FRACASSADOS ELABORAM VINGANÇA ("Num país de miseráveis não é surpresa a barriga vir na frente da ética e da moral." — Clóvis Rossi)
Trinta anos lecionando e descubro, nas entranhas de uma escola povoada por coordenadoras, que ainda não sei fazer um plano de aula. Não o meu plano, que sempre soube elaborar, mas o plano delas, com suas planilhas nascidas do desespero deste "novo normal", em que cada mentira exige uma cascata de outras para se sustentar. Ensina-se com livros nas mãos, não com relatórios, fichas e protocolos que ninguém lê.
De tanto me pressionarem, entreguei mais uma planilha à coordenadora principal. E, como de costume, ela voltou repleta de correções e observações redundantes — como se o papel pudesse ensinar o que décadas de sala de aula não conseguiram: que a educação não cabe em formulários.
O cúmulo da burocracia se encontrou com o absurdo moral. Uma coordenadora produziu um relatório contra mim com base na denúncia de uma ex-aluna da EJA. A "prova" era a foto de uma latinha vazia de cerveja sem álcool que descartei na lixeira do supermercado onde ela trabalhava. A ex-aluna me caçou, meticulosamente, fora de qualquer contexto pedagógico, para manufaturar o constrangimento. Seguiu meu rastro até o lixo, registrou a "prova" e a entregou à direção como quem entrega um criminoso.
Não é o ato que espanta — afinal, que transgressão há em descartar uma latinha fora das dependências da escola? — mas a arquitetura obsessiva da perseguição. Eis o núcleo de uma patologia: ex-alunos transformados em vigias, colegas em delatores, gestores em inquisidores. A escola deixou de educar para fiscalizar; os corredores viraram panópticos. É a fúria do ressentimento buscando reconhecimento pela via da humilhação alheia. E o sistema não apenas permite: ele recompensa essa vigilância perversa com relatórios oficiais e a chancela moral de quem “zela pela ética”.
A culpa pelo caos da educação não recai apenas sobre o professor, que é tanto vítima quanto agente de um sistema disfuncional. O problema se agrava quando os próprios colegas competem pela aprovação da comunidade escolar, numa corrida mesquinha por prestígio interno.
Acusam o professor de Língua Portuguesa de não ensinar os alunos a resumir, enquanto eles mesmos atribuem notas às “colchas de retalhos” que os estudantes entregam em suas disciplinas. E, nas reuniões pedagógicas, todos se queixam de que os alunos não aprenderam porque o colega anterior falhou. Assim, a responsabilidade circula indefinidamente — como as planilhas que retornam sempre para refação —, sem que ninguém assuma o peso real do fracasso.
Fechamos com a reflexão de Madame de Staël: “O mal que podem fazer os maus livros só é corrigido pelos bons; os inconvenientes das luzes são evitados por luzes de um grau mais elevado.” Mas que luz pode iluminar quando a própria instituição educacional alimenta as sombras?
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Sou seu professor de Sociologia. Este texto, "O Pesadelo Burocrático," é um material riquíssimo para entendermos como as instituições sociais, como a escola, se organizam, exercem poder e podem, ironicamente, gerar conflitos internos e desumanização. Nele presento três grandes temas: a burocracia excessiva, a vigilância social e a competição interna no ambiente de trabalho. A seguir, preparei 5 questões discursivas e simples para orientar nossa análise sociológica:
1 - Burocracia e Racionalização (Max Weber): O texto critica as "planilhas nascidas do desespero" e os documentos que não cabem na educação. Explique, com base no conceito weberiano de burocracia, por que a escola, ao tentar ser mais "racional" e controlável através de formulários, acaba, segundo o autor, gerando ineficácia e desumanização da prática docente.
2 - Vigilância e Disciplina (Michel Foucault): O autor afirma que "a escola deixou de educar para fiscalizar; os corredores viraram panópticos." Analise essa frase sob a ótica de Michel Foucault, explicando o conceito de sociedade disciplinar e como a vigilância (exercida pela ex-aluna, pelas coordenadoras e pelos colegas) funciona como um mecanismo de poder dentro da instituição escolar.
3 - Assédio Moral e Cultura do Ressentimento: O episódio da ex-aluna que denuncia o professor por descartar uma latinha de cerveja sem álcool é um exemplo extremo de conflito. Discuta a relação entre o assédio moral no ambiente de trabalho e o que o texto chama de "fúria do ressentimento buscando reconhecimento pela via da humilhação alheia." Como a estrutura do sistema educacional pode recompensar ou, pelo menos, dar voz a esse tipo de comportamento destrutivo?
4 - A Competição no Ambiente de Trabalho: O texto aborda a competição interna, onde "os próprios colegas competem pela aprovação" e empurram a responsabilidade pelo fracasso. Na Sociologia do Trabalho, como essa competição por prestígio interno (em vez de solidariedade) fragiliza a classe docente e impede que os problemas estruturais (como a qualidade do ensino) sejam enfrentados coletivamente?
5 - Responsabilidade Coletiva e Fracasso Escolar: O autor usa a imagem das "colchas de retalhos" para descrever os trabalhos dos alunos e a ideia de que a responsabilidade "circula indefinidamente." Discuta como essa falta de responsabilidade coletiva entre os professores e a gestão impede a solução do "fracasso" da educação. Como a sociologia da educação vê essa dinâmica de culpar o elo anterior (o colega, ou o aluno) pelo insucesso?
Trinta anos lecionando e descubro, nas entranhas de uma escola povoada por coordenadoras, que ainda não sei fazer um plano de aula. Não o meu plano, que sempre soube elaborar, mas o plano delas, com suas planilhas nascidas do desespero deste "novo normal", em que cada mentira exige uma cascata de outras para se sustentar. Ensina-se com livros nas mãos, não com relatórios, fichas e protocolos que ninguém lê.
De tanto me pressionarem, entreguei mais uma planilha à coordenadora principal. E, como de costume, ela voltou repleta de correções e observações redundantes — como se o papel pudesse ensinar o que décadas de sala de aula não conseguiram: que a educação não cabe em formulários.
O cúmulo da burocracia se encontrou com o absurdo moral. Uma coordenadora produziu um relatório contra mim com base na denúncia de uma ex-aluna da EJA. A "prova" era a foto de uma latinha vazia de cerveja sem álcool que descartei na lixeira do supermercado onde ela trabalhava. A ex-aluna me caçou, meticulosamente, fora de qualquer contexto pedagógico, para manufaturar o constrangimento. Seguiu meu rastro até o lixo, registrou a "prova" e a entregou à direção como quem entrega um criminoso.
Não é o ato que espanta — afinal, que transgressão há em descartar uma latinha fora das dependências da escola? — mas a arquitetura obsessiva da perseguição. Eis o núcleo de uma patologia: ex-alunos transformados em vigias, colegas em delatores, gestores em inquisidores. A escola deixou de educar para fiscalizar; os corredores viraram panópticos. É a fúria do ressentimento buscando reconhecimento pela via da humilhação alheia. E o sistema não apenas permite: ele recompensa essa vigilância perversa com relatórios oficiais e a chancela moral de quem “zela pela ética”.
A culpa pelo caos da educação não recai apenas sobre o professor, que é tanto vítima quanto agente de um sistema disfuncional. O problema se agrava quando os próprios colegas competem pela aprovação da comunidade escolar, numa corrida mesquinha por prestígio interno.
Acusam o professor de Língua Portuguesa de não ensinar os alunos a resumir, enquanto eles mesmos atribuem notas às “colchas de retalhos” que os estudantes entregam em suas disciplinas. E, nas reuniões pedagógicas, todos se queixam de que os alunos não aprenderam porque o colega anterior falhou. Assim, a responsabilidade circula indefinidamente — como as planilhas que retornam sempre para refação —, sem que ninguém assuma o peso real do fracasso.
Fechamos com a reflexão de Madame de Staël: “O mal que podem fazer os maus livros só é corrigido pelos bons; os inconvenientes das luzes são evitados por luzes de um grau mais elevado.” Mas que luz pode iluminar quando a própria instituição educacional alimenta as sombras?
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Sou seu professor de Sociologia. Este texto, "O Pesadelo Burocrático," é um material riquíssimo para entendermos como as instituições sociais, como a escola, se organizam, exercem poder e podem, ironicamente, gerar conflitos internos e desumanização. Nele presento três grandes temas: a burocracia excessiva, a vigilância social e a competição interna no ambiente de trabalho. A seguir, preparei 5 questões discursivas e simples para orientar nossa análise sociológica:
1 - Burocracia e Racionalização (Max Weber): O texto critica as "planilhas nascidas do desespero" e os documentos que não cabem na educação. Explique, com base no conceito weberiano de burocracia, por que a escola, ao tentar ser mais "racional" e controlável através de formulários, acaba, segundo o autor, gerando ineficácia e desumanização da prática docente.
2 - Vigilância e Disciplina (Michel Foucault): O autor afirma que "a escola deixou de educar para fiscalizar; os corredores viraram panópticos." Analise essa frase sob a ótica de Michel Foucault, explicando o conceito de sociedade disciplinar e como a vigilância (exercida pela ex-aluna, pelas coordenadoras e pelos colegas) funciona como um mecanismo de poder dentro da instituição escolar.
3 - Assédio Moral e Cultura do Ressentimento: O episódio da ex-aluna que denuncia o professor por descartar uma latinha de cerveja sem álcool é um exemplo extremo de conflito. Discuta a relação entre o assédio moral no ambiente de trabalho e o que o texto chama de "fúria do ressentimento buscando reconhecimento pela via da humilhação alheia." Como a estrutura do sistema educacional pode recompensar ou, pelo menos, dar voz a esse tipo de comportamento destrutivo?
4 - A Competição no Ambiente de Trabalho: O texto aborda a competição interna, onde "os próprios colegas competem pela aprovação" e empurram a responsabilidade pelo fracasso. Na Sociologia do Trabalho, como essa competição por prestígio interno (em vez de solidariedade) fragiliza a classe docente e impede que os problemas estruturais (como a qualidade do ensino) sejam enfrentados coletivamente?
5 - Responsabilidade Coletiva e Fracasso Escolar: O autor usa a imagem das "colchas de retalhos" para descrever os trabalhos dos alunos e a ideia de que a responsabilidade "circula indefinidamente." Discuta como essa falta de responsabilidade coletiva entre os professores e a gestão impede a solução do "fracasso" da educação. Como a sociologia da educação vê essa dinâmica de culpar o elo anterior (o colega, ou o aluno) pelo insucesso?
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