ALTERNÂNCIA ("Na vida não temos só sonhos ou só pesadelos, a alternância entre ambos é que faz a realidade". — Charles Chaplin)
Há dias em que a escola parece um palco de tragédias e comédias improvisadas. Eu já deveria saber, mas, teimoso que sou, entro em cena acreditando que o roteiro será seguido. Naquela tarde, tudo parecia dentro da normalidade – ou, pelo menos, da normalidade escolar, essa entidade volúvel que muda de forma conforme o vento sopra.
Meu plano era simples: os alunos escreveriam e encenariam pequenas peças. Uma forma de trabalhar literatura de maneira viva, dando-lhes protagonismo. Expliquei as diretrizes, distribuí os grupos, observei um ou outro bocejo disfarçado. Mas era cedo demais para cantar vitória. O teatro verdadeiro aconteceria em outra parte.
De repente, o professor de Educação Física entrou sem cerimônias e, como um diretor autoritário, dissolveu metade do elenco. Os convocados para o ensaio da quadrilha saíram e, com eles, esvaiu-se a concentração dos que ficaram. Em instantes, a janela tornou-se palco de um espetáculo muito mais interessante do que o meu. Os olhos que deveriam estar nas páginas dos roteiros estavam vidrados no pátio, onde o mundo parecia muito mais animado.
Não demorou muito para que a coordenadora, sempre à espreita, surgisse trazendo a diretora. Vieram me pressionar a passar qualquer coisa do livro. Qualquer coisa. A finalidade era simples: fazê-los sentar. O aprendizado era irrelevante, o conteúdo, dispensável. Fiquei ali, parado, refletindo sobre a pobreza do propósito, sobre a afronta ao meu profissionalismo. A grosseria que ouvi me amedrontou, mas segui com meu teatro.
O problema maior era outro: se eu passasse qualquer atividade, teria que prometer nota, pois, sem isso, ninguém sequer pegaria o lápis. Assim, os que ficaram fariam a tarefa – não por interesse, mas por obrigação. Os que estavam no pátio, por sua vez, ficariam isentos. Uma injustiça didática, um tiro no pé da lógica, e eu, no meio desse fogo cruzado, equilibrando pratos para manter uma frágil ilusão de ordem.
Depois do tumulto e de minhas reclamações, providenciaram o retorno dos alunos. O ensaio foi interrompido, os fanfarrões voltaram a contragosto e, enfim, a aula aconteceu – para o descontentamento dos dançarinos frustrados e o evidente constrangimento do professor de Educação Física. O saldo do dia? Duas perguntas martelavam minha mente: quem, afinal, causou prejuízo a quem? E onde estava o apoio pedagógico quando precisei?
Mas a escola tem dessas ironias. No dia seguinte, a cena mudou de tom. Antes mesmo de distribuir a prova da OBMEP, um aluno do fundo da sala, com um ar excessivamente sério, levantou a mão:
— Professor, qual é a resposta da primeira questão?
Se fosse um dia ruim, eu teria suspirado. Mas era um dia bom, e a resposta me veio como um relâmpago:
— Coloque “Idiota útil”.
Risos abafados. Ele insistiu, agora com um brilho travesso nos olhos:
— E o que é um idiota útil?
Pensei por um segundo.
— Não sei conceituar a expressão, mas posso dar um exemplo.
O colega da frente, num misto de curiosidade e cumplicidade, se intrometeu:
— Então dá um exemplo, professor!
Eu sorri.
— Olhe no espelho.
A classe explodiu em gargalhadas. O aluno, é claro, não deixou barato. Disse algo que não ouvi, mas que arrancou um riso debochado da colega ao lado.
Ali, entre risos, provocações e pequenas vinganças verbais, lembrei-me de um velho ditado: “Quem diz o que quer, ouve o que não quer”.
A escola, no fim, é um grande palco. E, seja em tragédia ou comédia, sou sempre personagem e espectador desse espetáculo que nunca termina.
Preparei 5 questões discursivas e simples para aprofundarmos nossa reflexão sociológica sobre o cotidiano escolar:
1. A crônica descreve um dia em que a aula do professor é interrompida por decisões administrativas e outro dia em que a interação com os alunos é marcada pelo humor. Sob uma perspectiva sociológica, como podemos analisar a relação de poder entre professores, alunos e administração escolar presente na narrativa?
2. O texto relata a pressão da coordenação e da diretora para que o professor "passasse qualquer coisa do livro" com o único objetivo de manter os alunos sentados e em silêncio. Como essa situação reflete a visão da escola como uma instituição focada no controle e na disciplina, em detrimento de outros objetivos pedagógicos?
3. Em um momento da crônica, o professor se sente "no meio de um fogo cruzado, equilibrando pratos para manter uma frágil ilusão de ordem". De que forma essa metáfora ilustra os desafios enfrentados pelos professores no cotidiano escolar e as tensões entre diferentes expectativas e demandas?
4. A crônica utiliza a expressão "Teatro do Absurdo" para descrever o ambiente escolar. Em que medida essa metáfora do "absurdo" nos ajuda a compreender as situações contraditórias e por vezes ilógicas que podem ocorrer nas instituições sociais, como a escola?
5. No final da crônica, o professor questiona: "quem, afinal, causou prejuízo a quem? E onde estava o apoio pedagógico quando precisei?". Considerando a perspectiva sociológica da educação, quais seriam os possíveis "prejuízos" causados pelas situações descritas na crônica para os diferentes atores envolvidos (professores, alunos, administração)? E qual o papel do "apoio pedagógico" em um contexto como esse?**
Há dias em que a escola parece um palco de tragédias e comédias improvisadas. Eu já deveria saber, mas, teimoso que sou, entro em cena acreditando que o roteiro será seguido. Naquela tarde, tudo parecia dentro da normalidade – ou, pelo menos, da normalidade escolar, essa entidade volúvel que muda de forma conforme o vento sopra.
Meu plano era simples: os alunos escreveriam e encenariam pequenas peças. Uma forma de trabalhar literatura de maneira viva, dando-lhes protagonismo. Expliquei as diretrizes, distribuí os grupos, observei um ou outro bocejo disfarçado. Mas era cedo demais para cantar vitória. O teatro verdadeiro aconteceria em outra parte.
De repente, o professor de Educação Física entrou sem cerimônias e, como um diretor autoritário, dissolveu metade do elenco. Os convocados para o ensaio da quadrilha saíram e, com eles, esvaiu-se a concentração dos que ficaram. Em instantes, a janela tornou-se palco de um espetáculo muito mais interessante do que o meu. Os olhos que deveriam estar nas páginas dos roteiros estavam vidrados no pátio, onde o mundo parecia muito mais animado.
Não demorou muito para que a coordenadora, sempre à espreita, surgisse trazendo a diretora. Vieram me pressionar a passar qualquer coisa do livro. Qualquer coisa. A finalidade era simples: fazê-los sentar. O aprendizado era irrelevante, o conteúdo, dispensável. Fiquei ali, parado, refletindo sobre a pobreza do propósito, sobre a afronta ao meu profissionalismo. A grosseria que ouvi me amedrontou, mas segui com meu teatro.
O problema maior era outro: se eu passasse qualquer atividade, teria que prometer nota, pois, sem isso, ninguém sequer pegaria o lápis. Assim, os que ficaram fariam a tarefa – não por interesse, mas por obrigação. Os que estavam no pátio, por sua vez, ficariam isentos. Uma injustiça didática, um tiro no pé da lógica, e eu, no meio desse fogo cruzado, equilibrando pratos para manter uma frágil ilusão de ordem.
Depois do tumulto e de minhas reclamações, providenciaram o retorno dos alunos. O ensaio foi interrompido, os fanfarrões voltaram a contragosto e, enfim, a aula aconteceu – para o descontentamento dos dançarinos frustrados e o evidente constrangimento do professor de Educação Física. O saldo do dia? Duas perguntas martelavam minha mente: quem, afinal, causou prejuízo a quem? E onde estava o apoio pedagógico quando precisei?
Mas a escola tem dessas ironias. No dia seguinte, a cena mudou de tom. Antes mesmo de distribuir a prova da OBMEP, um aluno do fundo da sala, com um ar excessivamente sério, levantou a mão:
— Professor, qual é a resposta da primeira questão?
Se fosse um dia ruim, eu teria suspirado. Mas era um dia bom, e a resposta me veio como um relâmpago:
— Coloque “Idiota útil”.
Risos abafados. Ele insistiu, agora com um brilho travesso nos olhos:
— E o que é um idiota útil?
Pensei por um segundo.
— Não sei conceituar a expressão, mas posso dar um exemplo.
O colega da frente, num misto de curiosidade e cumplicidade, se intrometeu:
— Então dá um exemplo, professor!
Eu sorri.
— Olhe no espelho.
A classe explodiu em gargalhadas. O aluno, é claro, não deixou barato. Disse algo que não ouvi, mas que arrancou um riso debochado da colega ao lado.
Ali, entre risos, provocações e pequenas vinganças verbais, lembrei-me de um velho ditado: “Quem diz o que quer, ouve o que não quer”.
A escola, no fim, é um grande palco. E, seja em tragédia ou comédia, sou sempre personagem e espectador desse espetáculo que nunca termina.
Preparei 5 questões discursivas e simples para aprofundarmos nossa reflexão sociológica sobre o cotidiano escolar:
1. A crônica descreve um dia em que a aula do professor é interrompida por decisões administrativas e outro dia em que a interação com os alunos é marcada pelo humor. Sob uma perspectiva sociológica, como podemos analisar a relação de poder entre professores, alunos e administração escolar presente na narrativa?
2. O texto relata a pressão da coordenação e da diretora para que o professor "passasse qualquer coisa do livro" com o único objetivo de manter os alunos sentados e em silêncio. Como essa situação reflete a visão da escola como uma instituição focada no controle e na disciplina, em detrimento de outros objetivos pedagógicos?
3. Em um momento da crônica, o professor se sente "no meio de um fogo cruzado, equilibrando pratos para manter uma frágil ilusão de ordem". De que forma essa metáfora ilustra os desafios enfrentados pelos professores no cotidiano escolar e as tensões entre diferentes expectativas e demandas?
4. A crônica utiliza a expressão "Teatro do Absurdo" para descrever o ambiente escolar. Em que medida essa metáfora do "absurdo" nos ajuda a compreender as situações contraditórias e por vezes ilógicas que podem ocorrer nas instituições sociais, como a escola?
5. No final da crônica, o professor questiona: "quem, afinal, causou prejuízo a quem? E onde estava o apoio pedagógico quando precisei?". Considerando a perspectiva sociológica da educação, quais seriam os possíveis "prejuízos" causados pelas situações descritas na crônica para os diferentes atores envolvidos (professores, alunos, administração)? E qual o papel do "apoio pedagógico" em um contexto como esse?**