"Se você tem uma missão Deus escreve na vocação"— Luiz Gasparetto

" A hipocrisia é a arma dos mercenários." — Alessandro de Oliveira Feitosa

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MINHAS PÉROLAS

terça-feira, 2 de agosto de 2022

NA GANGORRA DA VIDA (" - Que é que eu faço? É de noite e estou viva. Estar viva esta me matando aos poucos, e eu estou toda alerta no escuro." — Clarice Lispector

 


NA GANGORRA DA VIDA (" - Que é que eu faço? É de noite e estou viva. Estar viva esta me matando aos poucos, e eu estou toda alerta no escuro." — Clarice Lispector

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Nenhum homem é abominação para Deus. A existência de cada um é, por si só, motivo de alegria para Ele. Apenas de tempos em tempos, acontece d’Ele ralhar com alguém. Essa aparente desigualdade no modo como trata os desobedientes é, paradoxalmente, uma forma de amar.

Neste momento, sou eu o ralhado da vez. Ainda assim, duvido que o destino tenha me abandonado. Ele me vigia quase constantemente por meio da dor. Por isso, valorizo profundamente as raras pausas que me são concedidas — esses breves momentos de prazer. Afinal, a vida é “(Cu)rta, mas (pica)nte!”

Mas, por que esse "ralho", esse aparente castigo? Seria uma forma de a própria vida nos esculpir, de nos forçar a buscar um sentido que o prazer constante não revelaria? Talvez a dor não seja apenas um fardo, mas a mola propulsora que nos impele ao crescimento, à resiliência. Pensemos nos gemidos que escapam não só do prazer, mas também do esforço exaustivo em uma corrida, do choro de alívio após uma longa espera, ou do suspiro profundo ao finalmente entender algo complexo. Em todos eles, ecoa a humanidade em seu estado mais cru e verdadeiro.

Vivemos, assim, nessa gangorra existencial: uma metáfora que bem poderia ser representada por uma relação sexual — uma hora de esforço físico e psicológico em troca de cinco segundos de orgasmo. Quem nos ensinou a gemer tanto na dor quanto no prazer? O que me desconcerta é que, em ambos os casos, ouvimos as mesmas interjeições.

“É preciso relaxar para gozar” (Marta Suplicy), dizem. E eu acrescento: é preciso também calejar para suportar a dor. Isso, sim, é a felicidade — o torpor da vida!

Se a vida fosse um orgasmo constante, confesso: preferiria sentir um pouco de dor. Que venham, então, as dores e os relampejos de alívio. No fim das contas, tudo vai acabar bem!


QUESTÕES DISCURSIVAS - SOCIOLOGIA

Tema: Dor, Prazer e Construção Social da Experiência Humana

QUESTÃO 1

O texto apresenta uma reflexão sobre como a dor pode ter uma função social e pessoal na formação do indivíduo. Baseando-se no que estudamos sobre socialização, explique como as experiências de sofrimento podem contribuir para o desenvolvimento da identidade e dos valores de uma pessoa na sociedade.

QUESTÃO 2

O autor utiliza a metáfora da "gangorra existencial" para descrever a alternância entre dor e prazer na vida humana. Na sua opinião, como essa oscilação entre momentos difíceis e momentos de alívio influencia a forma como as pessoas se relacionam umas com as outras e constroem seus laços sociais?

QUESTÃO 3

O texto sugere que "é preciso calejar para suportar a dor" e relaciona isso com a ideia de felicidade. Considerando o que aprendemos sobre desigualdade social, como você acha que diferentes grupos sociais (ricos, pobres, jovens, idosos) desenvolvem diferentes formas de "calejar" diante das dificuldades da vida?

QUESTÃO 4

O autor questiona: "Quem nos ensinou a gemer tanto na dor quanto no prazer?". Essa pergunta nos leva a pensar sobre como aprendemos a expressar nossas emoções. Explique como a família, a escola e os meios de comunicação influenciam a maneira como demonstramos nossos sentimentos na sociedade.

QUESTÃO 5

No final do texto, o autor afirma que "preferiria sentir um pouco de dor" a viver "um orgasmo constante". Relacione essa ideia com o conceito sociológico de que as sociedades precisam de conflitos e tensões para se desenvolverem. Por que você acha que uma sociedade sem nenhum tipo de problema ou desafio poderia ser prejudicial para o crescimento coletivo?

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segunda-feira, 1 de agosto de 2022

O QUE É O AMOR VERDADEIRO? ("Ainda que seja raro o verdadeiro amor, é no entanto menos raro que a verdadeira amizade." (François La Rochefoucauld)

 


O QUE É O AMOR VERDADEIRO? ("Ainda que seja raro o verdadeiro amor, é no entanto menos raro que a verdadeira amizade." (François La Rochefoucauld)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

O relógio da praça batia três horas quando me sentei naquele banco de madeira gasta, testemunha silenciosa de incontáveis histórias de amor. O outono pintava o cenário com suas cores quentes, e o aroma de café recém-passado flutuava no ar, vindo do quiosque próximo.

Abri meu caderno de anotações, pronto para capturar os fragmentos de vida que passavam diante de meus olhos. Foi quando vi Dona Amélia, aos 80 anos, caminhando de braços dados com seu novo namorado, o Sr. José. Seus olhos brilhavam como os de adolescentes em seu primeiro encontro.

"Quem diria, hein, Dona Amélia?", pensei, sorrindo. Lembrei-me de quando ela jurava que, após a morte do marido, jamais se apaixonaria novamente. O tempo, esse velho sábio, provou-lhe o contrário.

Não muito longe, um jovem casal discutia acaloradamente. Ele gesticulava, ela chorava. De repente, silêncio. Um abraço forte selou a reconciliação, lembrando-me que o amor também é feito de tempestades e calmarias.

Meu olhar vagou até o playground, onde uma mãe empurrava seu filho no balanço. A criança ria descontroladamente, e a mãe, mesmo visivelmente cansada, sorria. Ali estava o amor em sua forma mais pura e abnegada.

Um homem passou correndo, suado, carregando um buquê de rosas vermelhas. Tarde para um encontro, talvez? Ou correndo para pedir perdão? O amor tem muitas faces, pensei, algumas delas marcadas pela urgência do momento.

Ao entardecer, observei um casal de idosos sentados em silêncio, de mãos dadas, contemplando o pôr do sol. Não trocavam palavras, mas seus olhares falavam volumes. Entendi então que o amor verdadeiro não precisa de grandes gestos ou declarações - às vezes, basta estar ali, presente.

Quando as primeiras estrelas surgiram no céu, fechei meu caderno, rico em histórias e reflexões. Caminhei para casa com o coração leve, compreendendo que o amor, em todas as suas formas, é o que dá sentido à nossa existência.

Naquela noite, antes de dormir, escrevi uma última nota: "O amor é como este parque - um espaço aberto onde histórias se cruzam, vidas se transformam e, a cada dia, novas possibilidades florescem. Basta termos olhos para ver e coragem para viver." -/-/-/-/-/-/-/-/-/-/

Com base nessas temáticas, proponho as seguintes questões para discussão em sala de aula:

O texto apresenta diversas formas de amor. Quais são elas? Como a sociedade influencia nossa compreensão do amor?

Essa questão incentiva os alunos a refletirem sobre a diversidade de expressões amorosas, além de questionar os valores e normas sociais que moldam nossas concepções sobre o amor.


O amor pode ser aprendido ou é algo inato? Como as experiências de vida moldam a forma como amamos?

A questão provoca uma discussão sobre a natureza do amor, se ele é um instinto ou uma construção social, e como nossas experiências pessoais influenciam nossa capacidade de amar.


O papel do espaço público nas relações amorosas: como os lugares que frequentamos e as pessoas que encontramos influenciam nossas experiências amorosas?

Essa questão incentiva os alunos a pensarem sobre a importância do contexto social para as relações amorosas, e como os espaços públicos podem ser palco de encontros e desencontros amorosos.


O amor é eterno ou se transforma ao longo do tempo? Como os relacionamentos evoluem ao longo da vida?

A questão aborda a dinâmica dos relacionamentos, a importância da mudança e adaptação, e a possibilidade de o amor se transformar ao longo do tempo.


A sociedade contemporânea valoriza diferentes formas de amor? Como as mídias e a cultura popular influenciam nossas expectativas sobre o amor?

Essa questão leva os alunos a refletirem sobre como os valores e as representações do amor na mídia e na cultura popular moldam nossas percepções e expectativas sobre os relacionamentos.

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domingo, 31 de julho de 2022

AMIZADE DE PROFESSOR E ALUNOS ("Quando defendemos os nossos amigos, justificamos a nossa amizade." — Marquês de Maricá)

 


AMIZADE DE PROFESSOR E ALUNOS ("Quando defendemos os nossos amigos, justificamos a nossa amizade." — Marquês de Maricá)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Professor não pode sorrir demais para o aluno — ele pode interpretar o gesto como um convite à intimidade e, assim, confundir os papéis, julgando-se próximo o suficiente para ignorar a autoridade e desconsiderar as responsabilidades que a relação impõe.

"Uma raposa muito jovem, que nunca tinha visto um leão, estava andando pela floresta e deu de cara com um leão. Ela não precisou olhar muito para sair correndo desesperadamente na direção de um esconderijo que encontrou. Quando viu o leão pela segunda vez, a raposa ficou atrás de uma árvore a fim de poder olhar antes de fugir. Mas, na terceira vez a raposa foi direto até o leão e começou a dar tapinhas nas costas dele, dizendo: — Oi, gatão! Tudo bom?"

Moral da história: Da familiaridade nasce o abuso. (Esopo)

Como pessoas sensatas, devemos ter a astúcia da raposa para reconhecer as armadilhas e a imponência do leão para manter os lobos à distância. Contudo, quando o temor se dissipa, instala-se a banalização dos vínculos. Maquiavel já advertia: "Os homens têm menos escrúpulos em ofender quem se faz amar do que quem se faz temer, pois o amor é mantido por vínculos de gratidão que se rompem quando deixam de ser necessários, já que os homens são egoístas; mas o temor é mantido pelo medo do castigo, que nunca falha."

Reconheço: minha posição pode soar radical — e é, intencionalmente. Às vezes, é preciso podar na raiz o que compromete o fruto. No entanto, admito e valorizo as exceções: há raposas prudentes, que respeitam o espaço do leão, e há leões sábios, que sabem quando rugir e quando acolher. Essa crítica não se aplica a você, que, com equilíbrio e sensatez, constrói relações saudáveis. Que assim continue, entre nós e em toda comunidade escolar.

Infelizmente, há coordenadores e diretores que desaprovam qualquer laço de amizade entre professores e alunos. Enxergam conspiração em cada gesto de proximidade, como se o afeto fosse uma ameaça. E não escondo a contundência: minha experiência mostra que, salvo raras exceções, esse medo é generalizado. Alegam que o distanciamento previne namoros, casamentos, abusos sexuais e complôs. Mas a realidade desmente essa crença — as escolas continuam nas manchetes por esses exatos motivos, apesar dos muros erguidos contra a confiança.

Na verdade, acredito no oposto: uma amizade genuína entre professor e aluno é um dos pilares da aprendizagem. O professor não perde ao ser amigo do aluno, e o aluno só ganha ao respeitar e confiar no professor. Onde há amizade, há espaço para limites, empatia, autocontrole, construção de autonomia. Afinal, só se aprende de quem se gosta.

Mas como operacionalizar essa amizade genuína sem comprometer os limites? A resposta está na transparência das intenções e na clareza dos papéis. O professor-amigo estabelece fronteiras desde o início: “Sou seu amigo, mas também seu educador — posso rir com você, mas não abrirei mão de cobrar sua responsabilidade.” Essa amizade constrói-se no diálogo franco, na coerência entre afeto e exigência, na capacidade de ser próximo sem ser permissivo. É a arte de abraçar sem sufocar, de acolher sem ceder, de ser humano sem perder a humanidade educativa. Afinal, o verdadeiro amigo não é aquele que facilita o caminho, mas aquele que ensina a caminhar com dignidade.

Para que essa amizade floresça sem transgredir os limites éticos da relação pedagógica, é necessário um pacto silencioso — porém firme — de respeito mútuo. O professor deve adotar uma postura de abertura vigilante: mostrar-se humano sem se tornar vulnerável à manipulação emocional. Isso se traduz em escuta atenta, empatia equilibrada e firmeza pedagógica. A linguagem corporal, o tom de voz, a constância das atitudes e o cuidado com o espaço pessoal são elementos que comunicam afeto sem permissividade. Assim, estabelece-se um vínculo saudável, onde a autoridade não é anulada pela proximidade, mas fortalecida por ela. Afinal, a educação é uma dança delicada entre o coração e a razão, entre o carinho e o limite.

Por isso, meu caro leitor, devemos cultivar também a amizade entre pais e professores. O pai que é amigo do educador do seu filho contribui imensamente para o sucesso do processo educativo. Confesso que inseri uma dose de ironia no primeiro parágrafo — não por descuido, mas para destacar um problema real: a escola, muitas vezes, finge formar cidadãos, mas se limita a despejar conteúdos. Como bem disse Arthur Schopenhauer: "Devemos nos proteger da familiaridade e das amizades idiotas." Sim, porque a verdadeira amizade, longe de idiotices, constrói pontes — e não atalhos — entre autoridade e afeto.


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O texto que acabamos de ler nos traz uma reflexão superinteressante e, confesso, um tanto provocadora, sobre a relação entre professores e alunos. O autor, com uma sagacidade que só a experiência oferece, nos convida a pensar sobre limites, autoridade, afeto e os perigos da "familiaridade excessiva" na escola. Ele até usa uma fábula clássica e pensadores como Maquiavel e Schopenhauer para dar um tempero à discussão. Mas, além da provocação inicial, o texto levanta questões sociológicas muito relevantes sobre o papel do professor na sociedade, a dinâmica das relações interpessoais no ambiente escolar e a importância dos limites para a construção de uma educação de qualidade. Vamos mergulhar juntos nessas ideias?


1 - O autor inicia o texto com a afirmação de que "Professor não pode sorrir demais para o aluno", citando a fábula da raposa e do leão e a frase "Da familiaridade nasce o abuso". Discuta como essa perspectiva se relaciona com os conceitos sociológicos de papel social e status no ambiente escolar, e por que a clareza desses papéis é considerada importante para a manutenção da ordem e das hierarquias.


2 - Maquiavel é citado com a ideia de que "Os homens têm menos escrúpulos em ofender quem se faz amar do que quem se faz temer". Analise essa citação à luz da autoridade carismática e da autoridade legal-racional, conforme os conceitos de Max Weber. Como o texto sugere que a relação professor-aluno deve equilibrar esses tipos de autoridade para ser eficaz?


3 - O autor critica a desaprovação de "qualquer laço de amizade entre professores e alunos" por parte de coordenadores e diretores, argumentando que "uma amizade genuína entre professor e aluno é um dos pilares da aprendizagem". Sob uma ótica sociológica, como a confiança e o vínculo afetivo podem influenciar o processo de socialização escolar e a construção do conhecimento, considerando que a escola é também um espaço de relações humanas?


4 - O texto propõe que uma "amizade genuína" entre professor e aluno é possível por meio da "transparência das intenções e na clareza dos papéis", com o professor-amigo estabelecendo fronteiras firmes. Explique como a comunicação não-verbal (linguagem corporal, tom de voz) e a coerência nas atitudes do professor podem atuar como mecanismos de manutenção da autoridade e dos limites, mesmo em uma relação de proximidade e afeto.


5 - Ao final, o autor estende a ideia de amizade para a relação entre pais e professores, afirmando que ela "contribui imensamente para o sucesso do processo educativo". Discuta sociologicamente a importância da parceria família-escola na formação do indivíduo, considerando que ambas são instâncias fundamentais de socialização e que seus valores e práticas podem se complementar ou entrar em conflito.

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No gozo de uma "licença-prêmio" ("Me dá licença que vou beijar o céu." — Jimi Hendrix)

 


No gozo de uma "licença-prêmio" ("Me dá licença que vou beijar o céu." — Jimi Hendrix)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Durante o gozo da minha licença-prêmio, simplesmente se esqueceram de mim. Os que sempre se mostraram insatisfeitos com meu trabalho parecem gostar da minha ausência com a mesma intensidade com que me rejeitam. A concorrência prosperou, e o salário veio seco — sem adicionais.

Pois bem, três meses antes de me afastar, um colega de trabalho, sabendo da minha licença, colocou-se no meu lugar e declarou: "O pior será quando você voltar ao trabalho e ver seus alunos melhores do que deixou... e se eles manifestarem o sentimento de que você não fará falta... sua ausência será mais produtiva... seu retorno será dispensável (riso)." Profecia maligna! Sim, meu amigo, essa possibilidade existe. Ainda assim, quero sinceramente que o meu substituto faça um trabalho ainda melhor que o meu — tudo em nome da boa educação.

É verdade que não se consegue desagradar a todos ao mesmo tempo. Deve haver, em algum canto da escola, alguém contando os dias para o meu retorno. Para equilibrar esse jogo de afetos, trago a fala da minha aluna Luana: "Devemos ser como uma raposa para reconhecer as armadilhas e como um leão para assustar os lobos. Aprendi na sua aula de filosofia. Volta logo, professor, tenho muito o que aprender ainda com o senhor." A esses, minha prece sincera e meu até breve — seis meses passam voando.

Minha ausência, aliás, talvez também seja uma oportunidade para que reconheçam, à distância, algum valor em mim. Enquanto falarem de mim pelas costas, estarei contribuindo até mesmo com o silêncio da minha ausência. É preciso muita coragem — ou, no mínimo, muito trabalho — para se tornar legalmente ausente. E já é uma virtude conquistar humildemente a paciência e a perseverança necessárias para merecer qualquer licença.

Justifico, então, meu comportamento retraído com as palavras de Denilson Fernandes: "Sou um ser odiado por muitos... Quando preciso e quero sou pessoa perturbada sem escrúpulo e sem clemência... Sou chato, por que eu gosto de mostrar seus erros, seus medos e corrigi-los... Você sentirá ódio de mim, mas se for inteligente me agradecerá depois. Quero seu bem, por isso sou chato. Olha seus pais, por exemplo, sempre são chatos porque lhe dão sermão... E eu tenho a mesma regra, pois aprenderam o que sabem hoje, por sermões que seus pais deram a você."

Nesse caso, os prós e os contras devem, sim, ser considerados. Qualquer professor que me substitua poderá ser um bom guia para minha aluna exemplar — afinal, os semelhantes se apoiam e crescem juntos na melhor direção.

Grato. Eu já ia dizer que o meio educacional ficaria vazio sem mim, mas... quando uma célula morre, outra nasce automaticamente em seu lugar.

Mas, se a célula morre, não é o fim — é o princípio de outra. Assim também é o educador: sua ausência nunca será um vazio absoluto, mas uma oportunidade para que outros cresçam, floresçam e até ocupem espaços que ele deixou. No entanto, nem toda célula é substituída com a mesma eficiência, e algumas deixam marcas profundas no tecido que compõem. Não se trata de vaidade, mas de compreender que certos vínculos não se refazem com a mesma força. Talvez por isso a ausência também ensine — silenciosamente, como o corpo que aprende a sentir falta de um órgão vital. E é nessa ausência que reside o meu contributo final: ser lembrado não por indispensabilidade, mas pela diferença que fiz enquanto estive.



A crônica que acabamos de ler nos traz uma reflexão superinteressante sobre o papel do professor, o ambiente de trabalho e as relações humanas no contexto escolar. O autor, em licença-prêmio, compartilha suas angústias, expectativas e até algumas provocações sobre sua ausência e o seu retorno. Vamos usar essas ideias para discutir alguns pontos de vista da Sociologia. Preparados para pensar um pouco?


1 - O autor relata que, durante sua licença, "os que sempre se mostraram insatisfeitos com meu trabalho parecem gostar da minha ausência". Discuta como essa percepção pode refletir as tensões e disputas por reconhecimento e espaço em um ambiente profissional, como a escola.


2 - A fala do colega que profetiza um "retorno dispensável" e a do aluno que pede "Volta logo, professor" demonstram diferentes visões sobre o papel do professor. Analise como essas expectativas contrastantes (de substituição e de insubstituibilidade) revelam a complexidade dos papéis sociais dentro de uma instituição como a escola.


3 - O cronista menciona que sua ausência pode ser uma "oportunidade para que reconheçam, à distância, algum valor em mim". Explique como a ausência ou o distanciamento podem, paradoxalmente, influenciar a percepção social e o valor atribuído a um indivíduo ou a uma função dentro de um grupo ou organização.


4 - O texto aborda a ideia de ser "odiado por muitos" por "gostar de mostrar seus erros, seus medos e corrigi-los". Reflita sobre como essa postura, embora visando o "bem", pode gerar conflitos interpessoais e resistência nas relações sociais e profissionais, especialmente em contextos onde a crítica é percebida como ameaça.


5 - A frase final, "quando uma célula morre, outra nasce automaticamente em seu lugar", traz uma reflexão sobre a dinâmica das instituições sociais. Como essa analogia biológica pode ser aplicada para entender a adaptabilidade e a continuidade de sistemas como o educacional, mesmo diante da saída ou substituição de seus membros?

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sábado, 30 de julho de 2022

MERCENÁRIOS DO MAGISTÉRIO ("Aos Mestres, todo meu apreço! Aos mercenários toda minha indignação." — Ronei Porto da Rocha)

 


MERCENÁRIOS DO MAGISTÉRIO ("Aos Mestres, todo meu apreço! Aos mercenários toda minha indignação." — Ronei Porto da Rocha)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Dizem que nem o relógio trabalha de graça. E é verdade. Ele não tem prioridades, não ama o que faz — apenas funciona. Se alguém quiser que ele continue marcando o tempo, precisa dar-lhe corda. Com os professores, não é tão diferente assim. Também precisamos de corda. E, muitas vezes, quem a segura nos enforca em vez de impulsionar.

Não foram poucas as vezes em que vi colegas desistirem do “abc” vocacional. Abandonaram o amor pelo ofício, rendidos à lógica implacável da sobrevivência. Tornaram-se mercenários da “merreca” que recebem. Eu não os julgo. Embora haja felicidade em amar o que se faz, amor não paga boleto. É aí que a profissão escancara sua contradição: como exigir espírito de missão de quem vive numa missão de resgate — tentando salvar a própria dignidade?

A verdade é desconfortável: um professor muito rico causa estranheza à sociedade. Você já viu algum milionário ensinando outro a ficar rico? Pois é. Eu também nunca vi. O que ensinamos, de fato, é como se virar na falta — como lidar com as dificuldades. Mas as dificuldades dos ricos não servem aos pobres. São feitas de outro tecido.

Nos grupos de WhatsApp das escolas em que trabalho, o tema dominante é sempre o mesmo: salário. Reivindicações, tabelas comparativas, promessas não cumpridas. “Aff!” — como escrevem os mais cansados de repetir o óbvio. Eu também reclamo, admito, mas meu foco não está no salário. Reclamo dos absurdos metodológicos, da falta de estrutura, das decisões tomadas à distância, por quem nunca pisou no chão da sala de aula. Mas isso exige mais esforço. Reclamar de salário é mais simples — e mais aceito.

Lembro bem de uma fala da professora e ex-vereadora Amanda Gurgel:

“Estão me colocando dentro de uma sala de aula com um giz e um quadro para salvar o Brasil? Não posso, não tenho condições. Muito menos com o salário que recebo. (...) Outra coisa que me deixava mal era que, como vereadora, recebia em um mês o que a escola recebia em um ano para funcionar.”

Mesmo assim, ela continuou recebendo o salário de professora, repassando a diferença ao partido. Um gesto raro. Coletivo. Idealista até demais para os dias de hoje.

A contradição, porém, permanece: como exigir respeito de um aluno que descobre que ganha mais vendendo balas no semáforo do que o professor que tenta lhe ensinar a escrever uma redação? O prestígio docente evaporou. Ser “mercenário” virou quase uma exigência de sobrevivência no serviço público.

Podem enviar rios de dinheiro, construir prédios suntuosos, equipar as escolas com tecnologia de ponta. Nada disso resolverá. Porque o problema começa antes mesmo do portão da escola. É político. É estrutural. É familiar. Lidamos com alunos sem objetivos, sem propósito, sem respeito. E, sobretudo, sem disciplina.

Amanda Gurgel, ao menos, ficou famosa. E eu? Nem isso.

“Alguns alunos eram pré-adolescentes e nem sabiam de nada sobre mim”, disse ela uma vez. “Os mais velhos tiravam onda dizendo que eu era rica porque era celebridade.”

Riram, como quem conhece a verdade, mas prefere brincar com ela.

Ainda assim, há professores que resistem — não por heroísmo, mas por coerência com seus ideais. Conheço colegas que, mesmo em meio ao caos, reinventaram suas práticas, criaram projetos com o pouco que tinham, e conseguiram tocar corações. Há escolas que, silenciosamente, têm promovido transformações significativas, mesmo sem holofotes. A tecnologia, quando usada com sentido pedagógico, também tem potencial para resgatar o interesse e abrir horizontes. É pouco, sim, diante de um sistema em frangalhos. Mas são fagulhas que mantêm viva a esperança de que, mesmo sem corda, ainda podemos marcar o tempo com dignidade.

No fim, percebo: talvez sejamos todos um pouco como o relógio — seguimos funcionando, mesmo quando esquecem de nos dar corda. Mas há dias em que a mola interna não dá conta. E, nesses dias, tudo o que nos resta é torcer para que, em algum canto da sala, ainda exista um aluno disposto a ouvir o tique-taque do nosso esforço.

Porque, mesmo sem glamour, fortuna ou fama, seguimos marcando o tempo de uma geração. Só que, diferentemente dos relógios, nós sentimos cada segundo passar.


https://www.thaisagalvao.com.br/2020/11/23/cade-amanda-gurgel-campea-de-votos-em-2012-e-derrotada-com-mais-de-8-mil-votos-em-2016/ (acessado em 30/06/2025).



Depois da leitura atenta da crônica, vamos refletir um pouco sobre as questões sociais que ela levanta a respeito da profissão de professor no Brasil. Peguem o caderno e preparem-se para pensar sociologicamente. Aqui estão 5 questões para vocês desenvolverem com base nas ideias do texto:


1 - O autor afirma que alguns professores abandonam a "vocação" para se tornarem "mercenários da merreca". Explique com suas palavras o que essa oposição entre "vocação" e "mercenário" significa no contexto da profissão docente apresentado no texto.


2 - De acordo com a crônica, por que o baixo salário de um professor pode se tornar um problema não apenas para a sua sobrevivência, mas também para a sua autoridade e respeito dentro da sala de aula?


3 - O texto defende que "enviar rios de dinheiro, construir prédios suntuosos" não é suficiente para resolver os problemas da educação. Segundo o autor, quais são os problemas mais profundos que o dinheiro, por si só, não consegue consertar?


4 - O autor compara o professor a um relógio, que precisa de "corda" para funcionar. No entanto, no final, ele aponta uma diferença fundamental entre os dois. Qual é essa diferença e por que ela é importante para entendermos o sofrimento do professor?


5 - O texto sugere que a sociedade não espera que um professor ensine os outros a ficarem ricos. Na visão do autor, qual é, então, a verdadeira lição que os professores acabam ensinando aos seus alunos no dia a dia?

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