"Se você tem uma missão Deus escreve na vocação"— Luiz Gasparetto

" A hipocrisia é a arma dos mercenários." — Alessandro de Oliveira Feitosa

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MINHAS PÉROLAS

sexta-feira, 20 de junho de 2025

Avaliação Formativa: A Sala Julgadora ("Quando os mais velhos não ensinam, os mais novos não aprendem. Quando os mais novos não aprendem, a sabedoria morre." — Provérbio Africano)

 


Avaliação Formativa: A Sala Julgadora ("Quando os mais velhos não ensinam, os mais novos não aprendem. Quando os mais novos não aprendem, a sabedoria morre." — Provérbio Africano)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Houve um tempo em que o ofício de ensinar parecia uma fortaleza sólida, erguida sobre os alicerces do conhecimento e da autoridade conquistada com o tempo. Hoje, porém, essa estrutura parece ruir, tijolo por tijolo, sob o peso de um tempo que embaralha hierarquias e desfigura papéis. Eu, professor de Língua Portuguesa, dividindo meus dias entre os desafios do Ensino Médio e os primeiros passos dos sextos e sétimos anos do Fundamental, recebi uma notícia que me gelou a espinha: meus alunos — sim, aqueles que ainda tropeçam nas vírgulas e se perdem entre os “porquês” — seriam meus avaliadores.

No primeiro instante, um riso nervoso me escapou. Pensei em algo inocente, quase lúdico: “Você gosta do professor?”, “A aula dele é divertida?”. Mas a realidade, sempre mais amarga do que cômica, não tardou a mostrar sua face. Nada de perguntas leves. As mesmas crianças que ainda lutam para compreender um enunciado estariam encarregadas de avaliar meu “domínio do conhecimento”, minha capacidade de “contextualizar o conteúdo”, a “inovação” de minha metodologia e até minha “gestão de sala de aula”. A ironia caiu sobre mim como um raio: eu, com três décadas de experiência em sala, seria julgado por quem mal deu os primeiros passos na alfabetização da vida.

A cena me parecia absurda. Crianças e adolescentes, ainda imersos nas próprias descobertas e, sejamos francos, muitas vezes desafiadores quanto à disciplina, agora detinham o poder de medir o desempenho de quem os conduz. E pior: esse julgamento viria acompanhado de cobrança. “Sua didática não está boa.” “Sua metodologia não agrada.” “Eles não gostam de você.” O sistema, sem rosto e sem escuta, emitiria um parecer com base em opiniões de quem ainda busca compreender o mundo.

O desalento aumentou quando antevi o próximo passo: a avaliação das famílias. Não me surpreenderia se, em breve, o governo enviasse questionários aos lares, acrescentando mais uma camada de julgamento à profissão já tão desvalorizada. Após 32 anos de dedicação, ser avaliado por uma criança de 11 e ter de prestar contas disso é uma humilhação difícil de digerir.

E como se não bastasse, a tal “avaliação formativa” estendia-se também aos colegas. Sim, avaliaríamos uns aos outros. Mas como posso eu, Claudeko, professor de Português, julgar a prática de uma colega de Geografia cuja aula nunca assisti? Como avaliar sua contextualização, seu domínio, sua gestão de sala, se mal nos cumprimentamos nos corredores? Essa tarefa caberia aos coordenadores, pois é obrigação deles, que acompanham nossas aulas, conhecem nossos métodos, observam nossa lida cotidiana. Esperar que entre pares façamos esse tipo de julgamento é, no mínimo, um equívoco institucional.

Sinto, com um amargor difícil de nomear, que vivemos uma inversão. A experiência, que um dia foi trunfo, agora é vista com suspeita — quase um incômodo. O tempo da escola virou palco de um teatro dissonante, onde os atores não sabem mais quem são e o roteiro parece ter sido escrito por mãos inexperientes.

É o fim de uma era. E no crepúsculo dessa vocação que sempre me moveu, o que resta é a angústia de quem ainda acredita na educação, mesmo quando o mundo ao redor insiste em desfigurá-la.




Minha crônica expressa uma profunda frustração e desilusão com as transformações no sistema educacional, a desvalorização da experiência e a inversão de papéis e hierarquias na docência. Como seu professor de sociologia, preparei cinco questões discursivas e simples para aprofundar nas ideias tratadas em meu texto.


1 - A crônica descreve a escola como uma "fortaleza" que "parece ruir", com a autoridade do professor sendo questionada por avaliações dos próprios alunos. Do ponto de vista da Sociologia da Educação, como a reconfiguração das hierarquias e a crise da autoridade docente impactam o processo de ensino-aprendizagem e a dinâmica em sala de aula?


2 - O autor se sente humilhado por ser avaliado por crianças de 11 e 12 anos, que ele percebe como ainda em desenvolvimento de habilidades básicas de interpretação. Com base na Sociologia da Infância e da Adolescência, como a expectativa de que crianças e adolescentes avaliem o desempenho de seus professores pode ser vista como uma inversão de papéis, e quais os possíveis impactos dessa prática na relação pedagógica e na percepção do aluno sobre a escola?


3 - A crônica menciona a previsão de que as famílias também avaliarão os professores, somando-se à desvalorização da profissão. Sob a ótica da Sociologia das Profissões e do Trabalho, como a pressão por accountability (responsabilização) por parte de diferentes atores sociais (alunos, famílias, governo) afeta a autonomia profissional do educador e sua percepção de valor social?


4 - O texto critica a avaliação entre pares, questionando como avaliar um colega de outra área sem acompanhar seu trabalho diário. Do ponto de vista da Sociologia das Organizações e da Sociologia do Trabalho, discuta os desafios de modelos avaliativos que não consideram a complexidade das interações profissionais e a especificidade de cada área de conhecimento, especialmente em um ambiente como a escola.


5 - A crônica expressa um sentimento de que a "experiência, que um dia foi trunfo, agora é vista com suspeita — quase um incômodo". Com base na Sociologia das Gerações e do Conhecimento, como as rápidas mudanças sociais e tecnológicas podem levar à desvalorização do conhecimento acumulado e da experiência dos profissionais mais antigos, gerando um "teatro dissonante" na educação?

quinta-feira, 19 de junho de 2025

Os Carrapatos de Terno ("Não há maior infortúnio que a justiça pervertida." — Francis Bacon)

 



Os Carrapatos de Terno ("Não há maior infortúnio que a justiça pervertida." — Francis Bacon)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Era uma terça-feira qualquer quando presenciei uma cena que me fez refletir sobre os pequenos dramas silenciosos que se espalham pelo tecido da nossa sociedade. Eu estava na fila do banco, distraído com o vai-e-vem das manhãs apressadas, quando um homem bem vestido tropeçou — ou fingiu tropeçar — diante do balcão de atendimento. O que se seguiu foi um espetáculo digno de aplausos, não fosse o tom farsesco da encenação.

— "Ai, meu joelho!", - gritou ele, agarrando a perna com uma intensidade dramática que faria corar um veterano de palco. Funcionários correram para ajudá-lo, enquanto ele, entre gemidos bem calculados, já sacava o celular para fotografar o “local do acidente”. Foi ali, diante dos meus olhos, que nasceu mais um processo judicial.

Saí do banco com uma sensação estranha, não exatamente de revolta, mas de um desalento discreto — uma melancolia provocada pela esperteza travestida de desgraça. Segui meu caminho pelas ruas apressadas da cidade e, pela primeira vez, me peguei observando as pessoas não como anônimos passageiros do cotidiano, mas como possíveis atores de pequenas farsas. Quantos ali, pensei, carregavam pastas recheadas não de currículos ou contratos, mas de estratégias para lucrar com as quedas alheias?

Lembrei-me de uma conversa recente com meu vizinho aposentado, homem simples, de fala mansa e olhos vividos. Contava-me, com uma mistura de incredulidade e cansaço, sobre um conhecido que havia “descoberto” uma nova profissão: caçador de indenizações. — "Ele tem mais processos em andamento do que eu tive empregos na vida toda", - comentou, balançando a cabeça. — "Escorregou no shopping, foi discriminado no trabalho, sofreu danos morais na padaria... Sempre acontece alguma coisa com ele."

O que me marcou não foi o absurdo da história, mas a naturalidade com que foi contada — como se fosse apenas mais um ofício do mercado moderno: o profissional autônomo da vitimização.

Nos dias seguintes, meus olhos, agora mais atentos, passaram a flagrar cenas antes ignoradas. A mulher que “tropeçava” na calçada irregular, o sujeito que “se feria” ao empurrar a porta giratória, o cliente que se dizia “humilhado” por um olhar distraído do atendente. Será que todos estavam certos? Ou estaria nascendo ali uma nova economia subterrânea, sustentada por uma cultura de compensação?

Não nego que injustiças acontecem. A dor real existe e precisa de amparo. Mas há um limite tênue — e perigoso — entre a busca legítima por reparação e o uso da justiça como atalho para o enriquecimento. Quando a exceção vira regra, o sistema que deveria proteger vira ferramenta de abuso. A justiça, então, vira jogo. E alguns jogam com as cartas marcadas.

Numa manhã qualquer, enquanto tomava café numa padaria, ouvi duas pessoas conversando animadamente na mesa ao lado. Uma delas explicava, quase com orgulho, como havia conseguido uma indenização por "constrangimento" numa loja. O tom era de quem entrega uma fórmula mágica, um segredo lucrativo. — "É só saber como falar com o advogado", - dizia, - "ele conhece os truques."

Aquela frase me atravessou como uma lembrança. Pensei no meu avô, que passava os dias numa oficina de bairro, mãos calejadas e olhar honesto. Para ele, dinheiro suado era medalha. Dinheiro fácil, desonra. Jamais entenderia essa nova forma de sustento. — "Quem vive do suor do outro é ladrão", - dizia com firmeza, e com razão.

Talvez por isso me sinta tomado por uma nostalgia silenciosa ao ver essa epidemia de processos fabricados. Sinto falta dos tempos em que um desentendimento era resolvido com uma boa conversa, e não com uma petição. Hoje, a primeira reação não é mais o diálogo — é a ameaça: — “vou processar”.

Andando pelas mesmas ruas de antes, percebo que nos tornamos uma sociedade de caçadores: uns atrás de causas para lucrar, outros atrás de culpados para punir. E no meio disso tudo, fomos esquecendo a arte do perdão, a nobreza do trabalho honesto e o valor da palavra dada.

Não sei se ainda é possível reverter esse curso. Mas, sei que, individualmente, ainda podemos escolher o que ser. Podemos construir ou parasitar, contribuir ou explorar. A decisão, por ora, ainda nos pertence.

Porque, no fim das contas, o que realmente nos define não é o quanto conseguimos arrancar dos outros, mas o que somos capazes de construir com as próprias mãos.

Minha crônica é uma reflexão perspicaz sobre a perversão do sistema de justiça e a ascensão de uma "cultura de compensação" na sociedade. Como seu professor de sociologia, preparei cinco questões discursivas simples para aprofundar as ideias de meu texto.


1 - A crônica descreve a cena de um homem que simula um acidente para abrir um processo judicial, chamando-o de "espetáculo digno de aplausos". Do ponto de vista da Sociologia do Direito, como a busca por indenizações pode se desvirtuar de sua função original de reparação e se tornar um instrumento de oportunismo, impactando a credibilidade do sistema judiciário?


2 - O texto apresenta a figura do "caçador de indenizações" como uma "nova profissão" e uma "economia subterrânea". À luz da Sociologia do Trabalho e do Desvio Social, discuta como essa prática pode ser interpretada como uma forma de parasitismo social, e quais as implicações éticas e econômicas de uma sociedade onde a "vitimização" se torna uma fonte de renda.


3 - A crônica lamenta a perda do diálogo e a prevalência da "ameaça: 'vou processar'". Com base na Sociologia dos Conflitos, como a judicialização das relações sociais transforma a maneira como os indivíduos resolvem seus desentendimentos, e quais são as consequências dessa tendência para a coerência social e a capacidade de resolução de problemas fora do âmbito legal?


4 - Ao contrastar a nova cultura de "processos fabricados" com o valor do "dinheiro suado" do outro, o texto evidencia uma mudança de valores sociais. Utilizando conceitos da Sociologia da Moral, analise como a ética do trabalho honesto e da responsabilidade individual pode ser erodida por práticas que buscam o ganho fácil às custas do outro, e quais os impactos dessa erosão na confiança interpessoal.


5 - A reflexão final do autor sobre uma "sociedade de caçadores" — uns atrás de lucros, outros de culpados — levanta questões sobre o futuro das relações humanas. Sob a ótica da Sociologia Contemporânea, discuta como a individualização extrema e a busca incessante por direitos (muitas vezes, sem a correspondente percepção de deveres) podem fragilizar os laços comunitários e a "arte do perdão", transformando as interações em disputas constantes.

segunda-feira, 16 de junho de 2025

Quando o Saber Vira Retórica Vazia ("Ainda que seja uma verdade desconfortável, prefiro que seja dita a uma mentira que me conforte." — Voltaire)

 



Quando o Saber Vira Retórica Vazia ("Ainda que seja uma verdade desconfortável, prefiro que seja dita a uma mentira que me conforte." — Voltaire)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Existe algo quase hipnótico na forma como certas figuras se impõem no imaginário coletivo, revestidas de uma autoridade que parece imune à crítica. Eu, que transito pelos labirintos do conhecimento e me debruço sobre as palavras dos mestres, me vejo refletindo sobre a natureza do saber. Certa vez, deparei-me com uma frase atribuída a Paulo Freire que, confesso, deixou-me com uma pulga atrás da orelha: "Ao saber que sabemos nos preparamos para saber que não sabemos e ao saber que não sabemos, nos preparamos para saber que pudemos primeiro saber melhor o que já sabemos. Segundo saber o que ainda não sabemos, quer dizer nos tornarmos capazes de produzir o conhecimento ainda não existentes." Não, leitor, não se apresse em julgar. Sei o que você pode estar pensando — que tirei a citação do contexto para desmerecer um ícone. Mas, lhe asseguro: trata-se de uma fala que flutua por mais de uma hora em um vídeo no YouTube, sem jamais ancorar em um porto de sentido.

Essa experiência me trouxe uma epifania. Não seria isso, pensei, uma metáfora do que ocorre em nossas escolas? Onde, tantas vezes, a complexidade vazia toma o lugar da clareza, e o verdadeiro aprendizado se perde em meandros discursivos? Observo, com certa inquietação, que talvez nossos filhos não estejam indo à escola para aprender a pensar, mas para serem doutrinados — moldados por ideologias que, sob o manto do "saber", ocultam a ausência de um conhecimento real e prático.

Pensei, então, nos índices que nos assombram: o QI médio do brasileiro, que estudos apontam ser de 83, enquanto chimpanzés chegam a 95. Uma comparação incômoda, mas que, no íntimo, me força a questionar: qual seria, então, o QI de figuras tão reverenciadas, como o patrono da Educação no Brasil, se considerarmos a incoerência de certos discursos? E, extrapolando, o que dizer de personalidades públicas que, mesmo após anos de exposição e vivência, não conseguem articular uma frase com mínima coesão e sentido? O medo me invade ao imaginar o impacto dessa ideologia na formação de nossas crianças.

É a velha fábula do rei nu, que andava pelas ruas em sua suposta veste invisível, convencendo os súditos de que apenas os inteligentes podiam vê-la. E, por medo de parecerem tolos, todos fingiam admirar a roupa inexistente — até que a voz inocente de uma criança rompeu o silêncio complacente: — "O rei está nu!" Vejo, hoje, um cenário semelhante. Militantes de certa vertente continuam a posar como intelectuais, enquanto grande parte da massa finge acreditar em discursos vazios. Eu, porém, não. E sei que você, leitor, também não. Porque, afinal, a "moderação na defesa da verdade é, em si, um serviço prestado à mentira". E, nessa busca incessante pela clareza, o que nos resta é a coragem de gritar: o saber verdadeiro não se esconde na retórica vazia.


https://www.instagram.com/reel/DKHmhDRgSZJ/?utm_source=ig_web_copy_link (Acessado em 16/06/2025)



Minha crônica é uma reflexão perspicaz sobre a natureza do conhecimento, a validade dos discursos na educação e o perigo da doutrinação. Como seu professor de sociologia, preparei cinco questões discursivas simples para aprofundar as ideias de meu texto.


1 - A crônica questiona a "complexidade vazia" em discursos que "flutuam sem jamais ancorar em um porto de sentido". Como a Sociologia do Conhecimento analisa a diferença entre o saber genuíno e a retórica vazia, e quais as implicações dessa distinção para o aprendizado?


2 - O texto sugere que crianças podem estar sendo "doutrinadas" na escola, moldadas por ideologias que "ocultam a ausência de um conhecimento real". Com base na Sociologia da Educação, discuta como as ideologias podem influenciar o currículo escolar e a prática pedagógica, e quais são os riscos disso para o pensamento crítico dos alunos.


3 - Ao mencionar a fábula do "rei nu", a crônica critica a postura de "militantes" e da "massa" que fingem acreditar em "discursos vazios" por medo ou conveniência. Sob a ótica da Sociologia Política e da Comunicação, como podemos entender a formação e a manutenção de consensos sociais baseados em aparências e a dificuldade de questionar figuras de autoridade?


4 - A comparação do QI médio do brasileiro com o de chimpanzés, embora incômoda, serve como uma provocação. Do ponto de vista da Sociologia da Desigualdade e da Avaliação Social, como os testes de inteligência (QI) são compreendidos na análise social, e quais são os perigos de se usar tais índices de forma descontextualizada para julgar a capacidade intelectual de uma população ou a qualidade de um sistema educacional?


5 - A frase final da crônica, que "a 'moderação na defesa da verdade é, em si, um serviço prestado à mentira'", é um forte posicionamento. Com base na Sociologia Crítica, discuta a importância da coragem intelectual e do questionamento constante para a construção de uma sociedade mais justa e consciente, especialmente em um cenário onde a desinformação e os discursos vazios se proliferam.

domingo, 8 de junho de 2025

O Lado Sombrio do Mestre: A Inocência em Risco ("O perigo não vem do que se ignora, mas do que se sabe e se recusa a ver." — Mário Quintana)

 



O Lado Sombrio do Mestre: A Inocência em Risco ("O perigo não vem do que se ignora, mas do que se sabe e se recusa a ver." — Mário Quintana)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Em meio ao turbilhão de manchetes diárias, algumas nos atingem como golpes, rasgando o véu da normalidade e revelando abismos inesperados. Lembro-me vividamente de um desses choques, um soco no estômago que ainda ecoa em minha memória. Não se tratava dos dramas urbanos habituais ou dos escândalos políticos que já nos entorpecem; era algo mais íntimo, mais perverso, que tocava no que há de mais sagrado: a confiança depositada em um educador.

A notícia se espalhou como um veneno silencioso: um professor, figura que deveria guiar e proteger, foi flagrado com um universo sombrio de pornografia infantil. Cem arquivos, como os jornais relataram, cem fragmentos de inocência violada guardados na casa de quem dava aulas particulares a crianças do ensino fundamental. A imagem me assaltou: como a figura do mestre, um farol de saber, poderia abrigar tamanha escuridão?

A Delegacia Estadual de Repressão a Crimes Cibernéticos (DERCC) agiu prontamente, desvendando essa trama macabra. Mandados de busca e apreensão foram cumpridos em Goiânia e Aparecida de Goiânia, e a cada nova informação, o horror se adensava. Na mesma operação, outro indivíduo foi pego em flagrante, baixando e compartilhando vídeos e fotos íntimas de menores. A frieza da tecnologia, que transforma vidas em meros arquivos digitais, era um espelho da desumanidade.

A polícia, por motivos óbvios, não divulgou os nomes nem as identidades. O professor responderá ao processo em liberdade, enquanto o segundo investigado permanece preso. Uma disparidade de destinos que, para muitos, pode soar como uma injustiça, um desequilíbrio na balança da lei. Contudo, para além dos ritos jurídicos, a dor e a perplexidade persistem.

Essa história, para mim, foi muito mais que uma notícia policial. Cravou-se na alma como um alerta sombrio sobre as fissuras invisíveis da sociedade, sobre os monstros que se ocultam por trás das aparências mais respeitáveis. Quantos "professores" estão por aí, camuflados, tecendo teias de aranha em ambientes que deveriam ser santuários de aprendizado e segurança?

A confiança, uma vez quebrada, deixa cicatrizes profundas. E cada vez que uma notícia assim vem à tona, sinto um pedaço da inocência coletiva se esvair. Que este episódio, por mais doloroso que seja, sirva como um grito de alerta para que estejamos sempre vigilantes, para que protejamos nossas crianças não apenas nas ruas, mas nos lugares onde, por vezes, nos sentimos mais seguros. Pois, às vezes, o abismo está mais perto do que imaginamos, escondido nas sombras de um quarto, atrás da tela de um computador, ou no coração de quem menos esperamos. E a nossa maior lição é jamais baixar a guarda diante do que se esconde à espreita.


https://digital.dm.com.br/#!/view?e=20250607&p=2 (Acessado em 08/06/2025)




Minha crônica é uma reflexão poderosa sobre a quebra de confiança e a necessidade de vigilância em face de crimes que afetam a inocência. Como professor de sociologia, elaborei cinco questões discursivas simples para aprofundar as ideias de meu texto.


1 - A crônica descreve a quebra da confiança depositada em um educador como um "soco no estômago". Do ponto de vista da Sociologia das Relações Sociais, qual é a importância da confiança nas instituições sociais, especialmente na educação, e quais são as consequências de sua violação para a comunidade?


2 - O texto aborda a "frieza da tecnologia" que transforma "vidas em meros arquivos digitais". Como a Sociologia da Tecnologia analisa o uso da internet e das redes para a prática de crimes, e quais são os desafios para a vigilância e proteção em ambientes digitais?


3 - A crônica menciona que o professor responderá ao processo em liberdade, enquanto outro investigado permanece preso, levantando a questão da "disparidade de destinos". Com base na Sociologia do Direito e da Justiça, como podemos analisar as diferentes respostas do sistema legal a crimes semelhantes e as percepções públicas sobre essas decisões?


4 - O autor fala sobre as "fissuras invisíveis da sociedade" e os "monstros que se ocultam por trás das aparências mais respeitáveis". Discuta, sob a ótica da Sociologia do Desvio e do Controle Social, como a sociedade lida com a descoberta de crimes praticados por indivíduos que detêm posições de confiança e respeitabilidade.


5 - A reflexão final da crônica é um "grito de alerta para que estejamos sempre vigilantes". Pensando na Sociologia da Segurança Pública, quais são os papéis da sociedade civil, das instituições de ensino e do Estado na criação de ambientes seguros para crianças, e como essa vigilância pode ser exercida sem comprometer a liberdade e a privacidade?

sábado, 7 de junho de 2025

O Fardo Invisível: Quando a Escola Vira Substituta ("A escola não é um substituto da vida, mas um meio para se aprender a vivê-la." — John Dewey)

 



O Fardo Invisível: Quando a Escola Vira Substituta ("A escola não é um substituto da vida, mas um meio para se aprender a vivê-la." — John Dewey)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Os primeiros rumores de uma "guarda compartilhada" entre escola e família chegaram-me envoltos em um disfarce de zelo. À primeira vista, parecia um caminho promissor para estreitar laços. Mas, conhecendo o pulsar diário da sala de aula, logo percebi o ardil: a proposta, na verdade, deturpa as funções primordiais da instituição escolar. Senti que estavam, sutilmente, empurrando aos professores um fardo que não lhes pertence, uma sobrecarga camuflada de cuidado que desrespeita os limites sagrados de nossa profissão.

Lembro-me das palavras de Michel Foucault (1975), que concebia a escola como um espaço de disciplinamento e organização de saberes, jamais como uma extensão do lar. Quando testemunho a expectativa de que o professor assuma a responsabilidade pela higiene, saúde e até o transporte dos alunos, vejo a responsabilidade pública sendo transferida para o indivíduo, mascarando as falhas estruturais de um Estado ausente. A pensadora Djamila Ribeiro (2017) captou essa essência com precisão cirúrgica: "não se trata de humanizar a escola, mas de instrumentalizar o professor como agente paliativo de políticas ausentes". É uma forma cruel de nos responsabilizar sem o devido suporte.

A justificativa de que "isso já era rotina" é ainda mais alarmante. Naturalizar o acúmulo de funções, transformando o professor em um faz-tudo, ignora o peso avassalador sobre nossa saúde mental. Sinto isso na pele, e o relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2021) não deixa dúvidas, associando a precarização docente ao aumento alarmante de síndromes de esgotamento. É exaustivo, e o silêncio diante dessa realidade é um cúmplice.

Minha alma ecoa a urgência de Hannah Arendt (1954), que defendia a clareza em "separar a esfera da educação da esfera da assistência". A escola é, e sempre será, um espaço de mediação do conhecimento, um farol a iluminar caminhos intelectuais. Nunca deveria ser um substituto para a família, tampouco uma agência de assistência social.

Essa "guarda compartilhada" revela-se, portanto, uma manobra. Ela transfere para nós, educadores, o ônus de um descompasso que não criamos: a exaustiva jornada de trabalho dos pais e os horários escolares inflexíveis. Isso não é uma solução; é uma grave negligência institucional. Impor o cuidado integral como um dever docente não é mais que romantizar a exploração, distorcendo o papel essencial e nobre da educação.

No fundo, essa proposta é um projeto ideologicamente perverso, que desloca a responsabilidade social e viola os limites éticos e profissionais pelos quais tanto lutamos. Não somos tutores, babás ou enfermeiros. Somos, em nossa essência e paixão, educadores. E é nessa vocação, e somente nela, que a escola pode encontrar seu verdadeiro propósito e sua força transformadora.




Minha crônica faz uma crítica profunda e necessária sobre a sobrecarga de responsabilidades dos professores e a descaracterização do papel da escola. Ela destaca a importância de manter a função educacional clara e separada de outras esferas sociais. Como professor de sociologia, preparei 5 questões simples para aprofundar as ideias do seu texto:


1 - A crônica questiona a ideia de "guarda compartilhada" na escola, argumentando que isso "deturpa as funções primordiais da instituição escolar". Como a Sociologia da Educação define o papel principal da escola na sociedade contemporânea e por que é importante manter essa função bem delimitada?


2 - O texto cita Djamila Ribeiro ao dizer que o professor está sendo "instrumentalizado como agente paliativo de políticas ausentes". De que forma a Sociologia do Trabalho pode analisar a sobrecarga de funções dos professores e como isso afeta a qualidade do ensino e a saúde mental desses profissionais?


3 - A crônica se refere à fala de Hannah Arendt sobre "separar a esfera da educação da esfera da assistência". Explique, com base na Sociologia, por que a escola não deve ser vista como substituta da família ou de outros serviços sociais, e quais seriam as consequências dessa confusão de papéis.


4 - O texto afirma que a "guarda compartilhada" transfere para os educadores o "ônus de um descompasso" entre a jornada dos pais e os horários escolares. Como a Sociologia da Família e a Sociologia Urbana podem analisar as pressões sociais e econômicas que levam as famílias a buscar na escola um apoio que vai além da educação formal?


5 - A crônica conclui que o professor é, em sua essência, um "educador", e não um "tutor, babá ou enfermeiro". Pensando na Sociologia das Profissões, discuta por que é crucial valorizar e proteger a identidade profissional do educador, garantindo que ele possa focar em sua vocação de mediar o conhecimento e transformar vidas.

quinta-feira, 5 de junho de 2025

O Programa Pé-de-Meia: O Preço da Permanência ("A verdade é a melhor parte da mentira." — Mário Quintana)

 



O Programa Pé-de-Meia: O Preço da Permanência ("A verdade é a melhor parte da mentira." — Mário Quintana)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Quando os primeiros dias de 2024 trouxeram a notícia do "Programa Pé-de-Meia", confesso que uma ponta de esperança se acendeu em mim. A proposta de combater a evasão escolar e diminuir as desigualdades educacionais por meio de incentivos financeiros parecia, à primeira vista, um sopro de ar fresco. Mas, vivendo o cotidiano da educação, aprendi que nem toda promessa se sustenta em chão firme — e a fragilidade dessa iniciativa, embora bem-intencionada, logo se revelou. É como tentar manter de pé uma casa em ruínas com pilares feitos de papel-moeda.

A essência do programa — remunerar matrícula, frequência e conclusão — rapidamente me fez refletir: será que o dinheiro, sozinho, tem o poder de acender a chama do saber nas juventudes? O educador "Miguel Arroyo (2023)" ressoa em meus pensamentos com precisão: "não é a escola que falta aos alunos, é o sentido de estar nela". Em muitos corredores, vejo estudantes de olhos vazios, cumprindo presença, mas sem a curiosidade que deveria mover a aprendizagem. Estão fisicamente ali, mas emocionalmente distantes, movidos pela recompensa e não pelo desejo genuíno de aprender. Corre-se o risco de a escola tornar-se um balcão de trocas, afastando-se de sua verdadeira vocação como espaço de formação humana e crítica.

Essa lógica financeira, embora sedutora, pode aprofundar ainda mais as fissuras sociais. A socióloga "Silvia Viana (2022)" nos adverte sobre a "meritocracia da sobrevivência", um disfarce que encobre desigualdades estruturais sob a aparência de esforço recompensado. Quantos jovens, mesmo enfrentando adversidades imensas, ficam fora do programa por não se enquadrarem nos critérios do Cadastro Único? Muitos precisam trabalhar para ajudar em casa, outros lidam com realidades que vão além da simples ausência de dinheiro. Ao focar nas recompensas individuais, o Estado desvia-se de responsabilidades fundamentais: oferecer escolas com infraestrutura adequada, valorizar seus professores e construir currículos que dialoguem com a realidade dos alunos.

O fato é que o Pé-de-Meia não enfrenta o cerne da questão: a "qualidade da educação" e a "equidade estrutural". Lembro da esperança que me trouxe a promulgação da Lei nº 13.935/2019, com a promessa de psicólogos e assistentes sociais nas escolas. Pensei: “Agora, teremos um respiro!” Mas a realidade, como sempre, mostrou-se mais dura. Sem condições materiais, vínculos estáveis e valorização real desses profissionais, suas ações se tornaram paliativos. O especialista em políticas educacionais "Daniel Cara (2023)" sintetiza bem: "Nenhuma política pública se sustenta sem investimento real e sem escuta dos que vivem o chão da escola". E, vivendo esse chão, não há como discordar.

Proteger de verdade a escola exige muito mais do que palavras bonitas em datas simbólicas ou depósitos condicionais. É preciso "coragem institucional" para romper com a lógica meritocrática que adoece, desmantelar as relações autoritárias que sufocam e silenciar os pactos de omissão que perpetuam a injustiça. Só assim a escola deixará de ser palco de uma segurança encenada para se tornar um refúgio autêntico. Que sejamos capazes, como sociedade, de ouvir o que o chão da escola nos diz — e, mais do que isso, de transformá-lo no solo fértil de acolhimento e florescimento que ela sempre deveria ter sido. Muito além de protocolos vazios, muito além do preço que se tenta fixar à permanência.




Minha crônica oferece uma análise crítica e aprofundada sobre o Programa Pé-de-Meia, apontando suas limitações e a necessidade de uma abordagem mais complexa para os desafios da educação brasileira. Como professor de sociologia, preparei 5 questões discursivas para explorar essas ideias.


1 - A crônica questiona se o incentivo financeiro do Programa Pé-de-Meia, por si só, é suficiente para reter os alunos, sugerindo que "não é a escola que falta aos alunos, é o sentido de estar nela". Como a Sociologia da Educação compreende o conceito de "sentido" na aprendizagem e de que forma a ausência desse sentido pode ser um fator de evasão escolar, mesmo diante de incentivos financeiros?


2 - O texto aborda a "meritocracia da sobrevivência" e como o foco excessivo em recompensas individuais pode "disfarçar desigualdades estruturais". Com base na Sociologia das Desigualdades, analise como programas que priorizam o mérito individual podem falhar em resolver problemas sistêmicos e quais seriam as implicações para a equidade educacional.


3 - A crônica critica a burocratização do cuidado na escola, mencionando que a Lei nº 13.935/2019 (psicólogos e assistentes sociais) se torna "paliativa" sem condições de trabalho e valorização. Sob a ótica da Sociologia do Trabalho e das Políticas Públicas, discuta a importância do investimento em recursos humanos e infraestrutura para a efetividade de políticas educacionais de apoio e acolhimento.


4 - O autor apela por "coragem institucional para romper com a lógica meritocrática", "desmantelar relações autoritárias" e "silenciar os pactos de omissão". Como a Sociologia das Organizações e a Sociologia do Conflito interpretam a resistência das instituições a essas mudanças profundas e qual o papel da liderança e da participação coletiva nesse processo?


5 - A reflexão final do texto propõe que a escola se torne um "refúgio autêntico" e "solo fértil de acolhimento e florescimento", indo "muito além de protocolos vazios". Do ponto de vista da Sociologia Crítica da Educação, como a escola pode transcender a função meramente reprodutora de desigualdades e se consolidar como um espaço de transformação social e emancipação para os estudantes?