"Se você tem uma missão Deus escreve na vocação"— Luiz Gasparetto

" A hipocrisia é a arma dos mercenários." — Alessandro de Oliveira Feitosa

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segunda-feira, 29 de junho de 2009

PAPU(DA) CABEÇA (Lições de ética!?)



PAPU(DA) CABEÇA (Lições de ética!?)

segunda-feira, 29 de junho de 2009
Claudeci Ferreira de Andrade


          Às vezes, sem querer, ouvimos comentários constrangedores. Eles vêm, quase sempre, de quem aplicou alguma desforra em alguém. Para esse ostentador, independente de quantas pessoas estejam ouvindo, é um culto ao seu ego. Em uma dessas circunstâncias, na biblioteca de uma das escolas em que trabalho, ouvi o seguinte diálogo entre duas pedagogas, coordenadoras de duas escolas vizinhas:

          — Menina, você não sabe o que me aconteceu ontem no matutino! Uma turma lá fez bagunça demais, e a diretora, como castigo, me convocou para dar a sexta aula nessa turma. Eu disse não; imagina compartilhar o castigo com eles! Então, ela chamou um professor que passava por ali, exatamente aquele comissionado que não pode perder o emprego. Coitado, os alunos saíram da sala, e ele ficou falando sozinho! Agora pense se isso acontecesse comigo, eu hein!? Mas, eu sou de sorte mesmo, sabe que o próximo sábado é letivo, né?! Como sexta-feira é feriado, Paixão de Cristo, quando a maioria dos professores viajará, então a “Parada Pedagógica” já ficou agendada para o primeeeeeeeiro de abril!

          — Ah, não! Melhor foi a minha de ontem no noturno! Como você sabe, já estava instalada uma pequena desavença entre a diretora e todos os demais professores, uma espécie de resistência à substituição do bom diretor que nós tínhamos. Mas, para completar, sabe aquele tal professor técnico de apoio para disciplina de Língua Portuguesa, lá da Secretaria de Educação? Você conhece a peça! Pois é, dessa vez, ele trouxe uma advertência à gestora, dizendo que depois de três meses de aulas, ainda, tinha uma professora ali que não a conhecia. Como a diretora fazia-se de inocente, negando-se a acreditar; o clima estava ficando morno, prontifiquei-me de imediato a chamar a tal professora para esquentar mais ainda, afinal sou a coordenadora. Não é nem por que não goste dela, mas é que eu não gosto mesmo é dele, porém, antes então, adiantei algumas coisinhas para Rosetear a professora em questão. Quando chegamos, ela já entrou na diretoria possuída pelo Demônio, disse tudo como se desferisse uma rajada de metralhadora. A diretora coitada, amoral, só concordava com os negativos e positivos, não ficou um naquele local sem que não fosse atingido pelos espinhos Letíficos de quem não temia consequência alguma. Você não imagina como ficou o representante da Secretaria de Educação. Senti pena; ele nem sequer levantou a cabeça, estava arrasado, mesmo que quisesse retrucar alguma coisa, não houve jeito, a protagonista não queria ouvir mais nada. Saiu de supetão, assim como entrou, largando todos nós na sala em uma atmosfera de pós-guerra, só destruição. Achei muito bom! Maravilhoso! Esse tipo de pessoa, que se acha melhor que a gente, só porque trabalha na Secretaria e, por isso, quer nos enfiar tudo de “goela a baixo”, merece o pior! Olha, ela fez o que eu sempre quis, porém nunca tive coragem, ou melhor, oportunidade. Agora estou, como se diz, "de alma lavada".

          Lamentei por estar ali, aquele era o local errado e o momento errado. Mas onde seria certo? As coordenadoras queriam-me como público ou, talvez, como uvas no lagar, esmagando-me indiretamente, mas a escola é um lugar público e político, portanto democrático. E em nome dessa democracia, digo que por sermos apenas colegas é que não guardei seus segredos.

Encaminhamento de percepção

 1-Na primeira locução, que atitude foi mais ética: da diretora que determinou o castigo para os alunos com a sexta aula, ou da professora coordenadora que se recusou ir para a sala de aula, ou do professor que não impôs autoridade sobre a turma, cumprindo a ordem da direção? Justifique.
 2-Todo bom profissional defende sua categoria, mesmo considerando algumas falhas. Nesse sentido, o que está incoerente no texto?
 3-Se você estivesse no lugar do narrador personagem, que atitude tomaria como bom profissional? Por quê?
 4-Que lições de ética podemos aprender com esses personagens? Comente.
 5- Existe uma distinção no texto entre profissionais “apenas colegas” e profissionais "amigos". Até que ponto devemos ser leais a este ou aquele que trabalha conosco?
Claudeko
Publicado no Recanto das Letras em 08/07/2009
Código do texto: T1688191

Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons. Você pode copiar, distribuir, exibir, executar, desde que seja dado crédito ao autor original (Autoria de Claudeci Ferreira de Andrade,http://claudeko-claudeko.blogspot.com). Você não pode fazer uso comercial desta obra. Você não pode criar obras derivadas.

O SISTEMA DA MARIA (Se a Maria não vai com as outras, o sistema não anda)










O SISTEMA DA MARIA (Se a Maria não vai com as outras, o sistema não anda)

por Claudeci Ferreira de Andrade
  
Conhecemos a palavra grega Paidagwgos da qual veio, em transliteração aceitável, a nossa palavra Pedagogo. Essa no original é formada por duas outras palavras pais (Criança) e agwgos (Conducente). No sentido etimológico dessa palavra, o antigo pedagogo era um escravo incumbido de conduzir as crianças à escola.

  Não faz muito tempo assim, surgiu o novo papel do pedagogo: aquela pessoa da equipe escolar que responde pela operacionalização da proposta pedagógica da escola, pelo acompanhamento e orientação do trabalho desenvolvido pelos professores, pela qualidade do processo de ensino e pelo sucesso da aprendizagem dos alunos. Mas, a Maria prefere não ir com as outras. Ela é efetiva e com Licenciatura em Pedagogia; prefere orientar os seus professores de Matemática, Línguas e Ciências Biológicas por velhas metodologias. Ela tem experiência de muitos anos no magistério e prefere não se atualizar. Maria é reconhecida na comunidade escolar como uma profissional comprometida com o sucesso da escola, mas prefere emperrar os projetos, substituindo-os pela improvisação. Ela tem liderança expressa na capacidade de interagir com os vários segmentos da escola, mas prefere se valer disso para articular fofocas, mediante um processo marcado pela desconfiança. Ela revela capacidade de motivar os outros profissionais da escola, de modo a formar neles o gosto pelo estudo, pela troca de experiência e pela discussão coletiva, mas prefere lhes entregar os velhos livros didáticos e dizer: — se vire. Maria é autoconfiante, mas prefere demonstrar vaidade, presunção e arrogância. Ela tem domínio do conhecimento pedagógico e dos processos de investigação que possibilitam o aperfeiçoamento da aprendizagem, mas prefere não se envolver com cursos de capacitação e novas tecnologias. A última que ela aprontou, contou-me a própria professora da Educação de Jovens e Adultos, para a disciplina de ciências. — Proibiu-nos de passar qualquer filme para nossos alunos, pois “ela já não aguentava mais enrolação”; então usou seu respaldo profissional e tomou essa decisão. Só porque eu havia passado “O auto da Compadecida”, e um aluno pediu para sair, pois precisava chegar em casa mais cedo, ela interpretou isso como motivador de evasão, e eu: professora do ócio. O que você acha?

  Bem, o que eu acho é muito particular, mas penso que este é um caso de crise de identidade profissional, de fácil resolução. O tempo encarregar-se-á disso, assim como um adolescente torna-se adulto automaticamente. Porque a Maria também é do Sistema.

Encaminhamento de percepção

 1-Ao perfilar a coordenadora pedagógica Maria que atributos consideraria ideais?
 2-Em que circunstâncias, usar o vídeo em sala de aula pode prejudicar a aprendizagem?
 3-Que motivos teria um coordenador pedagógico para agir dessa forma?
 4-Cursos de capacitação e aperfeiçoamento em novas tecnologias possibilitam a qualidade do ensino? Por que Maria não se submetia a isso?
 5-A busca de identidade por um adolescente o leva a muitas aventuras, com essa analogia o narrador pretende uma escola aventureira? Em que sentido?
 6-A Maria é do sistema, ou é o sistema da Maria, ou a Maria é o próprio sistema?
Claudeko
Publicado no Recanto das Letras em 07/07/2009
Código do texto: T1686437


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BONÉ ANALFABETO (“Do rio que tudo arrasta se diz que é violento/ Mas ninguém diz violentas/ As margens que o comprimem.” Bertolt Brecht)













Crônica

BONÉ ANALFABETO (“Do rio que tudo arrasta se diz que é violento/ Mas ninguém diz violentas/ As margens que o comprimem."Bertolt Brecht)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

           Era meu primeiro dia de aula naquela Unidade Escolar. Cheguei cedo para conhecer meus colegas de trabalho, e encontrei-os em reunião com a diretora na sala dos professores. Tratavam das normas para o bom andamento dos trabalhos daquele ano; uma delas falava da proibição do uso do Boné nas dependências da escola. Perguntei o porquê, e me falaram tudo que eu já tinha ouvido nas outras escolas em que trabalhara. O que eles não sabiam ainda era a história do Luzito do sexto ano, da última escola em que eu tivera atuado. Ele foi mandado de volta para casa na primeira semana de aula, com a expressa recomendação que só entraria na escola, no dia seguinte, acompanhado do pai. Foi o melhor argumento que eu já ouvi contra a proibição do uso do boné na escola. Aconteceu assim na sala da diretora:

           — Senhor Ignácio, chamamo-no para fazer-lhe ciente do mau comportamento do seu filho na escola; ele só poderá continuar nessa escola se obedecer o regimento. – Disse a diretora arrogantemente.
           — Meu filho, o que você fez dessa vez? – Perguntou o pai virando-se para o filho encolhido em um canto da sala.
          — Sabe, pai, é aquele boné do meu time, que ganhei de presente do Davi, no “amigo secreto”, no final do ano passado. Eu queria mostrar para ele, que também estuda aqui, a estima que tenho pelo presente que ele me deu, mas fique tranquilo, papai, não vou usá-lo mais.
           — É assim mesmo, meu filho, não faça como eu que nunca mais voltei à escola porque me recusei a tirar o boné, ou melhor, não me convenceram a tirá-lo. Naquela ocasião, levaram-me a um conselho de professores e disseram-me que no boné se escondia drogas. Mas, se eu usasse e/ou traficasse, esconderia em um outro lugar qualquer, menos no boné que os colegas arrancariam de surpresa facilmente. Disseram-me que ele disfarçava meu cochilo na hora da aula. Isso era absurdo, pois estava ali para estudar, e quem não percebe alguém, cochilando usando ou não viseira? Disseram-me ainda que não fazia parte do uniforme, mas como rejeitar uma peça de vestuário se a escola não tinha um uniforme obrigatório? Já os professores de Ciências diziam-me que o boné abafava a cabeça e o suar amolecia os cabelos e os fazia cair, mas as novas descobertas dizem que a calvície é hereditária não tendo nada a ver com uso de boné. Por último, disseram-me que o emblema estampado no boné excitava provocações impetuosas, estimulando à violência. Eu não entendia. Hoje entendo que a maior violência sofrida por mim foi cometida pela própria escola, e não foi por causa daquele boné somente! Mas, por tantas outras incompetências dos que fazem o Regimento Interno. Estudei só até a quinta série! Depois que acabou minha adolescência, deixei de usar aquele boné que tampava as espinhas horrorosas de minha testa, porém não pude mais estudar, tive que trabalhar para sustentar vocês. Por isso, meu filho, não me arranje mais problema. Continue seus estudos e não traga nunca mais seu boné para escola; você tem o rosto lindo, sua testa se parece com a de sua mãe!
           Lamentei muito não ter podido contar minha experiência naquela reunião, temi parecer “mal na fita”, ou melhor, não queria comprometer meu futuro, pois todos os demais ali estavam unânimes com o Regimento Interno da Unidade Escolar. Apenas concordei também. Que me desculpem os intrépidos!
Encaminhamento de percepção

 1-Comente a velha proibição ao uso de boné nas dependências da escola. Que influência tem essa medida no processo ensino/aprendizagem?
 2-Como professor, você não se oporia às normas infundadas de sua escola em nome de sua reputação?
 3-Que contribuição os pais prestariam à escola se adotassem o comportamento do pai Ignácio?
 4-Até que ponto a escola tem culpa no alto índice de evasão escolar?
 5-Segundo o senhor Ignácio, a proibição arbitrária do uso do boné
na escola foi uma violência praticada a ele. Que outros tipos de violência a escola está praticando aos seus alunos sem perceber?
 6-Você já vivenciou algum fato em que o uso do boné atrapalhou o bom andamento escolar?
 7-Faça uma ilustração para crônica que acabou de ler.
 8-Relacione com o texto o pensamento de Bertold Brechet: “Do rio que tudo arrasta se diz que é violento/ Mas ninguém diz violentas/ As margens que o comprimem.”

Claudeko
Publicado no Recanto das Letras em 06/07/2009
Código do texto: T1684696

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Comentários

UMA ROSA QUASE ALGUÉM (Crianças reclamando de maus-tratos)




















Crônica

UMA ROSA QUASE ALGUÉM (Crianças reclamando de maus-tratos)

Claudeci Ferreira de Andrade


           Eu sou uma Rosa, daquelas feita com carinho. Não me considero artificial e apesar de nascida de uma gravidez planejada, levaram-me para ornamentar uma mesa que, bem à vista, no melhor local do salão, faria jus a apreciação de um conviva refinado. Afinal, era o aniversário do subsecretário de Educação. Uma celebridade! Então pensei que, naquele bem trabalhado arranjo, por horas, daria minha contribuição para somar às motivações de quem já está acostumado com fortes emoções.
Chegavam-se de dois em dois, quando não de três ou quatro; sentavam-se aqui e acolá nas mesas próximas, tão próximas que dava para ouvir elogios sem medida aos arranjos das outras rosas; no entanto, nenhum para mim. Não compreendia. Será que não tinha saído do jeito encomendado? Talvez, se eu fosse de outra cor! Mas, não era, fazer o quê! Oba, uma professora estava vindo em minha direção! Estava sem companhia. Era uma senhora loura, tinha os olhos claros, estava bem trajada; que perfume! Como gostaria que ela me acariciasse, só assim o cheiro de suas mãos passaria para minhas pétalas de tecido comum, então me aproximaria mais de uma posição social da qual é digna uma rosa de verdade. Por que estava sozinha? Comportamento estranho para uma festa de professores! Mas deixei que viesse; iria presenteá-la com minha maciez, e não havia melhor presente numa noite como aquela do que uma rosa para uma rosa. Com certeza queria minha companhia! — Se se sentar nesta mesa, vou fazê-la feliz com minha graciosidade — dizia eu em meu coração infantil.
Sentou-se finalmente, e olhava freneticamente para os lados. Tudo foi um sonho! Antes mesmo que eu pudesse ver o aniversariante, ou melhor, antes de começar a programação, senti suas mãos de súbito me agarrarem com força brutal e me enfiaram em sua bolsa surrada de couro áspero, sem dó, como se estivesse roubando alguma coisa. Não se importou em me deformar. Será que ela não gostou de meu aspecto? E o pior, os componentes da mesa vizinha viram e nem chamaram sua atenção. Será que ninguém se engraçou por mim? Ou sou mais uma vítima dos comportamentos de etiqueta!? Dos que veem e fazem de conta que não viram, dos que roubam e fazem de conta que não foram eles, dos que fingem que ensinam enquanto outros fingem que aprendem? Ai! Que dor! E não pude nem gritar.
Fui condenada ao regime do inferno, não pude nem ornamentar uma estante empoeirada, num lugar reservado de sua casa, porque ela achava que não era seguro. Por isso me eliminou no fogo do quintal deste mundo, para não deixar vestígio. Agora falo, como uma alma despetalada, a você que só me escuta: tenha cuidado com os que cobiçam suas virtudes sem medir consequências para usufruí-las, meu mal foi ser bela e acalentar objetivos nobres.
Encaminhamento de percepção
1– Como as motivações podem fabricar as emoções? Dê exemplos:
2– O autor insinua que a Rosa é uma criança em idade escolar, culpando o sistema educacional por seu fracasso social, como legitimar essa leitura?
3– Essa senhora de “fino trato” não correspondeu com as expectativas. Qual deveria ser seu comportamento enquanto professora?
4– Qual foi o pecado dessa bela rosa?
5– É normal alguém carregar um arranjo no final da festa. Por que se faria isso bem no início?
6-Faça uma ilustração para crônica que acabou de ler.
7– Em que parte do texto resvala no social?
(Claudeci Ferreira de Andrade, pós-graduado – Língua Portuguesa; professor – Gramática e Redação/Senador Canedo; funcionário público)
Claudeko
Publicado no Recanto das Letras em 05/07/2009
Código do texto: T1683146

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O SÁBIO MEDO DE UM TOLO MEDO (O homem não tem poder sobre nada enquanto tem medo da morte. E quem não tem medo da morte possui tudo. Léon Tolstoi)















Crônica

O SÁBIO MEDO DE UM TOLO MEDO (O homem não tem poder sobre nada enquanto tem medo da morte. E quem não tem medo da morte possui tudo. Léon Tolstoi)

segunda-feira, 29 de junho de 2009

  Claudeci Ferreira de Andrade


             Com a barbárie do mundo, até a escola, em nossos dias, nos causa medo, a começar por alguns termos próprios de seu meio, como: Delegacia de Ensino, Grade Curricular, Chefe de Departamento, Parada Pedagógica, Ronda de inspetor; até a violência praticada a seu patrimônio e ameaças externas de invasão. Que tipo de segurança nos ensina um agente escolar amedrontado?
          Estávamos em três funcionários da Secretaria de Educação: eu, o professor Cláudio e o motorista. Saímos para fazer um trabalho de monitoramento ao Ensino Noturno, com um certo medo de não darmos conta das três visitas em tempo hábil; já passava das vinte e uma horas, e aquela ainda seria a segunda visita da noite, quando o motorista disse:
          — Pronto, chegamos!
           Pulamos para fora da Kômbi como quem não sentia nenhum tipo de medo e rapidamente estávamos batendo no portão. De repente, a cinquenta metros dali, alguém gritou de uma forma indistinguível; era o guarda motivado por um tolo medo, tentando fazer o seu melhor:
            — Quem são você?§ºª£%$#@!
          — Ele falou blá blá bláááaa? – Perguntou o Cláudio, com os olhos arregalados para mim.
          — Venha nos atender, rapaz. – Berrei com tal competência que fiz meu chefe franzir a testa.
          — Não, vão embora, senão chamo a polícia. – O guarda continuou impertinente, gritando de longe.
           Eu, com um sábio medo da situação agravar-se, sugeri ao Cláudio que apelasse para a sua autoridade, pois estávamos representando a Secretaria de Educação, embora parecêssemos sem...!
           Então, já nervoso, meu chefe, de forma um tanto mais desprezível, por não saber mais o que fazer, esbaforiu.   — Nós somos da Secretáriiiiiiiiiiiia.
           — Não tem ninguém da secretaria aqui, nããããããooo. – Insistiu o guarda no mesmo tom.
         — Então vem assinar nosso relatório aqui. – Ordenou o comissário da inspeção.
           Afinal de contas, simultaneamente  ao ouvir esse último apelo do Cláudio, o guarda, em fração de segundo, viu a possibilidade da secretaria referida por nós ser a Secretaria de Educação e não a secretaria da escola. À vista disso, deslocou-se, ainda meio precavido, à nossa direção. Apesar de ter se desculpado muito, deixou claro que o sábio medo de perder o emprego era maior do que o tolo medo de perder a vida. Por último gaguejou suas palavras finais:
          — Se fosse onze horas, eu não colocaria nem a minha cabeça aqui fora!
          Aquela foi uma noite proveitosa para mim. Ao chegar em casa, depois de contar o acontecido, como uma história de vida digna de ser escrita, finalizei à minha esposa, dizendo que tinha um sábio medo do tolo medo de amedrontar quem lesse um texto assim. Ela confortou-me, assegurando que todos os seres têm medo, mas só os sábios transformam sua coragem em medo, enquanto os tolos transformam o seu medo em coragem. Citou ainda o pensamento de Léon Tolstoi: "O homem não tem poder sobre nada enquanto tem medo da morte. E quem não tem medo da morte possui tudo."
         Então entendi que os sábios dignificam a morte temendo a vida, mas os tolos estragam a vida temendo a morte. Os sábios temem a luz por esta lhes negar as trevas, e os tolos temem as trevas por estas lhes negarem a luz. Portanto, o medo é uma condição intelectual ou emocional, virtude de quem sabe usufruí-lo. É uma condição intelectual para os evoluídos, aqueles que sempre reagem cantando, orando e encarando os problemas de frente, e, emocional para os retrógrados, aqueles que reagem falando sem parar, sem pensar e chorando muito quando a morte aparece para eles.

Encaminhamento de percepção:

  1-Em que momento o guarda mostrou-se tolo, e qual é a participação educativa de um guarda noturno na vida da escola?
 2-Explique o sentido do título: “Sábio medo de um tolo medo”;
 3-Com que segurança ensinará um professor amedrontado?
 4-Em que momento os dois professores demonstraram tolice?
 5-Se você fosse o guarda, qual seria sua atitude diante desse fato? Você se deixava levar por um sábio medo ou um tolo medo?
Claudeko
Publicado no Recanto das Letras em 04/07/2009
Código do texto: T1681649


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A REVOLTA DO LIXO ( Todo profissional tem que se submeter a reciclagens)












CRÔNICA

A REVOLTA DO LIXO ( Todo profissional tem que se submeter a reciclagens)

Por Claudeci Ferreiera de Andrade

          Foi uma desilusão, assim como um golpe profundo em minha própria carne, ouvir de um professor que me parecia sábio, senhor das palavras e fluente orador: — “Se recicla lixo e não professor”! Esta foi a reação dele, após uma sugestão minha, feita a todos os presentes naquela reunião de planejamento na qual, com muito respeito e consideração, falei: — “sugiro a realização de um curso para nos reciclarmos ...” Eu tinha boa consciência do emprego da palavra “reciclar”, queria dizer apenas: atualização de conhecimentos, reaproveitamento de material usado, nesse caso, a nossa experiência.
          Depois, muito depois, a ferida ardeu novamente, como uma gastrite recidiva, ouvi de um coordenador pedagogo, em uma outra reunião de professores, a sua justificativa por não ter votado em um tal candidato a prefeito porque ouvira no discurso dele a proposta de reciclar a educação. Esse coordenador finalizou sua inútil indignação, dizendo: — “ele está pensando que somos lixo, pois eu não sou lixo”.
          Ontem voltei a pensar nisso ao retirar o lixo do meu escritório; foi difícil considerar o que era lixo e o que não era. Ali, estavam bons textos, porém desatualizados: Jornais, revistas e correspondências em geral que fizeram de mim o que sou hoje. Fiquei, muito tempo, olhando para aquele monte de lixo com a sensação de que eu estava rejeitando um pedaço de mim. Depois de tudo pronto, por último, amassei a folha que estava em minha mão, dei-lhe a forma de uma bola, era um rascunho qualquer. Lançei-a no monte de lixo, ela então rolou e se distanciou o máximo que podia, tomei-a novamente e repeti a ação por quatro vezes e obtive a mesma reação rebelde, pareceu-me que queria me dar uma lição! Decidi não queimá-la, larguei à sua vontade, assim como se faz com uma criança malcriada. Depois de tudo tinha ali cinza e lixo, considerando que cinza não é lixo; lixo era aquela parte, ou melhor, aquela bola de papel amassado que se recusou a sofrer o processo da combustão transformadora.
          Ausentei-me daquela cena um novo ser e com um novo conceito de reciclagem de professor: submetem-se, ao processo incendiário do saber, os que ainda têm algo a dar; lixo que não quer ser lixo não se recicla. Que valor tem a Salvação para quem não se reconhece corrompido? Somente alguém que esteve perdido pode saber o que significa ser achado!

Encaminhamento de percepção

 1- Segundo o texto, todo lixo é reciclável, sob a ação prurificadora e transformadora do fogo, mesmo que a intenção seja apenas produzir cinza. Justifique essa indispensável ação considerando o valor da cinza.
 2-No texto há uma preocupação a respeito do termo reciclagem.O que você acha desse preconceito morfológico e semântico em tempos de despreconceituação?
 3-Por que se ofenderia um professor, consciente da necessidade de aperfeiçoamento, por ser chamado para um curso de reciclagem?
 4-Qual é a relação da “bola de papel” com um profissional que se recusa ao processo da purificação daquilo que ainda lhe resta de bom, e o que se extrai de bom na revolta dela?
 5-Se você fosse fazer uma reciclagem de si mesmo como um todo (físico, mental e espiritual), o que constaria em sua lista de lixo rebelde?
 6- Sabemos que a reciclagem de papel, plástico, vidro, alumínio, etc., é importante para a natureza. Que benefício trará à natureza a reciclagem das pessoas no bom sentido?
 7-Faça uma ilustração para a crônica que acabou de ler.
Claudeko
Publicado no Recanto das Letras em 03/07/2009
Código do texto: T1681009

Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons. Você pode copiar, distribuir, exibir, executar, desde que seja dado crédito ao autor original (Autoria de Claudeci Ferreira de Andrade,http://claudeko-claudeko.blogspot.com). Você não pode fazer uso comercial desta obra. Você não pode criar obras derivadas.
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