Crônica da vida escolar
TARADOS POR GIZ: O Giz, a Disputa e a Simbologia da Desordem Escolar ("Não escreva a sua história com Giz." — Bruno Noblet)
O giz, um dos poucos instrumentos pedagógicos ainda de uso abundantes na escola pública, transformou-se num objeto quase mítico. Mantido trancado na coordenação, como se fosse um recurso raro, é distribuído com parcimônia no início do ano letivo. Cada professor recebe uma caixinha que, antes mesmo do fim de fevereiro, já está coberta por rabiscos e brincadeiras dos alunos, tornando-a irreconhecível.
No cotidiano, o giz é alvo de uma disputa curiosa. Basta eu abastecer minha caixa para que os pedaços desapareçam antes de eu chegar à porta da sala. Os alunos correm e empurram-se, disputando quem apagará o quadro e transformando o corredor num improvisado parque de diversões. Ao entrar, encontro o quadro tomado por garatujas, enquanto outros tentam apagá-las, num caos estridente que exige sermões até que a turma retorne às carteiras.
Mesmo após o difícil processo de organização, recomeça a conhecida chuva de pedacinhos de giz, lançados por vingança, molecagem ou tédio. Seguem-se as queixas melodramáticas, sempre com a entonação arrastada: “prossor, ur mininu tá me tacanu giz…” Essa rotina exaustiva se repete, como se a sala de aula fosse uma arena lúdica onde o giz assume poderes insuspeitos de rebeldia.
Diante disso, criei um sistema de penalidades que funciona apenas como farsa educativa: a cada três advertências oral, tiro um ponto da nota. Contudo, os mais indisciplinados quase nunca têm nota a perder, o que torna a punição inócua. Eles já perceberam a inutilidade desse faz-de-conta institucionalizado.
Certa vez, surpreendeu-me uma aluna ao pedir, de forma tímida, alguns pedaços de giz para brincar de escolinha em casa. A cena, aparentemente inocente, levantou a dúvida: será que, na brincadeira, eles repetem a mesma confusão da vida real? Ironia das ironias, imitam o professor, mas rejeitam a própria ideia de um dia assumir esse papel.
Grande parte de minhas repreensões consiste em impedir que se aproximem da mesa para capturar novos pedaços. Parece haver, na ânsia de gastar o giz, uma tentativa simbólica de desgastar também a figura do professor, utilizando o objeto como extensão de suas rebeldias e frustrações. Em um daqueles dias de desordem, um colega de trabalho apareceu com um galo na testa após ser atingido por um projétil de giz lançado por um aluno entusiasmado demais.
Esse episódio, embora quase cômico, reforça o quanto esse objeto banal se converteu num instrumento de hostilidade velada. As garatujas no quadro, feitas com tanta pressa e insistência, talvez sejam uma forma de pedido de atenção — um eco das ausências familiares que a escola, injustamente, precisa suprir. Como os pichadores que buscam muros recém-pintados, esses alunos encontram no giz a oportunidade de desafiar a autoridade, afirmar sua presença e demonstrar, ainda que de modo distorcido, o quanto desejam ser vistos.
-/-/-/-/-/-/--/-/-/-/-/-/-/-/-/-/-/-/-/-/-/
Sou o professor de Sociologia. A crônica que acabamos de ler sobre o giz na sala de aula é um microcosmo riquíssimo das tensões sociais e simbólicas na escola pública. O giz, um objeto banal, transforma-se no centro da desordem, da hostilidade velada e, principalmente, do pedido de atenção. Preparei 5 questões discursivas simples para analisarmos a fundo o significado social e institucional dessa dinâmica.
Questão 1: A Banalidade Transformada em Símbolo
O texto descreve o giz, um instrumento pedagógico comum, sendo tratado como um "recurso raro" e distribuído com parcimônia pela coordenação. Em Sociologia, o que representa a escassez artificial de um recurso tão básico no ambiente escolar? Discuta como essa atitude da gestão pode simbolizar, para os alunos, a desvalorização da própria educação ou do professor.
Questão 2: A Crise da Punição e a "Farsa Educativa"
O professor relata que seu sistema de penalidades ("tiro um ponto da nota") funciona apenas como "farsa educativa", pois os alunos já perceberam a inutilidade da punição. Analise essa situação à luz da Sociologia da Educação, especificamente sobre a crise da autoridade institucional. Por que a ineficácia das punições padronizadas reflete o esgotamento do modelo disciplinar tradicional na escola contemporânea?
Questão 3: O Giz como Instrumento de Rebeldia Simbólica
O autor sugere que a "ânsia de gastar o giz" e a hostilidade (como lançar projéteis) podem ser uma tentativa simbólica de "desgastar também a figura do professor". Explique o que é ação simbólica no contexto escolar. De que forma a agressão a um objeto que representa o conhecimento e a autoridade (o giz) pode ser interpretada como uma forma de resistência ou desafio à figura do educador?
Questão 4: A Dinâmica da Desordem e o Pedido de Atenção
O texto associa as garatujas no quadro e a desordem ao "pedido de atenção" e a um "eco das ausências familiares" que a escola precisa suprir. Discuta a escola como instituição social. Como a falta de atenção no ambiente familiar pode ser transferida e manifestada na sala de aula através de comportamentos de indisciplina, transformando o professor em um substituto forçado de referências afetivas?
Questão 5: Reprodução e Rejeição na Brincadeira
Uma aluna pede giz para "brincar de escolinha em casa", levantando a ironia: "imitam o professor, mas rejeitam a própria ideia de um dia assumir esse papel". Analise essa contradição a partir da Sociologia da Cultura. O que essa dupla atitude — imitar o papel do professor (reprodução social) e, ao mesmo tempo, rejeitar a profissão — revela sobre a percepção de prestígio e o futuro profissional da carreira docente na sociedade brasileira contemporânea, na visão dos próprios estudantes?
O giz, um dos poucos instrumentos pedagógicos ainda de uso abundantes na escola pública, transformou-se num objeto quase mítico. Mantido trancado na coordenação, como se fosse um recurso raro, é distribuído com parcimônia no início do ano letivo. Cada professor recebe uma caixinha que, antes mesmo do fim de fevereiro, já está coberta por rabiscos e brincadeiras dos alunos, tornando-a irreconhecível.
No cotidiano, o giz é alvo de uma disputa curiosa. Basta eu abastecer minha caixa para que os pedaços desapareçam antes de eu chegar à porta da sala. Os alunos correm e empurram-se, disputando quem apagará o quadro e transformando o corredor num improvisado parque de diversões. Ao entrar, encontro o quadro tomado por garatujas, enquanto outros tentam apagá-las, num caos estridente que exige sermões até que a turma retorne às carteiras.
Mesmo após o difícil processo de organização, recomeça a conhecida chuva de pedacinhos de giz, lançados por vingança, molecagem ou tédio. Seguem-se as queixas melodramáticas, sempre com a entonação arrastada: “prossor, ur mininu tá me tacanu giz…” Essa rotina exaustiva se repete, como se a sala de aula fosse uma arena lúdica onde o giz assume poderes insuspeitos de rebeldia.
Diante disso, criei um sistema de penalidades que funciona apenas como farsa educativa: a cada três advertências oral, tiro um ponto da nota. Contudo, os mais indisciplinados quase nunca têm nota a perder, o que torna a punição inócua. Eles já perceberam a inutilidade desse faz-de-conta institucionalizado.
Certa vez, surpreendeu-me uma aluna ao pedir, de forma tímida, alguns pedaços de giz para brincar de escolinha em casa. A cena, aparentemente inocente, levantou a dúvida: será que, na brincadeira, eles repetem a mesma confusão da vida real? Ironia das ironias, imitam o professor, mas rejeitam a própria ideia de um dia assumir esse papel.
Grande parte de minhas repreensões consiste em impedir que se aproximem da mesa para capturar novos pedaços. Parece haver, na ânsia de gastar o giz, uma tentativa simbólica de desgastar também a figura do professor, utilizando o objeto como extensão de suas rebeldias e frustrações. Em um daqueles dias de desordem, um colega de trabalho apareceu com um galo na testa após ser atingido por um projétil de giz lançado por um aluno entusiasmado demais.
Esse episódio, embora quase cômico, reforça o quanto esse objeto banal se converteu num instrumento de hostilidade velada. As garatujas no quadro, feitas com tanta pressa e insistência, talvez sejam uma forma de pedido de atenção — um eco das ausências familiares que a escola, injustamente, precisa suprir. Como os pichadores que buscam muros recém-pintados, esses alunos encontram no giz a oportunidade de desafiar a autoridade, afirmar sua presença e demonstrar, ainda que de modo distorcido, o quanto desejam ser vistos.
-/-/-/-/-/-/--/-/-/-/-/-/-/-/-/-/-/-/-/-/-/
Sou o professor de Sociologia. A crônica que acabamos de ler sobre o giz na sala de aula é um microcosmo riquíssimo das tensões sociais e simbólicas na escola pública. O giz, um objeto banal, transforma-se no centro da desordem, da hostilidade velada e, principalmente, do pedido de atenção. Preparei 5 questões discursivas simples para analisarmos a fundo o significado social e institucional dessa dinâmica.
Questão 1: A Banalidade Transformada em Símbolo
O texto descreve o giz, um instrumento pedagógico comum, sendo tratado como um "recurso raro" e distribuído com parcimônia pela coordenação. Em Sociologia, o que representa a escassez artificial de um recurso tão básico no ambiente escolar? Discuta como essa atitude da gestão pode simbolizar, para os alunos, a desvalorização da própria educação ou do professor.
Questão 2: A Crise da Punição e a "Farsa Educativa"
O professor relata que seu sistema de penalidades ("tiro um ponto da nota") funciona apenas como "farsa educativa", pois os alunos já perceberam a inutilidade da punição. Analise essa situação à luz da Sociologia da Educação, especificamente sobre a crise da autoridade institucional. Por que a ineficácia das punições padronizadas reflete o esgotamento do modelo disciplinar tradicional na escola contemporânea?
Questão 3: O Giz como Instrumento de Rebeldia Simbólica
O autor sugere que a "ânsia de gastar o giz" e a hostilidade (como lançar projéteis) podem ser uma tentativa simbólica de "desgastar também a figura do professor". Explique o que é ação simbólica no contexto escolar. De que forma a agressão a um objeto que representa o conhecimento e a autoridade (o giz) pode ser interpretada como uma forma de resistência ou desafio à figura do educador?
Questão 4: A Dinâmica da Desordem e o Pedido de Atenção
O texto associa as garatujas no quadro e a desordem ao "pedido de atenção" e a um "eco das ausências familiares" que a escola precisa suprir. Discuta a escola como instituição social. Como a falta de atenção no ambiente familiar pode ser transferida e manifestada na sala de aula através de comportamentos de indisciplina, transformando o professor em um substituto forçado de referências afetivas?
Questão 5: Reprodução e Rejeição na Brincadeira
Uma aluna pede giz para "brincar de escolinha em casa", levantando a ironia: "imitam o professor, mas rejeitam a própria ideia de um dia assumir esse papel". Analise essa contradição a partir da Sociologia da Cultura. O que essa dupla atitude — imitar o papel do professor (reprodução social) e, ao mesmo tempo, rejeitar a profissão — revela sobre a percepção de prestígio e o futuro profissional da carreira docente na sociedade brasileira contemporânea, na visão dos próprios estudantes?


Nenhum comentário:
Postar um comentário