"Papo Reto" de um Professor Aposentado ("A educação do lar é o alicerce de todo o futuro." — Victor Hugo)
Há dias em que a sala de aula se transforma num campo de batalha silenciosa. Não se ouve o som das perguntas curiosas, nem o burburinho entusiasmado da descoberta. O que ecoa é a resistência. A resistência de quem, mesmo diante do descaso e da indiferença, insiste em ensinar. Em uma das minhas últimas visitas a uma escola, já aposentado, voltei a sentir o peso de estar ali — não apenas como educador, mas como testemunha de um colapso moral. E foi essa vivência que me fez desejar, mais do que nunca, falar diretamente com os pais. Com a sinceridade de quem já não tem medo de desagradar, e a coragem de quem nada mais tem a perder.
O que vi me estarreceu. Alunos afrontando professores, chamando-os para a briga, exibindo uma postura agressiva e prepotente, como se desrespeitar fosse uma medalha. Era como se seguissem uma cartilha invertida — uma espécie de manual da insubordinação. E, se vocês, pais, acham isso normal ou, pior, aceitam calados, algo está muito errado. Escutem este papo reto: não há educação onde não há limite. Não há futuro onde não há respeito.
Mais assustador do que os comportamentos dos filhos, foram algumas falas ouvidas das próprias mães. Frases como: "Ah, ele não tem medo de polícia, leve-o preso." Ou ainda: "Se meu filho morrer, morreu." Não são apenas choques linguísticos — são retratos do abandono emocional, da naturalização da violência, da desconexão com o valor da vida.
E o desrespeito, infelizmente, não se restringe à escola. Fiquei sabendo de casos de meninas com apenas 12 anos namorando homens adultos. Isso não é namoro. É crime. É abuso contra vulnerável. É violação da infância. Onde estão os responsáveis? Onde está o cuidado?
É preciso resgatar o valor do professor. O respeito ao mestre deve ser inegociável. Gente, sejamos sinceros: a profissão de professor deveria ter o salário mais alto do país. E não é por vaidade ou status, mas pela exigência emocional e social que ela impõe. Educar filhos dos outros, muitas vezes sem o apoio dos próprios pais, é uma missão sobre-humana. Porque quem não respeita o pai e a mãe, dificilmente respeitará qualquer figura de autoridade.
O problema que presenciei não é exclusivo daquela escola. É sistêmico. Está em toda parte. É o desrespeito normalizado, a agressividade transmitida como herança, a negligência camuflada de liberdade. Os filhos repetem o que vivem em casa. Nós, professores, também somos pais e mães. E, com frequência, vemos alunos tratando os próprios genitores com desdém, com deboche, com superioridade. Isso não se aprende sozinho. Isso se vê, se absorve, se repete.
Na escola, o reflexo da casa se projeta com nitidez. O que deveria ser espaço de conhecimento vira campo de conflito. O que antes era troca, vira enfrentamento. E, com todo o respeito aos colegas que continuam na linha de frente, digo com franqueza: eu não queria estar no lugar de vocês. A coragem com que enfrentam essa realidade todos os dias é algo que admiro profundamente.
Escrevo esta crônica como quem grita no meio do caos — não para ofender, mas para despertar. Pais, olhem para seus filhos. Ouçam-nos. Corrijam-nos. Amem com limites. A escola não pode substituir o que só o lar ensina. O respeito se aprende no berço. O futuro começa na sala de casa, não na de aula.
Talvez o que tenha me marcado mais do que o cenário geral de desrespeito tenha sido uma cena específica: uma professora, com olhos marejados, tentando conter um aluno exaltado que a chamava por apelidos ofensivos diante da turma. Ninguém interveio. O silêncio era cúmplice. Naquele instante, entendi que não era apenas a autoridade que estava sendo ferida, mas a dignidade de quem educa. E é por isso que insisto: a escola não pode continuar sendo o único alicerce de uma estrutura que desmorona dentro de casa. É preciso menos grito e mais exemplo, menos omissão e mais presença.
E se hoje ainda conseguimos ensinar alguma coisa, é porque acreditamos que vale a pena lutar. Mesmo quando tudo parece perdido.
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A crônica que acabamos de ler nos traz uma reflexão superimportante sobre a "crise de valores" que atinge as escolas brasileiras. O autor, um professor aposentado, nos mostra o dia a dia de um ambiente de muito desrespeito e os desafios que os educadores enfrentam, muitas vezes sem o apoio necessário. Vamos usar esse texto para pensar, sob a ótica da Sociologia, como as relações sociais se constroem e se desfazem, e qual o papel de cada um nisso. Bora lá?
1. O autor descreve a sala de aula como um "campo de batalha silenciosa" e fala em um "colapso moral". Como esses termos se relacionam com o conceito de "anomia social" em Sociologia, que se refere à ausência ou enfraquecimento de normas e valores na sociedade?
2. O texto apresenta falas de mães que demonstram uma "naturalização da violência" e "desconexão com o valor da vida". Discuta como essa atitude dos pais, aliada ao comportamento dos alunos de "afrontar professores" e "exibir postura agressiva", reflete a "socialização" dos indivíduos no ambiente familiar e como ela se projeta no espaço escolar.
3. O cronista afirma que "a profissão de professor deveria ter o salário mais alto do país" e destaca a "exigência emocional e social" da função. Explique, a partir de uma perspectiva sociológica, por que a "valorização salarial" não é o único fator para a atratividade e o reconhecimento de uma profissão, e que outros aspectos (como prestígio social e condições de trabalho) também são cruciais.
4. O autor defende que "o problema que presenciei não é exclusivo daquela escola. É sistêmico." Como a Sociologia entende os problemas sociais como "sistêmicos" e não apenas individuais? Cite exemplos do texto que indicam que a questão do desrespeito transcende o âmbito da sala de aula.
5. Ao final, o texto diz que "a escola não pode continuar sendo o único alicerce de uma estrutura que desmorona dentro de casa" e que "o respeito se aprende no berço". De que forma essa análise evidencia a "função social da família" como primeira instância de socialização e a corresponsabilidade entre família e escola na formação de cidadãos?
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