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MINHAS PÉROLAS

domingo, 16 de outubro de 2022

A Tática da Calma e o Espetáculo da Sobrevivência ("Amar é dar razão a quem não tem." — Nelson Rodrigues)

 


A Tática da Calma e o Espetáculo da Sobrevivência ("Amar é dar razão a quem não tem." — Nelson Rodrigues)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

No "velho normal", os alunos esperavam em silêncio, na sala sem professor, apenas para iniciar a bagunça na presença dele. Não solicitavam um mestre quando ele se atrasava. Porém, queriam-no ali; embora, quanto mais demorasse na transição — a troca de professor de sala —, mais se agradavam. A má recepção, na verdade, era para desestimular o mestre a caminhar depressa. O silêncio passageiro da vacância era tática de guerra: o som do descaso disfarçado de calma.

Entre aquele silêncio estratégico e a espera fingida, desenhava-se a coreografia de um engano coletivo. O aluno, que zombava da ausência do mestre, não percebia que zombava da própria sede de aprender. O professor, por sua vez, cansado de resistir, tornava-se cúmplice involuntário de um sistema que o treinou para suportar. Ambos, vítimas e agentes de um mesmo labirinto, mantinham viva a ilusão de que ensinar e aprender ainda ocorriam — quando, na verdade, representavam um espetáculo de sobrevivência. Mas, sob as cinzas dessa encenação, ainda pulsa uma centelha: o desejo tímido, quase secreto, de reerguer a escola como espaço de encontro e tambem de troca, de diálogo e também de nota. Talvez seja nesse resquício de esperança, anônimo e resistente, que a educação ainda respira.

O problema do sistema educacional, na prática, não era a educação, mas a falta dela. As instituições zelavam de sua imagem para as catracas do sistema, todavia não se atentavam para suas relações desdentadas. Descobriram que os avaliadores tinham sede de aprová-los de qualquer jeito para também obter sua aceitação. Ou melhor, ficava claro para o alunado que os coordenadores corrigiam os professores para não perder os clientes, como se a escola não fosse necessária como disciplinadora.

Essa lógica de submissão ao cliente e à imagem, ditada pelo medo de perder verbas e popularidade, transforma a escola em um palco de performance burocrática. O que é necessário mesmo não é mais o debate rigoroso ou a formação ética, mas sim a criação de "projetinhos performáticos" nas apresentações comemorativas. Estes são moldados não para gerar consciência crítica, mas para ostentar dados estatísticos e aprovações externas, garantindo que o ciclo de financiamento e aceitação social continue. A coreografia exigida pelo sistema é aquela que gera uma "satisfação performática", onde o importante é parecer eficiente para as câmeras da avaliação, mesmo que a essência do conhecimento esteja completamente vazia por dentro.

É neste teatro de superficialidades que se sustenta a ilusão.


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Excelente texto para a nossa aula de Sociologia! Ele aborda com clareza e profundidade as disfunções da instituição escolar e as novas relações de poder impostas pela lógica de mercado. Como professor de Sociologia do Ensino Médio, preparei 5 questões discursivas simples e diretas, focadas em conceitos-chave como instituição, burocracia, e a mercantilização da educação.

1. A Escola como Instituição e a Crise de Legitimidade:

O texto afirma que o professor e os alunos mantinham "viva a ilusão de que ensinar e aprender ainda ocorriam — quando, na verdade, representavam um espetáculo de sobrevivência." Defina o conceito sociológico de Instituição Social (como a escola). Explique como a situação descrita no texto sugere uma crise de legitimidade ou uma perda de função essencial dessa instituição.

2. A Burocracia e a "Satisfação Performática":

O autor critica que a escola se transforma em um "palco de performance burocrática" e exige uma "satisfação performática" para as câmeras da avaliação. Utilizando os conceitos de burocracia (Weber), explique o que significa essa "satisfação performática" no contexto educacional e por que ela é mais importante para o sistema do que a "essência do conhecimento" (o rigor e a formação ética).

3. O Aluno como "Cliente" e a Mercantilização da Educação:

O texto revela que "coordenadores corrigiam os professores para não perder os clientes". Analise o impacto da aplicação da lógica de mercado (o aluno como cliente) na instituição escolar. Como essa visão mercantiliza a relação de ensino-aprendizagem e enfraquece o papel da escola como disciplinadora e formadora ética?

4. A Indisciplina como Tática de Resistência:

A crônica descreve o "silêncio passageiro da vacância" como uma "tática de guerra: o som do descaso disfarçado de calma." Em termos sociológicos, a indisciplina e a resistência dos alunos podem ser interpretadas de diversas maneiras. Discuta como esse "engano coletivo" (entre alunos e professor) pode ser visto como uma forma de resistência contra o sistema, ou como a internalização das disfunções desse mesmo sistema.

5. A Esperança da Reconstrução e a Ação Social:

Apesar da crítica, o texto afirma que ainda pulsa um "desejo tímido, quase secreto, de reerguer a escola como espaço de encontro e de diálogo". Relacione esse desejo com o conceito de Ação Social (Weber). Qual seria o tipo de ação social necessário para que a educação se desloque da "satisfação performática" para a busca por "diálogo e formação ética"?

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