-se por nada e ser possuída em nome da convenção. E não tendo como evitar, sofro como trouxa, zelando de minha mulher para os outros se divertirem. Um amigo experiente disse: é melhor ser consumidor que fornecedor. Se isso tem valor no mercado, eu não sei, mas... acho que um não vive ou morre sem o outro. Onde come um, come dois. Tenha Paz!(CiFA

78—9 Empoderamento do assédio: há trinta anos, eu olhava para uma mulher, ela virava a cara com medo de ser assediada; hoje, ela olha para mim, eu viro a cara por medo de ser acusado de assédio. Homem se protege de mulher, e mulher se protege de homem, por causa destas e de outras violências ressonantes do Cabo-de-guerra retesado, Pseudo-igualdade de gênero é que o dia da mulher vai passar em branco. PREFIRO SER INFERIOR A VOCÊ DO QUE SER IGUAL.

Claudeci Ferreira de Andrade

78—10 Escola pública com ar condicionado. Ali com 30 alunos divididos em opinião. Os desforradores dos bens públicos com espírito de compensação por entenderem que pagam imposto. Ligam o aparelho no 12. O professor falando com dificuldade de respirar, mas ai dele se pedir para desligar. Atrairá o ódio e repulsa de muitos deles e a aula ainda será perturbada pelos os que não querem o ar condicionado, fazendo pressão para o professor mandar parar. Como, se o controle eletrônico está na mão do usurpador da liderança? Pois é; porém, colocar os aparelhos de ar condicionado e não usar não tem sentido, né? E o que é mais importante? Assim como o limoeiro da calçada tem que suportar o peso do marmanjo viciado na alegria da gratuidade, tirando o limão ainda verde para ser ele o primeiro beneficiado. E nem se importa com o cachorro dentro do muro espumando de tanto latir, já que também nem se importa com os olhares de reprovação dos transeuntes. Pessoas viciadas no gratuito não sabem votar no melhor candidato São elas que nos dão a liderança corrupta que temos.

Claudeci Ferreira de Andrade

78—11 Eu já prefiro dizer que Deus cuida mais dos pássaros e dos lírios que dos seres humanos! Aqueles são mais obedientes à leis naturais que estes. Já viu pássaro cair do céu? Eu já vi aviões e bombas. Já viu lírios vestirem Jeans rasgados? Eu já vi pessoas pretensas à modernidade, o gado seguidor da mídia alienadora. Será se esta geração internet é mais sábia e abençoada que as anteriores?

Claudeci Ferreira de Andrade

78—12 Na sala de aula, num canto escuro da caverna, alunos acorrentados pelo uniforme, clamando pelo retorno do filósofo para matá-lo.

Claudeci Ferreira de Andrade

78—13 Quem copia e cola textos desvinculados de um autor, isto é, colocando o clichê: autor Desconhecido, é no mínimo um golpista. Destrói o que não pode possuir, nega o que não compreende, insulta o que inveja. Eu nem os leio para não cair na tentação de querer ser receptador do objeto de furto. Eu sempre penso que foi o divulgador de texto de autor desconhecido quem tirou o nome do verdadeiro responsável pelo brilhante texto, para se passar por ele, tentando ganhar mérito às custas do intelecto do outro. Já dizia Friedrich Nietzsche: "Os leitores extraem dos livros, consoante o seu carácter, a exemplo da abelha ou da aranha que, do suco das flores retiram, uma o mel, a outra o seu veneno." Qual autor não quer ser conhecido e reconhecido?

Claudeci Ferreira de Andrade

Kllawdessy Pherreira
Enviado por Kllawdessy Pherreira em 21/02/2020
Reeditado em 21/05/2022
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